HOME

Home

Com jogo de cintura, mulheres conquistam espaço no mercado financeiro

Saiu no site O GLOBO

 

Veja publicação original:  Com jogo de cintura, mulheres conquistam espaço no mercado financeiro

.

Ramo costuma ser um dos mais machistas do planeta

.

Por Alessandra Medina

.

Nem a rígida educação chinesa que recebeu dos pais preparou a economista carioca Aline Sun, de 46 anos, para as experiências que viveria no primeiro emprego. Contratada por um banco de investimentos para trabalhar na mesa de operações, lugar bem retratado no filme “O lobo de Wall Street”, era a única mulher no meio de mais de 30 homens. Passou por tudo: de ouvir palavrões capazes de envergonhar chefes de torcidas de futebol a presenciar brigas com operadores trocando socos e rolando no chão. Nada a chocou mais do que escutar o comentário de um diretor ao fechar uma grande transação: “O corretor deixou você ganhar!”.

.

Mas foi justamente nesse ambiente nada amistoso que Aline escolheu ganhar a vida. Hoje, ela é sócia da Guide Investimentos, corretora que tem mais 77 mil clientes e administra cerca de R$ 20 bilhões. Em casa, Aline aprendeu dois conceitos fundamentais, que a ajudaram a chegar até aqui: não abaixar a cabeça e negociar bem, inclusive o preço de uma calça jeans numa loja de shopping. “Temos que estudar muito, até mais do que os homens. Porque precisamos provar competência o tempo todo”, afirma ela, que fez a pós-graduação em Portfolio Management, em Harvard.

.

No mundo inteiro, o mercado financeiro ainda não é visto como um lugar para mulheres. A revista “Forbes” fez uma pesquisa para descobrir as 10 carreiras mais machistas nos Estados Unidos. A profissão de caminhoneiro apareceu na última posição. Em primeiro lugar, adivinha? Para a surpresa de muitos, agente financeiro. Apenas 10% das posições em bancos, corretoras e cooperativas de crédito são ocupadas pelo sexo feminino. A taxa de CEO é pior ainda: apenas 2% das instituições têm uma líder na cadeira mais importante da empresa. No Brasil, não existem dados disponíveis, mas dá para se ter uma ideia da situação pelo percentual de certificados obrigatórios para quem quer trabalhar no setor. A quantidade de portadoras do Chartered Financial Analyst (CFA), o título internacional considerado o mais importante e difícil da área, chega a 11%, bem abaixo da média global, que é de 18%. E não há mulheres ocupando o cargo de CEO em empresa alguma listada no Ibovespa, o principal índice da bolsa de valores brasileira.

.

Formada em Administração pela PUC-Rio e com um MBA em Finanças pelo Ibmec, Sigrid Guimarães (cuja semelhança com a irmã, a atriz Ingrid, impressiona) admite que, para sobreviver na profissão, precisou endurecer: “Perdi as contas de quantas vezes tive de falar mais alto para ser ouvida numa reunião”.

.

Ela é sócia-fundadora da gestora de patrimônio familiar ALOCC, que tem 70% dos funcionários do sexo feminino. “Não foi proposital. Contratei a melhor pessoa para determinada vaga”, conta Sigrid, de 44 anos.

.

Os investidores também seguem essa linha. A gestora tem analistas cuja cartela de clientes mulheres chega a 90%. “Acho que, quando o assunto é lidar com o dinheiro dos outros, nós somos mais cuidadosas e sinceras. Já atendi a uma família que estava pesquisando instituições financeiras para gerir o seu patrimônio. Os bancos só faltaram estender o tapete vermelho. Aqui, quando vi a situação deles, disse que, se não cortassem gastos, o dinheiro deles ia acabar em 10 anos. Viraram clientes porque falei a verdade”, conta ela, que tem mais de R$ 5 bilhões sob sua gestão.

.

Sigrid Guimarães Foto: Ana Branco / Agência O Globo
Sigrid Guimarães Foto: Ana Branco / Agência O Globo

.

A competência feminina para gerir os recursos foi comprovada numa pesquisa realizada pela Warwick Business School, com 2.800 investidores do Reino Unido. O resultado indicou que, nos últimos três anos, as mulheres tiveram desempenho acima da média, e também estiveram à frente dos homens com ganhos em suas aplicações (1,94% contra 0,14%). Por que o dinheiro rende mais nas mãos delas? A melhor performance foi creditada à menor alteração das carteiras de clientes, que giraram nove vezes contra 13 dos homens. Em outras palavras, quando o assunto é dinheiro, as agentes são mais cautelosas e pacientes e, por isso, seus clientes lucram mais.

.

Se o número de profissionais que ganham a vida como financistas (ainda) é baixo, o de mulheres investindo vai pelo mesmo caminho. No Brasil, dos mais de 900 mil CPFs ativos na Bolsa de Valores, 22% pertencem ao sexo feminino.

.

O índice das que aplicam suas economias no Tesouro Direito chega a 29%. A situação só vai mudar quando o acesso à educação financeira for facilitado. É o que acredita a economista Itali Collini, à frente do movimento Feminismo Financeiro, cujo objetivo é estimular a ocupação do mercado, como profissionais ou investidoras. Para isso, oferece cursos básicos

.

sobre finanças e preparatórios para as provas de certificação obrigatórias para trabalhar na área. Por conta de suas pesquisas, Itali virou uma referência de luta por igualdade no setor. Ela mesma já sentiu o preconceito na pele várias vezes. “É um clima hostil. Quando trabalhava na mesa de operações, fechei um excelente negócio. Em vez de receber os parabéns, ouvi de um chefe que só Deus sabia o que tinha feito para ter sido bem-sucedida”, lembra.

.

O caminho de Patrícia Furtado, de 49 anos, até o posto de vice-presidente financeira do BNY Mellon no Brasil também não foi fácil. Ela virou madrugadas trabalhando escondida na sala, enquanto o marido dormia no quarto. Hoje, um dos seus maiores desafios à frente do banco é manter o espírito descontraído, sem perder o foco nos resultados. A estratégia está dando certo. Em uma pesquisa interna na empresa, seu nome foi o único citado entre todos os chefes como exemplo de superior compreensiva. “Acho que, por ser mulher, sou mais observadora. Sei quando alguém da minha equipe não está bem. Ou eu chamo para conversar ou aciono alguém para fazer isso. O importante é que todos sabem que estou sempre aberta para um bate-papo”, diz ela. Hoje, no BNY Mellon, as mulheres representam 45% dos cargos de gerência. Patrícia também patrocina um movimento de diversidade que busca tornar o ambiente mais inclusivo ao grupo LGBT. “Acho importante ouvir e dar vozes a todos.”

.

.

Patricia Furtado Foto: Ana Branco / Agência O Globo
Patricia Furtado Foto: Ana Branco / Agência O Globo

.

Apesar dos direitos conquistados pelas mulheres, a maternidade ainda é um fator que atrapalha veladamente a ascensão na carreira, tanto que nenhuma das mulheres oriundas dessas reportagem gozaram os seis meses de licença-maternidade que tinham de direito. Sigrid chegou a levar um dos filhos para amamentar na empresa durante o expediente. Já Aline, dias depois de parir, começou a trabalhar de casa. Patrícia nunca esqueceu o conselho de uma colega na primeira empresa que trabalhou. “Era melhor dizer que ia levar o carro ao mecânico do que o filho ao pediatra”, conta ela que, antes de ter João, seu filho de 13 anos, sofreu três abortos: “Sempre quis muito ser mãe, mas engravidava e perdia. Para não ter disse me disse, marcava a curetagem no final de semana e, na segunda, ia trabalhar como se nada tivesse acontecido.” Mesmo com toda cobrança, Aline não abre mão de ser mãezona. “No mês passado, meu filho quebrou o dedo, desmarquei reuniões e fui correndo socorrê-lo. É o tipo de atitude que os machistas condenam, mas não vou mudar”, diz. Certa ela.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

.

.

.

.

.

.

.

.

.

.

.

.

.

.

.

.

.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Compartilhe

Compartilhar no facebook
Facebook
Compartilhar no twitter
Twitter
Compartilhar no linkedin
LinkedIn

Veja também

HOME