Saiu no site JORNAL DA USP:
Veja publicação original: Alunas e professoras da USP se unem contra a violência de gênero
Por Helena Mega
Coletivos e organizações da Universidade recolhem dados e ampliam o diálogo com instituições de justiça
Tomar uma xícara de chá ou fazer sexo. Ninguém deveria passar por nenhuma das situações contra a própria vontade. A analogia é apresentada no vídeo que deu abertura ao seminário Enfrentamento àviolência de gênero: O desafio da USP”, realizado no dia 10 de agosto pelo Escritório USP Mulheres.
“Consentimento é tudo: ninguém é contra relações sexuais, mas tem que ter consentimento”, resume a professora Eva Alterman Blay, coordenadora do USP Mulheres, logo após a exibição do vídeo.
Parece óbvio, mas não é sempre assim. Por mais que os casos de violência de gênero no ambiente universitário tenham começado a ser debatidos publicamente a partir de abusos praticados em festas e trotes, as mulheres da academia estão deixando cada vez mais claro que as opressões não se limitam a esses ambientes.
No Instituto de Geociências (IGc) da USP, uma pesquisa realizada há três anos, através de caixinhas colocadas no banheiro feminino, revelou que 69% das alunas foram vítimas de assédio por parte de alunos, professores e funcionários do instituto. A iniciativa foi do Coletivo Feminista Geóloga Dinalva, que surgiu em 2014 após um grupo de alunas se reunir para fiscalizar o trote violento do curso de Geologia.
“O nosso maior desafio é transmitir segurança para fazer com que as mulheres se sintam seguras e acolhidas para formalizar denúncias”, explicou o professor Marcos Egydio da Silva, diretor do IGc.
Ele reconhece que esse é um cenário que pode mudar a partir das atitudes de alunas e da Comissão de Ética que está sendo formada na unidade — isto é, se contarem com respaldo da Universidade.
Também no campus da capital, 75% das alunas do Instituto de Relações Internacionais (IRI) da USP relataram já ter passado por alguma situação machista no curso. O dado é de 2015 e foi gerado por meio de relatos anônimos colhidos pelo Núcleo Feminista de Relações Internacionais.
“Dentro do IRI, essa pesquisa foi um divisor de águas e acabamos por ter respostas do instituto”, lembra a aluna Isabela Gualtieri, representante do núcleo.
Nos últimos anos, não apenas alunas, mas professoras e funcionárias da Universidade têm se organizado para combater as diversas formas de opressão que as mulheres sofrem nos campi.
Uma delas é a professora Sonia Seger Pereira Mercedes, que atua como pesquisadora no Instituto de Energia e Ambiente (IEE) da USP:
“É difícil admitir que esses fatos ocorram num ambiente que é de excelência intelectual. Sempre há uma justificativa muito bem construída para disfarçar e esconder os casos de violência”.
A professora está engajada com a Rede Não Cala, que reúne professoras e pesquisadoras pelo fim da violência sexual e de gênero na USP.
O encontro, que ocorreu no último dia 10, também celebrou o décimo primeiro aniversário da Lei Maria da Penha, que assegura a proteção da mulher e de seus filhos para impedir a continuação de situações de violência doméstica e familiar, mas também se refere a todos os tipos de violência por questões de gênero, como explicou a promotora do Ministério Público de São Paulo, Maria Gabriela Prado Manssur. Isso inclui crimes como estupro, assédio sexual, assédio moral e desqualificação intelectual.
A presença da promotora somou-se à da juíza do Tribunal de Justiça de São Paulo, Kenarik Boujikian, que trouxe uma coleção de cartazes de festas universitárias em que a plateia pôde identificar aspectos como a objetificação do corpo da mulher. Ambas lembraram da importância de um Estado aberto a acolher e proteger as mulheres vítimas de opressões.
“O patriarcado está presente na universidade, na nossa casa, no nosso trabalho e na justiça”, disse Kenarik.
Canais de denúncia
A USP não é polícia, nem faz parte do sistema judiciário e, dessa maneira, não pode prender nem processar judicialmente uma pessoa. Contudo, nos casos de denúncia, a diretoria de cada unidade de ensino tem autonomia e até mesmo o dever de abrir uma sindicância que, por sua vez, pode se transformar em um processo interno disciplinar ou administrativo.
Se você foi vítima de violência sexual em algum dos campi da USP, deve fazer uma denúncia formal à Ouvidoria Geral e à direção da unidade na qual estuda ou trabalha. Fora da Universidade, deve-se procurar a polícia. Em caso de estupro, além das providências anteriores, é recomendável passar por um exame clínico em hospital.
Se necessário, a Ouvidoria Geral poderá encontrar quem a acompanhe à delegacia e ao hospital. A Ouvidoria também comunica a Superintendência de Prevenção e Proteção Universitária e encaminha a denúncia à unidade recomendando abertura de sindicância, quando o(a) perpetrador(a) é conhecido(a) e pertence à USP.
Você também pode procurar o Núcleo de Atendimento a Vítimas de Violência Sexual (Navis) do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), um serviço organizado por professores da Faculdade que oferece assistência a vítimas de violência sexual.
Além disso, o Escritório USP Mulheres se disponibiliza para receber denúncias e contatar a Comissão de Direitos Humanos da sua unidade (ou a diretoria, caso não haja comissão), além de mediar e acompanhar os desdobramentos necessários. Lembrando que o governo federal disponibiliza o Disque-Denúncia 180 (Central de Atendimento à Mulher).
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