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Por Joyce Heurich, G1 RS
G1 visitou o local e conheceu histórias de mulheres que tentam se reerguer. Espaço está entre os mais antigos do país em funcionamento. Saiba onde procurar ajuda.
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arece apenas só mais uma casa. Mesmo para quem tem o endereço, fica difícil identificar o prédio à primeira vista. Pela fresta da porta de entrada, um homem, que mais tarde se revelaria guarda municipal, espia através da grade com certa desconfiança. Somente após a identificação do visitante, o cadeado é retirado, e o portão é aberto.
O vigia, responsável pela segurança das abrigadas, é o único homem na Casa Viva Maria, que desde 1992 acolhe mulheres vítimas de violência em Porto Alegre. Escondidas em um endereço sigiloso, elas abdicam da própria liberdade para escapar de ameaças de morte.
A casa abrigo da capital gaúcha é uma das mais antigas do país em funcionamento – está prestes a completar 25 anos. Ao longo de duas décadas e meia, segundo registros da própria instituição, mais de duas mil mulheres passaram pelo local, recebendo orientações ou acolhimento. Uma média de 80 a cada ano.
O G1 visitou a casa (assista ao vídeo abaixo), conheceu a rotina do abrigo e a história de algumas dessas mulheres, que terão suas identidades preservadas nesta reportagem por questões de segurança. Os nomes usados são fictícios.
O encaminhamento
Luíza não tinha ideia de onde poderia se refugiar quando decidiu confessar à enfermeira o real motivo para ter parado no Hospital de Porto Alegre (HPS). Não foi um assalto, como fora obrigada a dizer num primeiro momento, mas sim uma agressão, que partiu do companheiro. Aos 28 anos, ela teve o braço fraturado após rolar barranco abaixo e ser empurrada do segundo andar de uma construção.
Sem o agressor por perto, e diante dos olhares experientes das profissionais que a receberam no quarto do hospital, ela decidiu contar a verdade e denunciar o namorado, que acabou preso em flagrante na sala de espera do HPS.
Ainda machucada, suja de sangue e sonolenta, a jovem, que deveria ter ficado em observação no hospital, precisou ir à delegacia prestar depoimento. Lá, admitiu o medo de enfrentar a revolta dos familiares do ex-companheiro, que naquele momento já estava atrás das grades. Não queria voltar para casa. Nem mesmo para a cidade onde morava.
Foi então que a informaram sobre a Casa Viva Maria, onde deu entrada no fim da noite do dia 24 de dezembro de 2016. Era véspera de Natal. Sem roupas, sem documentos e sem seu filho, de oito anos, a data festiva, até então comemorada, ganhou outro significado.
“Foi o pior Natal da minha vida. Eu não conhecia ninguém, cheguei toda machucada. Longe da família, de casa, ouvia o som dos fogos de artifício”, recorda.
Os primeiros dias no abrigo foram difíceis. Deprimida, Luíza não queria conversar com ninguém, embora precisasse colocar para fora certos episódios que insistiam em povoar seus pensamentos. Um deles, em particular: uma surra de corrente.
De uma discussão, eclodiu um ciúme doentio. Foi quando Luíza recebeu a primeira ameaça de morte do namorado, dentro da própria casa, em frente a um casal de amigos, que assistiu inerte à sequência de agressões. Preferiram não intervir, acreditando que era apenas mais uma “briga de casal”.
O constrangimento e o sentimento de humilhação, medo e impotência, tomaram conta de Luíza.
A dor de cada golpe de corrente, marcando sua pele, só não foi pior que o efeito das palavras cruéis jorradas pelo namorado contra ela. Ao pé da cama, empunhando uma peixeira (faca), ele prometeu que, se ela dormisse naquela noite, não iria amanhecer.
“Ele me torturou muito, eu fui muito torturada, apanhei muito. Eu não dormi a noite toda, ele ficava no pé da cama me olhando”, lembra Luíza.
Essa história foi contada às companheiras de abrigo, que também compartilhavam as suas com ela. O tempo foi ajudando. Acompanhada por policiais, Luíza conseguiu retomar seus documentos, quando voltou para a casa onde morava, e reencontrar seu filho – que passou a viver com ela na Casa Viva Maria.
Hoje, já consegue perceber certa melhora. “Agora, eu já tô bem melhor, tenho objetivo. Tô fazendo fisioterapia, já consigo falar sem chorar, meu braço já está melhor”, vibra.
Assim como ela, outras mulheres que sofrem violência doméstica e correm risco de vida dentro de suas próprias casas acabam encontrando no abrigo uma chance de recomeçar. Normalmente, as vítimas são atendidas em algum serviço da capital, como postos de saúde, delegacias ou centros de referência, e dali são encaminhadas ao novo lar provisório.
“A casa não é um albergue, é um espaço de proteção que tem um programa”, reforça a assistente social e coordenadora da Casa Viva Maria, Saionara Santos Rocha. “Esse espaço é para quando, realmente, a mulher está em risco de morte, não é uma situação de vulnerabilidade”, completa.
Mantido pela prefeitura da capital, vinculado à Secretaria de Saúde, o espaço fica à disposição da abrigada pelo tempo necessário para que se organize e encontre um lugar seguro e definitivo para ficar. Esse tempo varia, algumas precisam de apenas alguns dias, outra levam meses.
A lei que criou a casa, em 1992, prevê um período máximo de 90 dias para permanência da mulher. Entretanto, a coordenadora do espaço garante que esse tempo é negociável, e que é feita uma análise caso a caso.
“A gente começou a observar que as mulheres ficavam muito aflitas quando chegava perto dos três meses, ou ao contrário, ela já estava organizada, mas queria ficar na casa, porque se sentia bem, acolhida. Então, a gente trabalha com cada história, com cada mulher”, explica.
O local tem capacidade para receber 11 famílias simultaneamente. “Ontem estávamos com três, hoje com cinco, é bem cíclico. Às vezes, a mulher vem, sai a medida [protetiva], ela consegue se organizar com a família, e vão embora. Quem tem respaldo da família se organiza mais fácil”, observa Saionara.
Rotina de agressões
Foi através da Delegacia da Mulher que Gabriela, outra abrigada, chegou à Casa Viva Maria. A jovem, de 24 anos, foi torturada por quase três anos pelo companheiro.
Os dois se conheceram em uma festa de 15 anos e, após cinco meses, começaram a namorar. Em um ano, estavam morando juntos. Ex-presidiário, ele ainda usava tornozeleira eletrônica no primeiro encontro. Cumpria pena por crime de assalto à mão armada.
“Quando eu vi aquele negócio [a tornozeleira], eu ‘tava’ tão encantada, que eu não me importei”, reconhece.
O primeiro ano foi maravilhoso. Ele era “carinhoso, atencioso e grudento”, na definição de Gabriela. Não demorou muito, porém, para as brigas começarem, e as agressões verbais tornarem-se corriqueiras. O primeiro tapa na cara foi o que motivou Gabriela a tentar por um fim na relação.
“Quando eu falei em me separar, veio a agressão pior. Ele me bateu bem forte, me trancou dentro de casa, e eu sem reação. De noite, ele dormiu abraçado comigo, fez curativo depois de uns 20 minutos. Começou tudo assim”, lembra.
Com o tempo, o jovem se envolveu com tráfico de drogas e passou a andar armado. Sob efeito de entorpecentes, queria ter relações sexuais com ela e, se fosse contrariado, partia logo para a briga.
“Às vezes, fazia à força, muitas vezes. Porque eu não gostava, eu sentia até dor, nojo, eu já tava no meu limite”, desabafa.
Cada confronto era seguido por um pedido de desculpas e pela promessa de que não iria mais acontecer. Só que acontecia. Era uma semana boa, outra ruim. “Dependia do humor dele, se desse algo errado, a culpada era eu”, conta Gabriela.
Quando o casal completou dois anos e meio juntos, ela descobriu que estava grávida. Encarou a surpresa como uma solução: um filho mudaria tudo, as brigas iriam cessar, pensou.
No entanto, Gabriela quase perdeu o bebê devido aos constantes ataques violentos dentro de casa durante a gravidez. Sempre andava de calça comprida e manga longa para esconder as marcas. “Me batia grávida. Soco, chute, com faca, com arma, cabo de vassoura, cheguei a ficar um mês com marcas roxas”.
Das inúmeras vezes em que apanhou, fez a denúncia em apenas duas. Sem trabalho, dependia dele para se sustentar.
O bebê de Gabriela nasceu e, já nos primeiros meses de vida, assistiu ao pai batendo na mãe. Embora ainda não entendesse o que se passava, os gritos dentro do quarto o faziam chorar. Cansada de ver o filho crescer nesse ambiente, Gabriela decidiu fugir para a casa da mãe, que morava de favor.
Ela fez nova denúncia, e a polícia encaminhou à Justiça o pedido de medida protetiva. Sem suporte para ela e para o bebê, e correndo risco de vida, acabou sendo encaminhada para a Casa Viva Maria.
O papel e as regras do abrigo
Quando se mudam para a casa abrigo, as mulheres abrem mão de muitas coisas, começando pelo endereço. O celular é recolhido logo na entrada, e elas passam a ter horário para sair e chegar.
A partir das 18h, ninguém mais sai. Às 22h30, todas entram para a ala dos quartos, cuja porta principal permanece trancada até amanhecer. Hora de dormir. As regras da Casa Viva Maria foram estabelecidas com a intenção de garantir a segurança da mulher.
“Eu me sinto presa, mas segura, porque eu sei que aqui eu tô protegida”, confessa Luíza.
A privação da liberdade é compensada pela sensação de segurança e oportunidade de recomeço, ainda que muitas considerem essa inversão de papéis uma grande injustiça. Afinal, quem deveria estar preso não seria o agressor?
Para lidar com questionamentos como esse, a casa conta com uma equipe técnica interdisciplinar, formada por uma assistente social, uma psicóloga, uma enfermeira, uma nutricionista e duas terapeutas ocupacionais.
O grupo realiza uma série de atividades com as abrigadas, que participam de discussões sobre direitos da mulher e empoderamento. Também há encontros direcionados às crianças, que, muitas vezes, sofrem violência junto com a mãe. Cada família possui um técnico de referência, responsável por acompanhar a evolução da mulher desde a entrada na casa até o desligamento.
“Ela não tá presa, mas ela tá isolada, então, se sente presa às vezes. Porque a gente tem alguns cuidados. Essa mulher que chegou hoje, ela não tem medida, então, para sair, ela só sai com o carro da secretaria [de Saúde], acompanhada de um funcionário”, explica Saionara.
A Casa Viva Maria já chegou a ter um carro próprio, destinado ao deslocamento das abrigadas. Essa facilidade acabou sendo cortada na gestão passada em função dos custos. Agora, o carro da Secretaria de Saúde de Porto Alegre precisa ser reservado quando alguma mulher, ainda sem medida protetiva, precisa ir a alguma audiência, ou compromisso.
As despesas com alimentação, produtos de higiene e fraldas são asseguradas pela a prefeitura, que cobre as necessidades básicas das famílias. Na rouparia, há agasalhos de diversos tamanhos que são emprestados às abrigadas.
“Ela se compromete a economizar os valores que ela recebe [do trabalho, ou da família] para uma organização no momento de desligamento”, esclarece Saionara, sobre a contrapartida exigida pela Casa.
Como muitas, por segurança, precisam deixar seus empregos, cujo local é de conhecimento do companheiro, ou já chegam sem ocupação alguma, a equipe técnica também organiza encontros com dicas para reinserção das mulheres no mercado de trabalho. O objetivo é ajudá-las a conquistarem independência financeira e emocional.
Quando a mulher chega à Casa empregada, a equipe tenta flexibilizar horário e local de trabalho.
“A gente entra em contato com a empresa, tenta mudar o posto de trabalho, tenta mudar o horário, tenta negociar alguns dias de férias, de licença, com base na lei”, explica Saionara.
Números da violência
Uma pesquisa divulgada em março de 2017 pelo Instituto Datafolha e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, indica que 66% dos brasileiros já presenciaram uma mulher sendo agredida fisicamente ou verbalmente no último ano.
Pelo menos, 503 mulheres (4,4 milhões no ano), de acordo com a mesma pesquisa, foram vítimas de agressão física a cada hora em 2016 no país. Das mulheres que sofreram violência, apenas 11% procuraram uma delegacia da mulher.
No Rio Grande do Sul, os números também são alarmantes. As histórias de Luíza e Gabriela representam uma realidade cruel vivida por muitas gaúchas. No último ano, a Secretaria da Segurança Pública do estado (SSP-RS) registrou 41,1 mil ameaças e 22,6 mil casos de lesão corporal contra mulheres. Ainda assim, ambos os números são os mais baixos no estado desde 2012.
Com relação a estupros e mortes, os números já foram mais baixos. Em 2016, 1.425 mulheres foram estupradas, e 96 foram vítimas de feminicídio, de acordo com o levantamento da SSP-RS. Em 2014, os registros foram 4% e 22% menor, respectivamente.
Houve ainda, no último ano, 263 tentativas de assassinato a mulheres no Rio Grande do Sul.
Medidas protetivas
Buscando proteger as vítimas e contribuir para a redução dessas estatísticas, um dos instrumentos criados pela Lei Maria da Penha (11.340/2006), sancionada há mais de dez anos no país, são as medidas protetivas de urgência.
Para solicitar o documento, a mulher ameaçada ou agredida precisa registrar uma ocorrência na delegacia. A polícia tem 48 horas para encaminhar o pedido ao juiz, que vai decidir quais medidas se aplicam a cada caso.
O agressor pode ser obrigado a deixar o lar e se manter a uma distância mínima da vítima, ser proibido de fazer contato com a mulher e seus familiares por qualquer meio, ou, dependendo da gravidade, ser preso preventivamente.
Em 2016, somente em Porto Alegre, mais de 15 mil medidas protetivas foram concedidas, de acordo com dados do Tribunal de Justiça do estado. Nos municípios do interior, o número ultrapassou os 70 mil.
A eficácia desse instrumento de proteção, no entanto, é questionada pelas vítimas.
“A medida é só um papel, né? Não impede nada. Eu conheço várias amigas que têm medida, e os maridos agrediram elas”, conclui Gabriela.
A juíza titular da Coordenadoria Estadual das Mulheres Vítimas de Violência Doméstica e Familiar, Traudi Beatriz Grabin, reconhece que a garantia não é total. “Não tem caráter absolutamente protetivo. O agressor pode violar essas medidas, embora as vítimas ainda peçam em mais de uma oportunidade”, avalia.
A assistente social e promotora legal popular Maria Guaneci, da ONG Themis, defende a importância do documento, mas faz uma crítica quanto à demora do socorro, que, muitas vezes, chega depois do agressor.
“Se eles descumprirem, eles vão presos. Então, a medida no papel é muito importante. Mas, aí, quem sabe, possa ser tarde demais”, pondera.
Ela reforça, ainda, que é fundamental que a mulher avise o juizado quando troca de endereço ou número de telefone. “O juizado não localiza quando ela precisa de ajuda, mas o agressor localiza”, explica Guaneci.
Aplicativo
Para ajudar a garantir que a ordem judicial seja cumprida, a ONG criou um aplicativo para smartphone, lançado no fim de 2015, que funciona como botão de pânico para a proteção de mulheres vítimas de violência. O app ainda está em fase de testes.
Por enquanto, sete mulheres fazem uso da ferramenta. Outras quatro já experimentaram, mas desativaram depois que os agressores pararam de fazer ameaças.
Bastam quatro toques no celular para que policiais militares sejam acionados. Através do aplicativo, as mulheres têm prioridade de atendimento no 190, ao lado de homicídios, latrocínios e sequestros.
“Deve ser uma política pública nacional, porque aciona mais rápido”, alega Maria Guaneci.
O projeto piloto é restrito ao bairro Restinga e deve ser ampliado para a Vila Cruzeiro. Mais sete usuárias deverão ser selecionadas ainda neste ano. No interior do estado, os testes também devem começar em 2017.
A expansão, entretanto, depende de avaliação, pois pode acabar esbarrando na faltar de estrutura da Brigada Militar, que precisa deslocar uma viatura assim que o botão é acionado.
Patrulha Maria da Penha
A Justiça também conta com o trabalho diário da polícia para assegurar o cumprimento das medidas. O Rio Grande do Sul é pioneiro na implementação da Patrulha Maria da Penha. Criada em 2012 pela Brigada Militar, está presente em 27 municípios.
Em Porto Alegre, são seis postos de atendimento. Cada uma das seis equipes de patrulha conta com um homem e uma mulher. Os profissionais recebem treinamento para aprender a lidar com a complexidade das situações de violência doméstica.
Quando o juíz concede medida protetiva a uma mulher, a patrulha faz rondas na casa da vítima, para que o agressor se mantenha longe. São pelo menos três visitas.
“O serviço é eficiente, os profissionais defendem a causa, mas o ideal seria que fosse ampliado”, sustenta a coordenadora da Patrulha Maria da Penha, capitã Clarisse Heck.
É que a demanda é grande. Somente em 2016, 15 mil mulheres gaúchas foram atendidas, de acordo com a BM. Por isso, o atendimento feito pela patrulha segue uma lista de prioridades, montada de acordo com a gravidade dos casos.
“Falta rede para dar conta dessa mulher”, critica a promotora legal popular Maria Guaneci.
Rede fragilizada
Mesmo profissionais que discordam em alguns pontos sobre o tema violência contra a mulher acabam concordando em um quesito: a rede é fragilizada. A atuação no combate à violência contra a mulher precisa funcionar em várias frentes, que devem conversar entre si.
“É um trabalho que não depende só das polícias, é de toda a rede. A gente luta muito para que ela [mulher] siga os passos depois da ocorrência. Envolve prefeitura, assistência social, tem que ter interligação das instituições”, pontua a coordenadora estadual das Delegacias da Mulher, Adriana Regina da Costa.
A juíza Traudi Beatriz Grabin defende a ideia de que cada município assuma a sua parcela de responsabilidade, por meio das coordenadoria municipais. Além disso, é preciso que haja uma estrutura dentro das delegacias para encaminhar a mulher.
“Rede é a mulher chegar na Delegacia de Polícia e que lá tenha assistente social e psicóloga para orientar o próximo passo depois do BO [Boletim de Ocorrência]. É preparar as pessoas que recebem essas mulheres. Às vezes, elas são ridicularizadas por quem faz o atendimento quando fazem ocorrência mais de uma vez”, ressalta Grabin.
Apesar dessas barreiras que, por vezes, acabam afastando as mulheres das delegacias, a promotora legal popular da ONG Themis reforça a importância da denúncia a cada novo episódio de violência, para que a polícia possa mensurar a gravidade do caso.
“Se for ameaçada três vezes por dia, tem que fazer a ocorrência três vezes”, orienta Guaneci.
Para ela, é preciso trabalhar a informação. “100% das mulheres conhecem a Maria da Penha, mas não conhecem o processo”, justifica.
No ponto de vista da juíza Traudi, uma saída, a longo prazo, seria desenvolver projetos voltados ao agressor. Ela lembra que a prisão termina em algum momento, ou é convertida em pena alternativa, principalmente se o apenado não tiver antecedentes criminais. Por isso, é preciso evitar que os atos violentos voltem a acontecer quando o homem sai da cadeia.
“Não basta fazer projetos voltados só às vítimas, mas trabalhar o agressor para que ele não repita”, conclui a juíza.
Secretaria adjunta vira coordenadoria
A atual administração de Porto Alegre colocou em prática, assim que assumiu o governo, o plano de mudanças no Executivo Municipal. Com o objetivo de enxugar o primeiro escalão, o prefeito Nelson Marchezan Júnior (PSDB) extinguiu algumas secretarias municipais. Entre elas, a Secretaria de Direitos Humanos (SMDH), que passou a ser uma diretoria, um dos “braços” da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social (SMDS).
Com a mudança, a Secretaria Adjunta da Mulher foi reduzida à coordenadoria (integrando a Diretoria de Direitos Humanos), indo ao encontro de uma tendência estadual e nacional, uma vez que o governador José Ivo Sartori (PMDB) acabou com a Secretaria de Políticas para Mulheres (SPM) no Rio Grande do Sul, e o presidente Michel Temer (PMDB) extinguiu o Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos.
A mudança estrutural na capital gaúcha, no entanto, tem sido vista por especialistas na área de combate à violência contra a mulher como um retrocesso.
“É uma tragédia. A gente sabe que uma secretaria tem recursos humanos próprios para dar conta da demanda. A partir do momento em que se reduz esse espaço, reduz recursos humanos, recursos financeiros”, argumenta Maria Guaneci.
A coordenadora da Casa Viva Maria corrobora: “Foi, em nível de Brasil, um retrocesso enorme”, considera.
À frente da Coordenadoria da Mulher de Porto Alegre desde o início de fevereiro de 2017, está a estudante de Direito Fernanda Machado. Ela tem passagem pela Coordenadoria Estadual da Mulher, no governo Yeda Crusius, e atuou por cerca de dois anos numa instituição que acolhe dependentes químicas. A coordenadora garante que a ideia é ampliar o atendimento à vítima de violência.
Em entrevista ao G1, Fernanda diz concordar que a área da mulher ainda não recebe a devida importância no país.
“O país tá quebrado e a gente sabe que a primeira área em que se mexe é a mulher. Ainda vivemos num sistema patriarcal no nosso país, não temos um entendimento mais amplo do quanto é importante”, afirma Fernanda.
Ao mesmo tempo, não considera a mudança de secretaria adjunta para coordenadoria uma involução.
“Não adianta ter uma secretaria lotada de cargos e não funcionar. Não vejo como um retrocesso em Porto Alegre”, pondera a coordenadora.
Em seu programa de governo, o atual prefeito de Porto Alegre promete “criar, em conjunto com o governo do estado, uma rede de proteção às mulheres que inclua proteção à saúde, segurança e medidas de acompanhamento que proporcionem às mulheres em situação de vulnerabilidade uma reinserção social digna e independente”.
Conforme Fernanda, novos projetos devem ser apresentados ainda este ano, dentro das metas do Plano de Políticas Públicas para a Mulher, debatidas em 2015 na 6ª Conferência Municipal de Mulheres. O desafio desse encontro era traçar estratégias para que as políticas públicas sejam efetivas. Ela não deu previsão para conclusão e anúncio.
Onde procurar ajuda
Além de delegacias e juizados especializados, existem alguns centros e ONGs de apoio à mulher que podem ser procurados em busca de orientação em casos de violência. Alguns atendem moradoras da capital e Região Metropolitana, outros estão disponíveis para mulheres de todo o estado.
Centro de Referência da Mulher Márcia Calixto (CRAM)
Local: Rua dos Andradas, número 1643 (3º andar) – Centro, Porto Alegre.
Contato: (51) 3289-5110
Centro de Referência às Vítimas de Violência (CRVV) – Porto Alegre
Contato: 0800-6420100
ONG Themis
Local: Rua dos Andradas, 1137 – Centro, Porto Alegre.
Contato: (51) 3212-0104
Centro Estadual de Referência da Mulher (CRM) Vânia Araújo Machado
Contato: (51) 51 3252-8800
Local: Travessa Tuyuty, número 10 – Centro, Porto Alegre.
O funcionamento é de segunda a sexta-feira, das 8h30 até as 18h.
Telefone Lilás
Contato: 0800 5410803
Outro serviço à disposição das mulheres, em casos de emergência, é o Disque 180. Criado em 2014, ele é válido para todos os estados do país. As denúncias recebidas via telefone são encaminhadas aos sistemas de Segurança Pública e Ministério Público do local correspondente. O governo federal ressalta que não somente mulheres que sofrem violência devem ligar, mas também qualquer amigo ou familiar.
PUBLICAÇÃO ORIGINAL: Casa com endereço sigiloso em Porto Alegre acolhe vítimas de violência há 25 anos