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Apesar de a amamentação ser considerada imprescindível para o bebê pela OMS, amamentar em público ainda é polêmico. Em entrevista à Glamour, a deputada Manuela D’Ávila, as cantoras Pitty e Kelly Key comentam o assunto. Leia:
por MANUELA ALMEIDA
Bebês devem fazer aleitamento materno exclusivo até os seis meses de idade, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS).
Isto porque o leite materno protege contra doenças como diarreia, infecções respiratórias e alergias, além de ajudar na digestão, no desenvolvimento da musculatura orofacial e arcada dentária. Por fim, melhora a progressão da fala, auxilia no desenvolvimento cognitivo e afetivo, reduz a incidência de cáries e previne a obesidade.
Mas isto é o esperado — e o mais debatido. No entanto, pouco se fala sobre o que o ato de amamentar significa para a mulher: em primeiro lugar, ele reduz o risco de câncer uterino, de acordo com um estudo recente do Instituto de Pesquisa Médica QIMR Berghofer da Austrália. “O aleitamento materno para a mãe ajuda no controle de sangramento uterino pós-parto, facilita o retorno do útero ao tamanho normal, acelera a perda de peso materno pós-parto, reduz a chance de ter câncer de mama e ovário e principalmente aumenta o vínculo mãe-filho”, completa a pediatra Elisabeth Fernandes.
De acordo com a médica, o leite materno deve ser oferecido sempre que o bebê sentir fome. Caso isso não ocorra, a criança pode ficar irritada, chorar com facilidade, reduzir o ganho de peso e o vínculo mãe-filho.
Em abril de 2017, foi aprovada a lei que transforma o mês de agosto no Mês do Aleitamento Materno. Em maio desse ano o Ministério da Educação garantiu o direito à amamentação nas escolas, universidades e outras instituições federais de ensino, independentemente da existência de instalações destinadas para esse fim.
Porém, o direito das mães de amamentar em qualquer local público ou privado sem sofrer qualquer impedimento, garantido pelo Projeto de Lei do Senado (PLS) 514/2015 e idealizado pela senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB–AM), ainda está em fase de aprovação.
Apesar de ser um ato natural, amamentar em locais públicos é considerado polêmico. “A amamentação ainda está ligada a muitos tabus em relação à sexualidade, pois mostram os seios maternos, principalmente os mamilos, tão poucos mostrados”, explica Eliane Rose Maio, Coordenadora da Comissão de Direitos Humanos de Maringá do Conselho Regional de Psicologia do Paraná.
“Uma sociedade que proíbe a amamentação em público não reconhece o direito da mulher ao próprio corpo, não reconhece a mulher senão como um objeto sexual”, completou a antropóloga Isabela Venturoza, do Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde.
Mãe da Laura, Manuela D’Ávila contou que um dos principais desafios da maternidade é a decisão de amamentar depois da licença, que no seu caso foi de apenas quatro meses. Quando voltou a trabalhar, a deputada estadual do Rio Grande do Sul evitou amamentar a filha no ambiente da Assembleia. No início, fazia o aleitamento no banheiro, mas, aos poucos, foi retomando seu espaço.
“Percebi que os espaços públicos é que precisam se adaptar às mulheres mães, não nós a eles. Quando tomei consciência profunda disso, passei a tratar tudo com mais tranquilidade”, reforçou.
Além da pressão social, o começo da amamentação também tem os seus desafios. “Dói, é uma bagunça, machuca o peito, o bebê fica aflito…É uma confusão mesmo. E é nessa hora que se não tem um bom suporte técnico e apoio emocional, muitas acabam desistindo”, contou Pitty, cantora e mãe da Madalena de 11 meses.
Lembrando que mães que não aguentam a dor sofrem críticas. “A sociedade cobra, mas não acolhe. Ninguém fala que amamentar dói. A única coisa que me diziam sobre amamentar é que emagrecia”, completou Manuela.
É importante frisar que cada bebê tem sua forma de mamar. Mãe de três filhos, Kelly Key contou que cada experiência foi diferente. “Suzanna era muito chorona e não largava o peito. Já o Vitor pegava a chupeta e eu podia descansar entre as mamadas. O Artur [de quatro meses] também não é muito fã de uma chupeta, só usa para dormir.”
A melhor forma de amamentar em público é a forma que a mãe se sentir mais segura, confiante e confortável. E se necessário cobrir com uma manta ou fralda de pano para maior privacidade, de acordo com Elisabeth. “É importante que se lembre de que os outros, neste momento, não são importantes. Concentre-se apenas neste vínculo maravilhoso que é amamentar”, disse a pediatra.
Pitty, por sua vez, reforçou: “É importante alimentar seu filho quando e onde ele tem fome. E às vezes ele sente essa necessidade na rua. Isso não deve ser um tabu, deve ser encarado como é: uma coisa natural.”
O tabu, aliás, nasce da sexualização excessiva do corpo da mulher, explica a antropóloga. Quem condena a amamentação em público enxerga a mãe que dá de mamar da mesma maneira que uma mulher em roupas curtas e decotadas — ainda que ambas tenham o direito de fazê-lo. “Ela é sexualizada e controlada desde cedo por uma sociedade que nos divide entre santas e putas; santas são as mães que amamentam seus filhos em cubículos, putas aquelas que se fazem valer do direito aos seus próprios corpos”, acrescentou.
“Ao verem os seios das mulheres desnudos, afirmam que deveriam se resguardar, pois [os seios] remetem à castidade, pureza e virgindade. Esconder o corpo depois do século XVI no Brasil, advindo de modelos europeus, foi (e ainda é) usado por diversos homens como um despudor e falta de indecência”, disse a psicóloga.
“Sinceramente eu não me importo”, defendeu Kelly Key sobre as críticas de amamentar o Artur em público. “Tenho até um pouco de pena das pessoas que não veem esse ato com naturalidade. – elas têm a opção de não olhar também.” Entretanto, a cantora contou que a maioria dos fãs apoia a amamentação em locais públicos.
“A mulher quando amamenta não está ‘mostrando o seio’, ela está nutrindo e alimentando o seu filho – e é essa é uma das coisas mais lindas da natureza”, disse Pitty. “Se você sexualiza o ato de amamentar, busque ajuda profissional. Se acha que não há necessidade [de dar de mamar] pergunte para aquela mãe quanto tempo ela dedica ao ato”, disse a deputada.
Para a antropóloga, o preconceito contra a amamentação em locais públicos somente pode ser quebrado se colocarmos a questão continuamente em debate, seja através de rodas de conversa, “mamaços” (amamentação coletiva em espaço público) e campanhas de incentivo. Pitty acrescentou que é mais construtivo falar com mães e futuras mães sobre o preconceito sofrido do que rebater críticas de fãs nas redes sociais.
“Eu penso que nós temos o direito de alimentar nossos filhos quando e onde eles precisarem. Se [vocês mulheres] partilharem dessa ideia, não deixem ninguém te dizer o contrário. Cada uma no seu tempo e no seu jeito. Com afeito, respeito, didatismo se for necessário, podemos construir esse espaço na sociedade de ser mãe sem estar atrelada ao sexismo e aos tabus”, concluiu a artista.
Por @manuelaprudente
Kelly Key segura o pequeno Artur, de quatro meses, no colo (Foto: Reprodução Instagram)
Publicação Original: Amamentação em público: Famosas e especialistas defendem direitos da mulher