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Ciúmes, desemprego, conflitos. Telejornais tendem a “justificar” crimes de violência doméstica

Saiu no site PÚBLICO – PORTUGAL

 

Veja publicação original: Ciúmes, desemprego, conflitos. Telejornais tendem a “justificar” crimes de violência doméstica

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ERC alerta para a necessidade de as notícias enquadrarem violência doméstica na esfera da desigualdade de género. As vítimas tendem a desaparecer nos casos mais mediáticos. E foco nos homicídios pode limitar percepção pública do problema, diz o regulador.

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Por Margarida David Cardoso

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Há uma tendência no jornalismo televisivo para “justificar” os crimes de violência doméstica, procurando as “possíveis causas” para que eles aconteçam, havendo ainda notícias que levam mesmo a crer que a responsabilidade da agressão é da própria vítima. Isto é potenciado pela contextualização pobre deste crime enquanto problema social, o que pode limitar a percepção pública e perpetuar preconceitos sobre vítimas e agressores, concluiu a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) no estudo Representações da Violência Doméstica nos Telejornais de Horário Nobre, que é apresentado nesta segunda-feira.

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A análise a 432 peças transmitidas na RTP 1, RTP 2, SIC e TVI, entre 2013 e 2015, demonstrou que 41,7% das notícias apresentam os “motivos” para a ocorrência do crime ou a tentativa de os aferir. O “fim de uma relação” e a existência de “um relacionamento conflituoso” aparecem em 65% dessas peças que procuram as razões da violência. “Ainda que em menor percentagem, os jornalistas relatam, com base nos testemunhos de familiares, amigos, vizinhos e, por vezes, das autoridades, a ‘natureza passional’, os ‘ciúmes’ e a ‘infidelidade’ na origem” da agressão.

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É assim transmitida a ideia de que há justificação para este tipo de violência, diz Tânia Soares, directora do Departamento de Análise de Media da ERC e coordenadora do estudo.

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São poucas as vezes — 18 em 375 peças nas quais é apresentada a vítima — em que é sugerida uma responsabilização da vítima pela agressão. Nestes casos, foram identificadas condutas susceptíveis de culpabilizar as vítimas — “bebia muito”, tinha outra relação amorosa, não se afastava do agressor.

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Na base disto está a falta de contextualização da problemática da violência doméstica, diz a ERC. Dá-se o exemplo de uma notícia de 2015, que tinha a seguinte frase destacada: “Mulher fez queixa do marido, mas decidiu continuar em casa.”

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“Explicar as dificuldades das vítimas quando tentam acabar a relação permitiria fazer uma abordagem mais correcta e evitaria falsas crenças ou mitos como ‘a mulher merece ser agredida’ porque não quis pôr um fim à violência”, refere o regulador. Há ainda, por vezes, notícias que associam a “violência doméstica a determinadas aspectos como a nacionalidade, profissão ou idade dos envolvidos, “que em nada contribuem para a compreensão do problema”, aponta Tânia Soares.

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Por isso, ainda que o uso de álcool ou estupefacientes, por exemplo, possa facilitar situações de violência doméstica, “não é a sua causa” ao contrário do que “muitas vezes é referido nas notícias”. Além disso, este tipo de violência na intimidade atravessa vários grupos sociais e culturais, pelo que referir determinadas características “pode contribuir para o reforço de estereótipos”.

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A ERC conclui ainda que apenas uma em cada três notícias enquadra e problematiza o tema, com estatísticas e explicações psicossociológicas (algo que aumentou entre 2013 e 2015, em especial nos canais públicos).

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Mas a violência doméstica é muitas vezes tratada como qualquer outro crime violento. E não deve, diz a ERC, porque não é apenas a violência que está em causa, mas um problema social com origem no desequilíbrio das relações de poder entre homens e mulheres. Em 2017, por hora, foram registadas quase quatro denúncias em Portugal; 80% sobre mulheres, segundo o último Relatório Anual de Segurança Interna.

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Dar voz às sobreviventes

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É, por isso, diferente falar em “homicídio” ou em “homicídio em contexto de violência doméstica”, frisa Tânia Soares. Em mais de metade das peças, os jornalistas optaram por designações genéricas.

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Uma abordagem mais ampla significa também dar voz às sobreviventes. A ERC quer que os jornalistas percebam que “podem tratar as mesmas matérias, mas de uma forma mais benéfica para a vítima”, diz Tânia Soares, divulgando serviços de apoio, incentivando a denúncia deste crime público.

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O retrato das vítimas “é normalmente circunscrito ao medo das agressões e à dificuldade de sair do ciclo de violência”. E nos casos mais mediáticos – como os de Manuel “Palito” Baltazar e Oscar Pistorius – as vítimas “praticamente desaparecem” dando lugar ao protagonismo dos supostos agressores.

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Destaque ainda para o tipo de violência doméstica que é mais mediatizado: quase 80% foram homicídios. Se é óbvio que, pela sua gravidade, o homicídio tem particular relevância jornalística, a ERC questiona se isso “não contribuirá para deformar a realidade, fazendo parecer que toda a violência doméstica se traduz em homicídio (incluindo as estatísticas divulgadas), negligenciando em simultâneo outras formas de violência na intimidade a que devemos estar igualmente atentos”. Ao omitir ou diminuir a presença destes relatos, pode-se estar a limitar a percepção pública do problema, acrescenta. Em particular dos maus tratos psíquicos ou físicos, o principal motivo de queixa, nesta área, à Associação Portuguesa de Apoio à Vítima.

 

 

 

 

 

 

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