Saiu no site IG
Veja publicação original: Chantageada por nude? Entenda o que é sexting e como agir nessa situação
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Só quem já foi ameaçada por sexting sabe o desespero de pensar em ter uma foto íntima vazada sem o consentimento; saiba como se proteger da prática
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Por Marina Teodoro
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Como boa noveleira que é, quando assistiu a cena em que Marilda, personagem de Letícia Spiller na novela da Rede Globo “O Sétimo Guardião”, é ameaçada por Valentina, interpretada por Lilia Cabral, de ter um vídeo em que aparece nua exposto, a produtora de eventos Maria*, de 29 anos, sentiu um frio na espinha como se estivesse revivendo um passado não muito distante. “Só quem foi vítima de sexting sabe o que é isso”, desabafa.
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O termo pode parecer desconhecido, mas provavelmente você já ouviu falar dele ou até mesmo esbarrou com algum caso de sexting por aí. Trata-se de quando alguém envia mensagens, fotos ou vídeos com conteúdo sexual explícito na internet.
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Na trama, Marilda é gravada enquanto andava nua pela cidade e isso vira objeto de chantagem. Não foi ela quem enviou um vídeo íntimo ou um nude para um parceiro, por exemplo. O que aproxima o caso da realidade são as ameaças sofridas pela personagem e o medo de ser exposta.
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“Quando percebi que a chantagem era real, eu não conseguia mais fazer nada direito. Era como se minha vida estivesse acabada”, conta Maria.
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Ameaças na vida real
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Infelizmente, situções como a de Maria não são raras. Vira e mexe casos como esse se tornam notícia quando envolvem pessoas famosas ou acabam em tragédia. “Vi mulheres que entraram em depressão, que até chegaram a cometer suicídio por conta de uma foto íntima vazada. Eu sabia dos riscos, mas nunca pensei que pudesse acontecer comigo porque achei que estava enviando as imagens para uma pessoa que me amava”, afirma Maria.
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Há um ano, ela e o namorado, que estavam juntos há três anos, resolveram trocar imagens provocantes pelo celular para tentar salvar a relação, que estava esfriando. Em muitas fotos ela aparecia sem roupa, quase sempre a pedido do namorado.
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“Até que descobri uma traição dele com uma prima minha e tive coragem para terminar aquele relacionamento que não ia bem há muito tempo. Fiquei com raiva e queria contar para todos os nossos familiares e amigos que ele havia me traído. Foi aí que ele me ameaçou”, relembra.
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“Quase arruinou minha vida”
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Só o fato de saber que poderia ter um nude seu vazado deixava Maria sem rumo. “Desisti de contar o que tinha acontecido, mas mesmo assim não sosseguei. Fiquei três semanas sem comer e dormir direito, não conseguia trabalhar, não conseguia fazer nada e chorava muito. Quase arruinou minha vida.”
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O maior medo de Maria era de como seus pais e outros familiares reagiriam. O possível comportamento da família da produtora de eventos é um reflexo da sociedade. As mulheres são as mais prejudicadas nesses casos. Só em 2017, a ONG Safernet, um canal online que auxilia vítimas de crimes digitais, mostra que realizou 204 atendimentos relacionados a sexting e exposição íntima em que a vítima era uma mulher, enquanto foram registrados 85 atendimentos contra homens.
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Com medo do que poderia acontecer e com a ameaça ficando cada vez mais séria, Maria conta que tomou coragem e falou a verdade para os pais. “Não foi fácil tomar essa decisão, mas meu psicológico já estava muito abalado e eu achei que falando com eles me sentiria mais aliviada, caso tivesse as fotos expostas.”
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De fato falar com a família ajudou e tirou o peso de suas costas. No entanto, não foi suficiente e ela resolveu dar ouvidos aos conselhos dos amigos e buscou ajuda psicológica. “Foi o que me salvou.”
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Divulgar sexting sem autorização é crime
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Sem saber sobre se tinha ou não direito de buscar ajuda jurídica – e também constrangida e deprimida com a situação -, Maria se sentiu desamparada em um primeiro momento e optou por não registrar o caso na Justiça, com medo de desgaste, de tomar tempo e de até mesmo não dar em nada.
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“Ainda que não ocorra uma punição mais grave, levar o processo adiante fará com que o criminoso agressor receba uma punição bem mais severa em caso de reincidência”, afirma o advogado Leonardo Serra de Almeida Pacheco, especialista em Direito Digital.
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Ele explica que é comum a dúvida sobre ser ou não crime a chantagem por nude, mas que existem várias formas que fazem com que a prática possa ser interpretada como ilegal, como é descrito o crime de extorsão no artigo 158 do Código Penal, com pena de reclusão de quatro a dez anos e multa.
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“O problema é que este crime determina que o intuito tem que ser para obter vantagem econômica. Ou seja: se o sujeito pede dinheiro, ou algo equivalente, para não divulgar um nude, é caracterizado como extorsão”, explica.
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E se a pessoa que ameaça não está interessada em dinheiro? “Tive casos no escritório que o sujeito estava de posse de fotos e vídeos íntimos de garotas e as ameaçavam de compartilhar as imagens, exceto se elas se exibissem na webcâmera para eles.”
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Apesar de não poder ser caracterizado como extorsão, o caso pode ser interpretado como estupro.
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“A pessoa que exige que a outra se exiba, se masturbe ou até mesmo transe com ele, sob pena de divulgação de uma foto ou vídeo íntimo, não está constrangendo – mediante grave ameaça (a divulgação da intimidade é grave para a vítima) – a praticar que com ele se pratique outro ato libidinoso? Eu entendo que sim. Por isso entendo ser possível classificar como a prática de estupro”, analisa.
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Em casos de chantagem psicológica, como aconteceu com Maria, a situação também pode ser enquadrada como crime, com base na Lei Maria da Penha, onde são consideradas formas de violência doméstica e familiar contra a mulher violência física, violência psicológica, violência sexual, violência patrimonial e violência moral.
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“Não devemos nos calar. A cada mulher que se omite quando é ameaçada deixa um homem achar que pode ter poder sobre ela. Não somos culpadas pela falta de carater de outra pessoa. Sou muito mais do que um nude”, encoraja Maria.
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Se ameaçada por sexting , o ideal é buscar apoio da Justiça, amigos e psicólogo, se for o caso. “A mulher nunca deve se esquecer de deixar claro que é ela a vítima de um crime. E não a criminosa. O registro, a filmagem, a fotografia e o amor consensuais não são crimes. Mas a divulgação sem autorização é”, declara o advogado. E completa: “A vergonha deve ser de quem divulgou, de quem mentiu, de quem traiu a confiança. Nunca de quem amou e confiou.”
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*Nome fictício para preservar a identidade da entrevistada
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