HOME

Home

Barbaridade como rotina: veja relatos de peritos que atendem mulheres vítimas da violência

Saiu no site CORREIO 24H

 

Alessandra Virgínia Pinho, de 48 anos, perita criminal. Crédito: Marina Silva/CORREIO

Respire fundo antes de iniciar a leitura. Esta reportagem apresenta conteúdo sensível sobre violência contra mulheres. Enquanto você, leitor, pode fazer a escolha de ter ou não contato com as histórias contadas pelas vítimas, quem trabalha com isso não tem outra opção além de ser forte. Murros, tapas, empurrões, queimaduras e estupros, que deixam marcas ou provocam a morte, fazem parte da rotina de quem faz perícia em ambientes ou corpos que retratam as agressões.

Esta semana, Fabiola Yañez, ex-mulher do ex-presidente da Argentina Alberto Fernández, de 65 anos, o denunciou por lesões e ameaças, divulgando fotos nas quais aparece com um olho roxo. Também esta semana, a delegada Patrícia Jackes, de Santo Antônio de Jesus, foi encontrada morta, estrangulada com um cinto de segurança, e o principal suspeito é o companheiro, um médico de 26 anos.

Os dois casos, tão diferentes e, ao mesmo tempo, tão iguais, lembram a médica legista Alice Sena, de 57 anos, que nenhuma mulher está a salvo. Ela é diretora adjunta do Instituto Médico Legal (IML) e atuou nas perícias de vítimas sobreviventes por quatro anos. Cada relato escutado é mais um alerta.

 

“Eu posso dizer que mudou a forma que eu enxergo o mundo e como eu me protejo. Me faz sentir mais vulnerável, me deixa mais alerta e menos permissiva. E para isso não se tornar um medo, uma questão limitante, faço terapia. Todo profissional que lida com isso precisa de acompanhamento psicológico”, diz.

Como mulher preta, para Alice é difícil não enxergar, nem que seja um pedacinho de si mesma, em cada vítima que atende. “Toda mulher já passou por algum tipo de violência”, é o que se limita a partilhar.

Mas o mais difícil mesmo é não cair na tentação de julgar. Diante de tantas histórias bárbaras, é desafiador não pensar “Meu Deus! Como ela tolerou isso por tanto tempo?”. A empatia vai sendo trabalhada a cada dia. “A gente tem mania de achar que o mundo é a nossa bolha, mas a realidade fora desse nosso gueto protegido é muito cruel. E a gente precisa sair do nosso gueto para entender o gueto do outro e poder acolhê-lo”, desabafa.

 

Dois casos a marcaram de forma mais contundente, destruindo os limites desse gueto e entendendo de vez que, sim, o ser humano é capaz de fazer coisas como essas. Um deles foi enquanto médica legista, quando atendeu uma criança de 4 anos violentada sexualmente pelo próprio pai. As agressões eram conduzidas com associações a brincadeiras e Alice, enquanto mãe, não esquece o momento em que teve que ouvir a criança contar como tudo acontecia.

O outro caso ela vivenciou enquanto médica que atende em uma unidade de saúde. Recebeu uma mulher de cerca de 70 anos, violentada sexualmente pelo próprio filho, usuário de substâncias psicoativas.

“Ela chegou dizendo que aquele era o pior dia da vida dela. Enquanto perita, os limites são mais rigorosos, mas quando atendo na unidade de saúde tenho a obrigação de acolher. Como eu ia chegar falando que ela precisava de tal e tal remédio, sendo que o que ela precisava mesmo era um remédio para a alma?”, compartilha.

 

Cenários de violência

Perita criminal há 16 anos, Alessandra Virgínia Pinho, de 48 anos, se vê sempre tentando não ultrapassar os limites profissionais que a perícia de cenários de violência doméstica do Departamento de Polícia Técnica (DPT) exige. O que mais pode fazer pelas vítimas é oferecer a escuta. “Eu tento fazer o mínimo de perguntas possível. Se ela quiser desabafar, eu ouço. E, claro não deixo de orientá-la quanto aos direitos e quais medidas ela pode adotar”, explica.

Alessandra compartilha que procura se colocar no lugar das vítimas e ajudar da forma que pode

Alessandra compartilha que procura se colocar no lugar das vítimas e ajudar da forma que pode. Crédito: Marina Silva/CORREIO

Entre as histórias, muitas são de repetição. Alessandra já fez perícia em um mesmo local, com a mesma vítima, mais de uma vez. “Em outros casos, já havia acontecido agressão, mas elas não tinham chamado a polícia porque não identificavam dessa forma. Às vezes, os agressores tinham quebrado coisas dentro de casa, mas não batido nelas”, diz. Uma das vezes, depois de ter a casa completamente destruída, a vítima pediu que não colocassem tornozeleira no companheiro porque tinha medo de que ele pudesse perder o emprego.

Os cenários encontrados nunca deixam de surpreender. “Até o teto de gesso já vi destruído. Certa vez o agressor, depois da violência, ateou fogo na residência. Quando cheguei para a perícia, encontrei a vítima com os três filhos pequenos, todos desesperados, chorando muito”, lembra.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Compartilhe

Compartilhar no facebook
Facebook
Compartilhar no twitter
Twitter
Compartilhar no linkedin
LinkedIn

Veja também

HOME