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Carta aberta aos artistas machistas

Saiu no site MARIE CLAIRE :

 

Veja publicação original:  Carta aberta aos artistas machistas

 

Na coluna desta semana, a colunista Suzana Pires mando um recado para os homens que ainda não se tocaram de que o mundo mudou e continuam boicotando as colegas mulheres

 

Prezado Artista Machista,

Peço que leia essa carta não como uma agressão, mas, sim, como uma solicitação de reflexão, para que você possa resignificar seu comportamento em relação às artistas do gênero feminino.

Vale explicar a diferença entre um MACHISTA e um MACHO. Machista é o homem que acredita na supremacia do masculino em detrimento do feminino. Macho é o ser humano do gênero masculino. Sendo machista um comportamento que pode acometer homens e mulheres, e macho, um gênero biológico.

Você, caro artista machista, foi educado por meio de crenças que te fizeram não um ser, mas um estereótipo. Foi-te ensinada uma postura na vida que já te faz nascer falido, pois ela é impossível de ser atingida. Suas crenças de que você deve ganhar mais do que uma mulher; de que uma mulher precisa de sua proteção; de que uma mulher jamais possa saber mais do que você; de que macho não fragiliza; de que macho mostra quem manda; e de que macho é proprietário de coisas e pessoas te torna um ser limitado, ocasionando sérios danos não só a sua vida pessoal, mas, acima de tudo, à sua arte.

Nós, artistas, machos ou fêmeas, trabalhamos para contar histórias ao mundo, para refletir a sociedade em que vivemos, no drama ou na comédia, no suspense, na farsa, não importa o estilo. Mas, para que sua arte siga dialogando com a sociedade, é chegado o momento de você parar todos os projetos em que esteja trabalhando e repensar seu caminho narrativo e, principalmente, sua equipe.

Sabemos que o dono da narrativa é o dono do mundo porque, a partir da narrativa, os heróis refletem a realidade para o público, fazendo-o se emocionar, se identificar e refletir. Isso veio muito bem até agora nas mãos de vocês. Minha preocupação é que, se caso você siga insis-tindo em trabalhar e acreditar somente na visão de mundo de seus amiguinhos tão brancos, tão estereotipados e tão machistas quanto você, sua narrativa vai se perder do coração do público, acabando não só com seu poder, mas também com seu ego e com seu “ganha-pão”, porque do contrário você não conseguirá narra mais nada.

Estou escrevendo para cada um de vocês, colegas artistas machistas, porque admiro seu trabalho e lamentaria muito se o público te perdesse por uma questão de “burrice da alma”. O machismo nunca te fez poderoso: ele te fez inseguro, arrogante, competitivo e despeitado. Mas como a competição do mercado costumava ser você contra outro coleguinha tão machista quanto, você se sentia poderoso porque tinha a manha de ganhar a corrida. Só que os tempos mudaram. Você não vai mais competir com outro machistinha: agora, você vai competir com visões de mundo sem limitações como as suas, que estão sendo trazidas ao público em histórias narradas e conduzidas por mulheres, mulheres negras, transgêneros, travestis e tudo o que para você soa menor.

É importante que eu também te alerte, caro artista machista que, se você é machista, é também racista e homofóbico, tornando-se um artista machista racista e com raiva de homossexuais – ou seja, sem qualquer possibilidade de entender todas as mudanças ao seu redor.

Mas, preste atenção: roteiristas, diretoras e produtoras negras e/ou homossexuais estão ocupando espaços de narrativa porque o público quer novas histórias, novas abordagens, novos lados de uma mesma moeda e já está pegando mal você e seus colegas continuarem chamando essa narrativa de “arte de gueto”.

Você acredita, caro artista machista, que eu fico escrevendo aqui para as mulheres, toda semana, incentivando, questionando, tendo a ousadia de apontar caminhos, para que elas se tornem EMPREENDEDORAS DE SI MESMASDONAS DE SI e jamais contei a elas o quanto você pode nos fazer sofrer? Chegou a hora de parar e contar a elas sobre as dificuldades que cada mulher artista tem diante de você, todos os dias. Sim, porque as redes sociais, com sua primavera feminista, os movimentos americanos contra assédio, o movimento #mexeucomumammexeucomtodas são diminuídos por você, obtendo seu respeito somente pelo medo de se encrencar  numa acusação de assédio sexual.

Veja bem, essa carta nem é para falar sobre seus assédios, mas para te fazer enxergar o quanto você perde em atribuir a um roteiro escrito por uma mulher ou a um filme dirigido por uma de nós a pecha de ser conversinha de menina, narrativa de mulherzinha, coisa para o público feminino, com um humor feminino, transformando, assim, tudo o que seja “feminino” em algo menor, de pouca monta, sem graça e não merecedor da sua atenção ou do seu investimento. Digo investimento porque, mesmo que nós, mulheres, já tenhamos conquistado bastante espaço, somos poucas nas lideranças e, principalmente, nas lideranças financei-ras.

Antes que eu seja mal interpretada por vocês, quero saudar a empresa que trabalho por ser incentivadora de narrativas femininas, de autoras fêmeas líderes, contribuindo e muito para que possamos contar histórias que estimulem as mulheres a crescerem, a serem EMPREENDEDORAS DE SI MESMAS e DONAS DE SI. Por isso, quero te deixar claro que não estou me referindo a uma empresa e muito menos aos meus sócios machos (e jamais machistas) que produzem comigo teatro ou cinema. Estou me referindo a VOCÊ, artista machista, individualmente, podendo vossa senhoria estar aqui, no Japão ou em Hollywood.

Se você estiver se perguntando: “Mas do que essa louca está falando?”. Lembre-se de todas as mil vezes em que você fez ou deixou alguém fazer ou fingiu que não viu alguém fazendo as seguintes injustiças com artistas mulheres: a autora que resolveu roteiro de machista e não levou o crédito, porque ele pertencia ao “grande” cineasta machista gostosão; a assistente de roteiro que escreveu tudo e o “grande autor” levou o crédito pelo trabalho dela; a roteirista-assistente que continuou recebendo como pagamento o que seu chefe dá de mesada para as filhas; ou que é melhor a direção ser de um homem, porque ele conduz melhor a equipe; ou que uma mulher roteirista  não é capaz de suportar a pressão do trabalho; ou que produtora é tudo histérica; ou que narrativas feministas são bobas; ou que é melhor dar o patrocínio a projetos com homens na condução da narrativa porque mulher não sabe lidar com muito dinheiro. Apenas pare de fazer ou de acobertar isso tudo!

Artista Machista, você sabe muito bem que o Brasil tem grandes roteiristas de cinema mulheres e também grandes diretoras, produtoras competentíssimas, além de grandes atrizes, que estão sempre em sociedade com fêmeas e machos incríveis e em guerra contra VOCÊ ou algum outro coleguinha seu, para que seu projeto seja feito. É impressionante como isso pode atrasar bons projetos e fazer você perder dinheiro! Presta atenção!

Todas nós, artistas mulheres, vivemos situações em que precisamos dialogar com você, artista machista, sobre projetos em que a narrativa é nossa. Pois bem, durante muito tempo, vocês fizeram questão de nos dar umas porradas absolutamente desnecessárias. Mas, porque vocês sabiam o nosso padrão-reação – nos sentirmos diminuídas, acreditarmos nisso, questionarmos nossa capacidade, jogarmos tudo fora, reescrever tudo, tentar outro caminho narrativo e ficar uma merda -, e tinham um certo prazer em nos fragilizar dessa maneira, né? Pois bem, a novidade é que não abrimos mão da história que acreditamos e estamos seguindo adiante, desistindo de vocês e encontrando outras parcerias, mais criativas, talentosas e inteligentes, fazendo com que você, artista machista, perca trabalho!

Algumas das minhas colegas não têm a coragem de seguir em frente e param nas dificuldades que vocês colocam. Provável que eu também parasse se não tivesse tido a sorte, caro colega artista machista, de conquistar, por meio de muita ralação, parceiros, parceiras, sócios e sócias que NÃO SÃO machistas-racistas-homofóbicos e que acreditam em minha competência e “compram” as minhas brigas, pois sabem que elas são legitímas e dão resultado.

Mas disso vocês já sabem, artistas machistas, porque é comentado no mercado que “a tal de Suzana Pires, aquela roteirista-atriz, briga pelo material dela”. Não é assim que vocês falam? Suzana é a roteirista-atriz-que-se-acha; fulana é a diretora-gorda; beltrana é aquela produtora-negona-machona; cicrana é aquela gostosa que quer ser diretora; e por aí vai. E se você se refere a mim dessa maneira é porque já tive diante do seu despeito, já tive que te olhar no olho, sorrir, agradecer, e não me deixar abater por sua tática em diminuir meu trabalho. Né?!?

O seu despeito e falta de respeito com uma profissional feminina é jogo baixo, perverso, coletivo, incluindo aí sua mãe, mulher e filhas. Se você se deixar seguir machista, vai chegar ao ponto de contar histórias misóginas, produzir diretores assediadores, contratar produtores sabichões, compositores que incitam estupro em letra de música, roteiristas que diminuem histórias assinadas por mulheres, nos chamando de burras, de as chatas do tal “empoderamento feminino” ou de bando de feminazis mal-amadas.

Não leve seu talento por esse caminho, caro colega machista. Não é uma boa direção. Porque hoje você se acha o tal, mas quando a fragilidade física te pegar, você não terá forças para lutar contra nada, pois não terá músculos malhados na alma, só no braço e na parte de baixo, que você considera algo a mais no mundo. Pare de minar as profissionais mulheres que queiram trabalhar com você, se deixe transformar, eliminando a possibilidade de envelhecer seu pensamento, de deixar sua narrativa com um olhar antigo.

Escrever tudo isso aqui é uma maneira de eu cooperar para que o seu pequeno mundo de artista machista não te faça desperdiçar seu talento, sua competência e a arte que você ainda deve ter. Decida pela parceria com suas colegas artistas mulheres. Nós acreditamos que você ainda é um artista possível. Venha reaprender a VER aquilo que suas crenças limitadoras não deixam. Não demore, pois ainda é tempo em que respeitamos um artista machista talentoso disposto a se transformar. Não deixe chegar o momento que sua voz não ecoará em mais ninguém, te fazendo perder completamente seu espaço. Eu não gostaria que isso acontecesse.

Se transforme, caro colega, artista machista, e experimente nossa classe de trabalho como um coletivo vivo, atual, plural, criativo e com alto poder de comunicação. Dá tempo.
Nós não guardamos mágoa.
Ainda.

Sororidade sempre.
Suzana Pires.
Artista mulher, dona de si e feminista

Suzana Pires fala sobre o novo videoclipe de Anitta, Vai Malandra (Foto: Divulgação)

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