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Nem sempre o assédio sexual no trabalho acontece no contato físico forçado. Muitas vezes, tudo começa com uma “brincadeira”, que evolui e pode chegar a atitudes muito mais graves. O medo e a vergonha de falar sobre o assunto – assim como a dificuldade em reunir provas para denunciar – faz com que muitas vítimas guardem o sofrimento para si. Por isso, sete mulheres contam ao Finanças Femininas sua história de assédio sexual no trabalho – que, em comum, encontraram o desamparo – e especialistas ajudam todas que passaram ou passam pelo problema a lidarem com ele. O conteúdo a seguir pode disparar gatilhos em quem já sofreu este tipo de abuso no ambiente corporativo.
Relatos de vítimas de assédio sexual no trabalho
“Trabalho nessa empresa há uns cinco anos. Em certo período, tive que lidar com o diretor financeiro, que também era o RH. Quando ainda era estagiária e fui trabalhar de shorts jeans, ele falou: ‘queria estar trabalhando nessa sala. Que pernas…’. A reação foi contar para minha chefe, que na época estava fora do país. Não deu em nada. Eu sempre tentava me convencer de que era uma brincadeira e eu estava exagerando. Só que as coisas começaram a sair do controle. Ele começou a pegar no meu braço e me abraçar. Eu dizia que iria denunciá-lo, mas quanto mais eu falava, mais ele pegava em mim.
Certo dia, eu estava na copa do escritório, de costas. Ele me encoxou e me deu um beijo na bochecha. Eu fiquei totalmente sem reação! Só consegui virar de frente para ele parar e sentar no meu lugar. Decidi não falar nada para ninguém, pois uma advogada me orientou que, em um processo de assédio, eu precisaria de provas ou testemunhas – e eu não tinha nem um, nem outro. Mudamos de escritório e graças a Deus nunca mais o vi.”
– F. B.
“Fui estagiária na área de Direito Comercial, tinha 21 anos, mas aparentava ser mais nova – por isso, me chamavam de ninfeta. Havia um advogado que morava na mesma região que eu. Às vezes ele me oferecia carona e eu aceitava. Um dia ele colocou a mão no meu seio, apertou e depois colocou a mão no outro. Eu fiquei gelada, muda, não sabia o que fazer. Foi um tapa na cara, porque me considerava esperta, capaz de sentir o cheiro do perigo, mas não previ que aquilo iria acontecer e me senti mal. Fiquei muda o resto da viagem. Depois disso, passei a falar com ele apenas o essencial, não peguei mais carona e nem contei para ninguém o que aconteceu.”
– S. S.
“Trabalhei em um restaurante onde, com o passar dos meses, o sous chef começou a se mostrar abusivo. Depois que comecei a dar uns cortes, ele passou a descontar seu estresse em mim. Já nos dias em que estava de bom humor, era extremamente invasivo, chegava na minha praça (área de trabalho na cozinha) por trás, me dando beijos molhados na bochechas. Sempre que ele fazia isso, me sentia acuada.
Depois, entrou outro funcionário na cozinha que, além de ser um péssimo cozinheiro, abusava de todas as meninas da cozinha – beliscava, falava no nosso ouvido e até chegou a morder uma menina durante o trabalho. Comecei a me queixar com o sous chef, mas ele só me desmereceu. Então, decidi que já era demais e pedi as contas. Até hoje eu me pergunto o que aconteceria se tivesse conversado com a dona do restaurante, que tenho certeza que não aceitaria que isso tivesse acontecido.”
– C. B.
“Eu tinha 16 anos quando trabalhei no gabinete de um vereador como digitadora. Sempre que eu estava sozinha com o chefe de gabinete, ele vinha alisar o meu ombro, passar a mão no meu cabelo e ficar falando o quanto eu era bonita, que eu tinha mudado muito desde quando ele me conheceu – ele era conhecido do meu pai, então, me viu quando eu era criança. No início, eu ficava sem graça e não fazia nada. Depois, comecei a ficar com um nojo tão grande que não conseguia mais disfarçar, saía de perto quando ele chegava e comecei a ser grossa. Só fui contar isso para o meu pai quando eu saí de lá, já com 18 anos. Meu pai disse que eu tinha que ter falado antes e contou para o amigo dele – que era o vereador – mas ficou por isso mesmo, pois o chefe de gabinete continuou lá.”
– B. B.
“Trabalhei de hostess em um restaurante. O maître começou a fazer convites para sairmos para beber e eu, sempre educada, dava um jeito de recusar sem constrangê-lo. Até que um dia ele pediu para mim uma foto da minha vagina. Depois daquele dia, me afastei e evitei todo tipo de contato. Ele começou a ser agressivo, colocar defeitos no meu trabalho e alterar escalas para que eu não tirasse folga. Fiquei irritada e disse que jamais abriria as pernas para ele em troca de nada ali dentro. Ele me obrigou a deixar meu posto e ir embora no meio do expediente. No dia seguinte, contei ao dono do restaurante, que me perguntou se eu não estaria inventando essa história. De vítima, passei a ser vilã. Todos ganharam aumento, menos eu.”
– M. F.
“Trabalhei em uma empresa bem pequena e era a única menina que almoçava com os meninos. Eu escutei algumas coisas que me deixaram sem jeito, tipo ‘como você se sente sendo a menina mais bonita daqui?’ ou ‘casa comigo?’. Até aí, eu até levava na brincadeira, mas um dia, um deles fez comentários sobre meus seios, que são grandes, o que me deixou extremamente desconfortável. Em outra vez, combinamos de fazer cachorro quente no refeitório. Foi quando um deles disse: ‘eu trago a salsicha e você traz o quê?’, e sorriu para mim.”
– J. M.
“No meu último dia de trabalho em uma agência, eu estava com uma blusa de renda branca e um top preto por baixo. Meu ex-chefe me olhou de um jeito muito nojento, fitando meus seios, e disse: ‘nossa, hoje tem, hein? A noite promete’. Eu fiquei tão chocada, sem reação… Não consegui dizer nada. Fiquei o resto do dia me sentindo horrível, suja, enojada.”
– C. M.
Assédio sexual no trabalho: o que fazer?
A primeira dificuldade é identificar que está sendo vítima, pois é comum pensar que tudo não passa de uma brincadeira. Por isso, é preciso entender o que é assédio sexual. “Ele acontece quando uma parte não quer, é intimidada ou quando a força da autoridade ou do poder se sobrepuja aos direitos da pessoa”, define a psicanalista Júlia Bárány.
Depois de se perceber como vítima, a próxima barreira é vencer a vergonha e o medo de sofrer represálias, como aconteceu com a hostess M. F. No geral, a maneira de denunciar o crime varia de acordo com o porte da empresa. “As maiores possuem RH mais estruturado e até canais de denúncia. Porém, a questão é mais difícil em companhias menores, pois todos se conhecem. Nestes casos, o melhor a ser feito é procurar alguém que tenha condições e autoridade para mediar a situação”, indica Rudney Junior, sócio-diretor da Br Talent.
Infelizmente, nem sempre podemos contar com a sensibilidade e sensatez dos superiores – na maior parte dos casos, eles mesmos são os responsáveis pelo assédio. É quando a vítima se vê desamparada e sem ter para onde ir. “É muito triste, pois a pessoa que sofreu é quem está sendo penalizada. Nestes casos onde não há apoio, não há muito o que ser feito além de procurar outro local para trabalhar”, lamenta Rudney. A solução é ainda mais onerosa se considerarmos o quadro de desemprego do País – que já atinge mais de 13 milhões de brasileiros, segundo o IBGE.
O mais importante é não se sentir culpada caso sofra assédio sexual no trabalho, mesmo que insinuem ou digam isso explicitamente. “Mesmo que a vítima tenha descumprido o dresscode da empresa, sua roupa não justifica nenhum tipo de abuso, nem dá o direito a ninguém de assediá-la”, enfatiza o sócio-diretor da Br Talent.
Se você foi vítima de assédio sexual na empresa e não tem conseguido lidar com o trauma e sofrimento causado pela situação, é indicado procurar acompanhamento psicológico. Caso decida ir à Justiça, procure a orientação de um advogado. Para mais informações, o Instituto Latino-Americano de Desenvolvimento Empresarial (ILADEM) tem desenvolvido desde 2016 a Campanha de Combate e Prevenção ao Assédio Sexual no trabalho. O site da campanha contém material informativo, incluindo cartilha e banner de divulgação, que podem ser acessados aqui.
Fotos: Shutterstock
PUBLICAÇÃO ORIGINAL: Assédio sexual no trabalho: mulheres contam histórias impressionantes (e frequentes)