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Casos de importunação sexual e estupro no transporte público batem recorde em SP em 2023

Saiu no site G1

 

 

A cada 14 horas pelo menos um caso de importunação sexual foi registrado no transporte público da capital paulista em 2023. No total, foram 601. O número de boletins de ocorrências registrados na Polícia Civil é o maior desde que a lei que combate esse tipo de crime sexual foi sancionada em setembro de 2018. Os casos de estupro também bateram recorde no ano passado.

g1 teve acesso a dados da Secretaria da Segurança Pública (SSP) obtidos via Lei de Acesso à Informação (LAI) sobre três crimes: estupro, ato obsceno e importunação sexual. O levantamento reúne uma série histórica (de 2002 a 2023) de casos que ocorreram em trens, ônibus e Metrô da maior cidade do país. Os registros começaram em 2002.

Analisando somente as notificações de importunação sexual, o número aumentou 116% em um ano: de 277, em 2022, para 601, em 2023.

Seguindo a tendência, os casos de atos obscenos triplicaram. Em 2022, foram registradas 14 notificações, enquanto no ano seguinte o número saltou para 45.

O ano de 2023 ainda reuniu a maior quantidade de denúncias de estupro no transporte público da capital desde o início da série histórica, com 52 casos. Em média, um caso por semana. Nos dez anos anteriores, a quantidade de casos ficava em torno dos 20.

Casos de crimes sexuais no transporte público de SP

Advogadas ouvidas pelo g1 enxergam os números de forma positiva. Os crimes sexuais são caracterizados pela elevada subnotificação, por isso as especialistas acreditam que as vítimas têm registrado mais boletins de ocorrência.

É possível que os números não apontem, de fato, um acréscimo nos fatos. O que acontece é que esse crime [importunação sexual] era banalizado. Hoje estamos tendo uma cultura que as mulheres denunciam mais, são orientadas a denunciar mais. A vítima não se sente mais culpada. Temos uma concepção de que a vítima, independente da situação, não tem culpa”, afirma a advogada e secretária-geral adjunta da OAB-SP, Dione Almeida .
Segundo a advogada, a criação da lei de importunação sexual em 2018 revelou uma mudança no comportamento da sociedade “que não vai mais tolerar o assédio como algo normal”. Na época, a proposta ganhou força no país e foi aprovada após casos de homens que se masturbaram e ejacularam em mulheres em ônibus repercutirem na mídia, em especial em São Paulo.

Marina Ganzarolli, presidente do Me Too Brasil, organização brasileira que luta contra o assédio e o abuso sexual, também observa com otimismo a alta de denúncias, mas pontua que as mulheres ainda enfrentam o estigma da culpabilização da vítima e a falta de confiança no sistema judiciário e policial.

“Antes, a gente nem denunciava nem contava para ninguém. Tinha até vergonha de contar para o companheiro, porque era uma vergonha a sua honra – apesar de você não ter tido culpa. São muitos fatores que contribuem para que uma mulher não denuncie um crime sexual, e um deles é o estigma”, diz Ganzarolli.

 

“A subnotificação está diminuindo e significa que estamos fazendo o nosso trabalho de conscientização e disseminação de informações de empoderamento das mulheres, além da própria sociedade”, complementa.

Diferença entre importunação sexual e ato obsceno

 

De acordo com o Código Penal, a importunação sexual é “o ato de praticar ato libidinoso (de caráter sexual), na presença de alguém, sem sua autorização e com a intenção de satisfazer lascívia (prazer sexual) próprio ou de outra pessoa”. A pena prevista é de um a cinco anos de prisão.

“A principal diferença [entre o ato obsceno e a importunação sexual] está no toque. Não precisa ser um toque nos seios, na região genital ou no bumbum. Pode ser um toque no cabelo, um beijo no rosto, um toque ombro. O que importa para configurar o tipo é a ausência de consentimento e o caráter libidinoso”, explica a presidente do Me Too Brasil.

Veja exemplos de importunação sexual:

  • Passar a mão nas nádegas da vítima;
  • Ejacular na vítima;
  • “Roubar” um beijo.

 

Enquanto, o ato obsceno é caracterizado por ações de cunho sexual em ambiente público ou aberto que ofendem a moral. Além disso, esse tipo de crime não tem um alvo específico, mas é contra a coletividade, segundo a secretária-geral adjunta da OAB-SP.

A pena prevista para o crime de ato obsceno é de 3 meses a um ano de detenção ou multa.

Veja exemplos de atos obscenos:

  • Masturbar-se no Metrô;
  • Expor o pênis dentro do ônibus;
  • Retirar a roupa.

 

Metrô e trens concentram maior número de casos

 

Somando os dados de todos os anos da série histórica, obtida via LAI, e dos três tipos de crimes sexuais analisados (importunação, ato obsceno e estupro) cometidos no transporte público na capital, foram registradas 2.446 casos na Polícia Civil.

Em 12 anos, o Metrô e os trens concentraram o maior número de casos, com 76%. Segundo o levantamento, os crimes ocorreram em diferentes espaços como no vagão, na plataforma de embarque e desembarque, no banheiro, no elevador e na escada de acesso.

Manhãs com mais casos

 

Já em relação ao horário da ocorrência, em média, quatro em cada dez crimes sexuais foram praticados no período matutino (1.046). Em segundo lugar, está o período noturno (705) e, em seguida, o vespertino (504).

Regiões

 

As zonas sul, leste e central de São Paulo ainda reúnem a maior quantidade de casos – com mais de 25% cada. Confira os bairros recordistas de denúncias:

  • Brás: 161
  • Sé: 142
  • Tatuapé: 136
  • Barra Funda: 118
  • Santo Amaro: 104
  • Itaquera: 99
  • Bom Retiro: 85
  • República: 82
  • Vila Mariana: 72
  • Pinheiros: 60

 

Para a presidente do Me Too Brasil, tanto o transporte público quanto o horário de pico não são responsáveis pela perpetuação dos crimes, mas são fatores de risco que podem contribuir.

“[O criminoso] vai se aproveitar de um ambiente apertado que limita a reação e controle da vítima para perpetuar esse crime. Quando que ele vai conseguir isso? Em espaços públicos de alta ocupação, em lugares em que a fuga é facilitada. No Metrô, por exemplo, você tem muito mais circulação de gente do que o ônibus. Então tanto para perpetrar o crime quanto para fugir dele de forma impune, há melhores condições [no trem e Metrô], mas não é a lotação que causa a importunação social”, afirma.

“O que causa a importunação sexual é o machismo, é a ideia de que o corpo feminino está à disposição do prazer masculino. A ideia de que as mulheres não têm autonomia sobre os seus próprios corpos e que estamos aqui apenas para servir a libido do gênero masculino”, reforça.

Campanhas e canais de denúncia

 

À reportagem, a SPTrans informou que em casos de importunações sexuais os motoristas e cobradores são orientados a parar imediatamente o ônibus e aguardar a chegada da polícia ou conduzir o autor até uma delegacia.

“A campanha da Prefeitura ‘Ponto Final ao Abuso Sexual nos Ônibus de São Paulo’ foi vencedora em 2022 do Premia Sampa na categoria ‘Linguagem Simples’. Ainda ativa, a ação busca conscientizar e combater o abuso sexual nos coletivos. O 156 é o canal de denúncia oferecido pela Prefeitura. A vítima do abuso sexual no ônibus pode ligar e registrar sua denúncia”, completa em nota.

O Metrô também oferece dois canais para registrar denúncias pelo aplicativo Metrô Conecta e pelo envio de SMS no número: (11) 97333-2252.

“A empresa também realiza a Operação Empoderamento, estratégia de segurança que intensifica as ações para combater ocorrências de natureza sexual, bem como ampliar a sensação de segurança e acolhimento às passageiras nas estações. A manutenção de toda essa estrutura traz resultados: em 2023 foram 81 ocorrências de importunação sexual registradas, com cerca de 80% de efetividade na detenção do autor”, disse em nota.

Para combater crimes sexuais, a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) também realiza ações e campanhas de conscientização aos passageiros e treinamentos para os funcionários.

“Os trens e estações possuem câmeras de monitoramento que podem auxiliar na identificação do autor e para que seja abordado quando tentar entrar no sistema novamente. Além disso, desde março de 2020, a companhia possui o Espaço Acolher em 34 estações das cinco linhas, que oferece atendimento humanizado e com privacidade a mulheres vítimas de violência ou importunação sexual nos trens e estações da empresa”, divulgou a companhia.

Metodologia

 

Os dados usados na reportagem foram solicitados à Secretaria de Segurança Pública pelo g1 via Lei de Acesso à Informação e foram divulgados no formato de planilhas abertas, reunindo registros de importunação sexual, ato obsceno e estupro – incluindo de vulnerável.

Cada linha das tabelas corresponde aos dados de uma pessoa, natureza ou objeto relacionado ao boletim de ocorrência. Dessa forma, o B.O. que possuir a identificação de mais de uma pessoa, natureza ou objeto terá os dados da ocorrência multiplicados.

Para evitar a duplicação de dados do mesmo caso, foi necessário excluir as linhas que apresentassem as mesmas informações nos seguintes campos: nome da delegacia, ano do B.O. e número do B.O.

 

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