Saiu no site FOLHA DE S.PAULO
Veja publicação original: Capão Redondo lidera ranking de violência contra a mulher em São Paulo
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PM atende uma agressão doméstica a cada 20 minutos; número sobe em fins de semanas e dias de jogos
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Por Rogério Pagnan e Henrique Curi
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As mulheres de São Paulo estão mais vulneráveis à agressão doméstica nas noites de domingo no Capão Redondo, no extremo sul da cidade.
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Foi dessa região paulistanas que partiram 907 pedidos de socorro em ambiente doméstico, a maioria tendo mulheres como vítimas. O número representa 6% de todos os 15.561 acionamentos registrados pela Polícia Militar de janeiro a julho deste ano.
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É um pedido de socorro a cada 20 minutos (levantamento da Folha a partir de dados de saúde mostra que a média nacional de registro de agressões é ainda mais alta).
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Os dados fazem parte de um levantamento inédito obtido pela Folha, por meio da Lei de Acesso à Informação. Eles formam o retrato mais fidedigno possível da violência doméstica na cidade, pois indicam os registros dos atendimentos acionados pelo serviço de emergência 190.
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Além de informar a localização geográfica dos casos, e não o distrito policial onde foram registrados, esses números contêm ainda os atendimentos feitos pela PM que não chegam a ser investigados pela Polícia Civil por falta de queixa da vítima, e que ficavam fora de estatísticas a partir de boletins de ocorrência.
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Do triste ranking liderado pelo Capão Redondo, fazem parte ainda as regiões de Perus/Jardim Pirituba (5,4%) e Brasilândia (4,6%), na zona norte, além de Itaquera (4,5%) e Itaim Paulista (4,5%), na zona leste. Todas são regiões pobres.
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Com menor número de acionamentos, estão os bairros da Consolação (1%), na região central, Vila Mariana (1,2%), zona sul, Vila Leopoldina (1,2%), zona oeste, Sé (1,3%) e Bom Retiro (1,7%), na região central.
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Os dados mostram ainda que 38% dos acionamentos acontecem no período noturno (de 18h a 0h).
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Também indicam que, além da maior incidência aos sábados, domingos e segundas-feiras, boa parte dos chamados (13%) ocorre às quartas-feiras.
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“Pode ter relação com o futebol, já que quarta e domingo tem jogo”, diz a promotora Fabíola Sucasas, do grupo de enfrentamento à violência doméstica do Ministério Público de São Paulo.
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“Quando o time perde, e seu ídolo está ali sofrendo com a perda do jogo, o homem também se sente um perdedor e desconta na mulher. Lógico que [para uma conclusão definitiva] seria necessário analisar caso a caso, entender o contexto da discussão.”
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O mapeamento dos locais de violência doméstica é possível graças à criação pelo governo paulista, no início deste ano, de um código específico, o A98, que facilita a contabilização de casos e planejamentos estratégicos pela polícia.
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Até então, as ocorrências eram depositadas em um campo genérico, de “desinteligências” (C04), que inclui uma série de possibilidades, como brigas entre vizinhos.
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“A ideia de criar desse código foi justamente para poder avaliar melhor o panorama em cada região e, se necessário, fazer um trabalho preventivo. Não só a prevenção policial, que é a secundária, mas também a primária, que envolve outros órgãos. Existia um clamor popular para isso”, diz o tenente-coronel Emerson Massera Ribeiro, porta-voz da Polícia Militar paulista.
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O oficial explica ainda que, nesse novo código criado pela PM, não estão computados apenas casos envolvendo mulheres, mas todas situações de violência praticadas contra pessoas, de qualquer idade e sexo, em ambiente doméstico.
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“O tipo de violência clássica é aquela praticada pelo homem contra mulher”, afirma o oficial. “Quando você faz um trabalho preventivo de violência doméstica, você impede crimes de lesão corporal, crimes de homicídio, crimes de natureza grave.”
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Algumas medidas para tentar reduzir esses números, em especial no Capão Redondo, já começaram a ser adotadas.
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Uma delas é a implantação do sistema de câmeras que serão acopladas no uniforme dos PMs. Segundo testes aplicados, a medida inibe a continuação de ações violentas quando os policiais chegam ao local de ocorrência.
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“Essas ocorrências consomem nossa força de patrulha, pois são demoradas para atender. Invariavelmente, uma das partes está muito agressiva, ou uma das partes precisa ser levada para o hospital. Tem ainda toda a fase de registro”, diz o tenente-coronel Robson Cabanas Duque.
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O comando da região também pretende implantar núcleos de mediações de conflitos para tratar as reincidências e reduzir a necessidade de envio de viaturas para o mesmo local repetidas vezes.
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“A gente precisa encontrar uma forma de encorajar a vítima a fazer a denúncia para que esses casos não aconteçam mais. Às vezes a pessoa agredida não sabe os direitos que tem”, diz Duque. “É necessário até o policial dizer: ‘olha, a senhora não pode apanhar aí dentro. Ninguém tem o direito de lhe bater. Agora, a senhora precisa ir na delegacia registrar’. Às vezes, a vítima não sabe disso.”
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Ainda de acordo a promotora Fabíola, embora relevantes, os dados de acionamento da PM não refletem a realidade completa de toda a violência praticada contra a mulher na cidade por inúmeros motivos —incluindo a falta de percepção da própria vítima.
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São, porém, um termômetro do grau de risco em que as mulheres estão.
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“São gritos de socorro. Será que estamos ouvindo? Será que estamos não só ouvindo, mas dando suporte para que o socorro seja garantido? Esse socorro não se resume ao atendimento da Polícia Militar”, afirma.
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“É muito cruel imaginar que uma mulher, a cada 20 minutos, esteja vivendo uma situação de flagrante [risco] e, dessas, 15.561 estejam, em sua maioria, em regiões de periferia e, muitas deles, com vazio socioassitencial.”
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Fabíola acrescenta que considera importante a medida da PM para separar os casos de violência doméstica de outros de menor relevância social. “A atitude é louvável. Uma violação de direitos humanos não poderia estar catalogada como caso de desinteligência.”
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