Saiu no El PAÍS
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Atualmente vários termômetros da economia brasileira estão anestesiados em função dos estímulos dados pelo Governo ― como o benefício do auxílio emergencial ―para atenuar os impactos da pandemia do coronavírus. A radiografia do desequilíbrio das contas públicas, no entanto, está claríssima. No intervalo de uma década, o Brasil irá dobrar sua dívida pública, que deve chegar a 100% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2021. “O país caminha para o sétimo ano em que o Estado não cabe na quantidade de impostos pagos pela sociedade. Se aceitarmos aumentar despesas, vamos precisar aumentar os impostos. Toda essa situação é incompatível com uma coesão social”, explica Ana Paula Vescovi, economista-chefe do Santander no Brasil.
Para Vescovi, que foi secretária do Tesouro Nacional entre 2016 e 2018, só a manutenção do teto de gastos ― que proíbe que as despesas cresçam em ritmo superior à inflação ― sem exceções ou furos e o encaminhamento de reformas importantes, como a administrativa e a tributária, podem devolver o Brasil para a rota de crescimento sustentável após a crise sanitária. Apesar da pandemia e de faíscas dentro do próprio Governo, a economista acredita que há um ambiente político propício para as reformas.
Pergunta. A regra do teto dos gastos está no centro das discussões nas últimas semanas. Há fortes pressões políticas por mais gastos públicos em meio à pandemia do coronavírus e pedidos para que investimentos públicos possam sair da regra e ajudar na retomada econômica. Hoje é realista manter o teto como está?
Resposta. A manutenção da regra do teto não é só realista, mas absolutamente necessária para termos condição compatível com a recuperação salutar da economia brasileira após a crise da covid-19. O Brasil precisou enfrentar a crise da pandemia, protegendo os mais vulneráveis, tanto as pessoas como as empresas. Para isso, aumentou a dívida pública brasileira, que estava mais ou menos em 75% do Produto Interno Bruto (PIB) e deve ir para 95% do PIB no fim do ano, financiando gastos temporários. E foi aprovado no Congresso uma emenda constitucional que cria um marco regulatório para essas despesas transitórias. Mas outra coisa é a gente deixar que parte dessas despesas temporárias se tornem permanentes. Aí começa a questão mais sensível. O Brasil já vinha antes da crise com um problema muito grave de crescimento das despesas obrigatórias acima do crescimento da economia. Isso faz com que orçamento público fique cada vez mais tomado pelas despesas obrigatórias, que são a Previdência, folha de pagamento, assistência social e financiamento da máquina pública.
P. O que acontece se o teto for furado?
R. Se o país agravar essa situação depois da crise, a gente vai precisar fazer um aumento de impostos a cada tantos anos no Brasil. Ou, se não conseguir um aumento da carga tributária ― já que já pagamos muitos impostos ―, vamos incorrer na volta da inflação. A importância do teto é que ele é uma regra simples, clara e objetiva para refletir a nossa realidade. Temos uma restrição fiscal muito apertada. O teto nos leva a discutir alocação de recurso e eleger prioridades. Não é só crível manter a regra até 2022, ele tem espaço para funcionar e é absolutamente necessário.
P. E depois de 2022?
R. Agora a gente precisa discutir reformas para sustentar o teto até o primeiro ciclo dele que é até 2026. A vantagem do Brasil é que a discussão da realocação do orçamento público para torná-lo mais justo e efetivo, a discussão das reformas que podem fazer o PIB crescer ao longo do tempo e a discussão sobre melhorias de regras e regulações para poder ativar negócios está muito madura. Nós já temos um conjunto de diagnósticos e de avaliações sobre políticas sociais capazes de endereçar o caminho dessas reformas. E grande parte já está em pauta. Estamos com a reforma tributária super importante que trata da parte da eficiência do PIB potencial capaz de trazer impacto positivo, temos marcos regulatórios sendo aprovados, propostas para o mercado financeiro, temos a proposta de independência do Banco Central e as reformas fiscais. A PEC emergencial, que é um pedaço do pacto federativo. E temos discussões de fazer a reestruturação da assistência social. A reforma administrativa também é muito importante para o equacionamento dos gastos públicos.