HOME

Home

Assédio nas empresas — por que continuamos cochichando pelos cantos?

Saiu no site ÉPOCA NEGÓCIOS

 

Veja publicação original: Assédio nas empresas — por que continuamos cochichando pelos cantos?

.

Não basta as empresas implementarem programas de inclusão e criar linhas anônimas de denúncia se não lidam de modo aberto e exemplar com os casos que acontecem

.

Por Claudia Penteado

.

Sai, pouco a pouco, do âmbito do discurso e das intenções, o tema da diversidade e da inclusão nas empresas. No mundo da comunicação, onde venho navegando nos últimos 20 anos, nunca foi um tema prioritário. Devo dizer que a área foi pega de calças curtas, quando estudos e levantamentos iluminaram a questão. Isso levou empresas a finalmente olhar para comportamentos e hábitos cristalizados há décadas e a começar, ainda que de leve, a colocar o dedo nas próprias feridas.

.

Acompanho, por exemplo, a saga do Grupo de Planejamento, desde que levantou pela primeira vez o tema do assédio sexual e moral no ambiente de trabalho das agências de publicidade. Observo curiosa como ainda hoje a questão do assédio segue tabu, varrida para debaixo de tapetes de todos os tipos e tamanhos. É um elefante na sala que todos enxergam, mas fingem não ver, para proteger seus empregos e suas reputações, e porque ele simplesmente não combina com a imagem de criatividade e inovação que envolve o setor.

.

No ano passado, David Droga, certamente o cara de maior prestígio na indústria da publicidade mundial, teve de dispensar seu CCO, Ted Royer, por assédio. Isso acontece e ganha a imprensa nos Estados Unidos e em países da Europa, mas no Brasil é abafado. Fala-se do ocorrido apenas em listas anônimas na internet e a meia voz, em conversas em que se tem medo de citar nomes e dar detalhes.

.

O Brasil precisa caminhar muito para reconhecer suas mazelas e essa certamente é uma delas. É cultural e notória nossa falta de reconhecimento de erros do passado – replicados, de formas variadas, no presente – embora adotemos no discurso e em cartas de intenção o compromisso de não seguir errando. Para David Droga (publicitário australiano, fundador e presidente da agência americana Droga5), foi um baque e tanto abrir mão de seu parceiro criativo. Por outro lado, Droga não podia arriscar sua reputação e seu futuro, mantendo por perto alguém acusado de cometer um erro que já não dá mais para varrer para debaixo do tapete.

.

Nem sempre foi assim, e até mesmo um presidente americano escapou da condenação por erro semelhante no passado, mas os tempos são outros. E reconhecer e lidar com erros de maneira transparente se paga, literalmente: este ano, a Droga 5 foi comprada pelo maior grupo de comunicação da atualidade, a Accenture. E David Droga se mantém no topo da cadeia alimentar das personalidades mais admiradas desse setor.

.

Não por acaso, os Estados Unidos aparecem em segundo lugar no primeiro índice global de inclusão e diversidade no ambiente de trabalho lançado pela Kantar. Depois de entrevistar mais de 18 mil pessoas em 14 países, foi criado um ranking no qual o Canadá aparece em primeiro lugar, como o país com ambientes de trabalho mais inclusivos – considerando determinantes como gênero, etnia, idade, orientação sexual, saúde e bem estar no trabalho (o mesmo Canadá para onde fogem mulheres, negros e LGBT na série Handmaid’s Tale). Depois de Canadá e EUA, estão no ranking, pela ordem, Alemanha, Itália, Espanha, Holanda, Brasil (na sétima posição), Reino Unido, França, Polônia, Japão, Austrália, Cingapura e México.

.

O estudo revelou que 19% das pessoas sofreram bullying ou algum tipo de assédio no ambiente de trabalho no ano passado. No caso de pessoas que fazem parte de alguma minoria – étnica, de gênero – o índice sobe para 24%. O estudo também revelou que 80% dos funcionários de empresas no âmbito global testemunharam ou sofreram algum tipo de discriminação – e apenas apenas um terço deles acreditou que poderia denunciar o fato internamente.

.

Uma curiosidade: as indústrias farmacêutica e da saúde foram consideradas as mais progressistas no quesito inclusão, enquanto as de tecnologia e telecoms ficaram na lanterninha, veja só.

.

Mas vamos falar de Brasil: estamos em sétimo. Na metade do caminho, digamos assim. Indo mais fundo, temos os maiores índices de bullying e assédio no trabalho, junto com México e Cingapura, enquanto Holanda e Espanha têm os menores. Do total dos entrevistados no Brasil, 67% afirmaram não se sentir confortáveis para reportar comportamentos negativos para a liderança ou gestores de recursos humanos, e 25% afirmaram terem sido assediados ou intimidados nos últimos 12 meses, enquanto 41% das pessoas se sentiram desconfortáveis no local de trabalho.

.

Temos problemas graves relativos a gênero, etnia, idade e orientação sexual. Empresas precisam ser mais inclusivas, e direcionar oportunidades para as pessoas mais merecedoras. Seguimos arfando, no meio do caminho, como hamsters em rodinhas.

.

Fica claro onde reside o nosso maior problema, e onde precisamos mergulhar sem demora: reconhecer o elefante na sala, e parar de empurrá-lo para debaixo do tapete. Não basta implementar programas de inclusão, criar linhas anônimas de denúncia, distribuir cartilhas e guias sobre assédio e diversidade, se não se lida com os casos, que ainda acontecem, de maneira aberta e exemplar. Demissões, acordos e dispensas são feitas às escuras, pessoas se constrangem e continuam se calando. Cochichos seguem ecoando pelos corredores, irremediavelmente, tratando assuntos urgentes como “tabu”. A imprensa nem sonha em publicar nada. E a cultura não muda.

Apontar os culpados faz parte, pois demonstra que a gestão das empresas está de fato assumindo sua verdadeira responsabilidade. Responsabilidade não é, necessariamente, culpa – como bem explicou a jornalista Eliane Brum, em sua palestra, no início da semana, no Rio de Janeiro, em que invocou a filósofa Hannah Arendt para falar das diferenças entre os dois conceitos. Punir exemplarmente os nossos culpados e assumir, de fato, responsabilidades, é um enorme e necessário desafio. Segue o jogo.

.

.

*Claudia Penteado é jornalista, estuda comunicação, filosofia e literatura, mora no Rio de Janeiro e acredita em capitalismo consciente. É leonina, mãe da Juliana e prefere ler livros em papel.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

.

.

.

.

.

.

 

.

.

.

.

.

.

.

.

.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Compartilhe

Compartilhar no facebook
Facebook
Compartilhar no twitter
Twitter
Compartilhar no linkedin
LinkedIn

HOME