Falar sobre gênero é reivindicar uma vida mais justa, livre e feliz! Muito bom esse artigo escrito pela advogada e pesquisadora da Anis, Gabriela Rondon. Vale a pena a leitura!
Saiu no site Revista Trip:
“É fato, não estamos hoje tão desprotegidas quanto antes, mas o que a progressão temporal das conquistas de direitos mostra é que o caminho para a igualdade é lento e recente”
Pouco mais de metade da população mundial é de mulheres, mas quanto mais se avança na hierarquia de poder das profissões, menos mulheres se vê. Somos hoje menos de 10% dos representantes em nosso Congresso Nacional, somos apenas 11% nos mais altos cargos de grandes empresas brasileiras. A desigualdade do trabalho está tanto no mundo do emprego quanto dentro de casa, os dois domínios de ocupação feminina: as mulheres ainda são com frequência as responsáveis solitárias pelo cuidado doméstico, mesmo quando se ocupam fora de casa da mesma maneira que seus companheiros. É ainda na casa que as mulheres são agredidas ou mortas pelos afetos: o horror da violência doméstica é a forma persistente pela qual os homens se apoderam dos corpos e das vidas das mulheres. Dados do Ministério da Saúde mostram ainda que a cada quatro minutos uma mulher é atendida em algum serviço de saúde do país por ser vítima de violência sexual. As mulheres temem por suas vidas, nos espaços e relações que deveriam garantir mais confiança e proteção.
A desigualdade do gênero ainda vitima outras de nós de maneira particular. O Supremo Tribunal Federal reconheceu as uniões não-heterossexuais em 2011, mas essa conquista teve pouco reflexo em outras dimensões de proteção das vidas LGBT. Estima-se que uma pessoa LGBT seja assassinada por motivo de ódio a cada 27 horas no Brasil. Relatório da Unesco de 2012 mostra que, nas escolas, o bullying homofóbico e transfóbico pode causar depressão, isolamento social e evasão escolar. Crianças e adolescentes que sofrem desse tipo de discriminação têm mais chances de cometer suicídio. O acesso à escola é um problema especial para estudantes transexuais, devido a políticas excludentes de utilização de uniformes ou dos banheiros. Por isso, essas estudantes têm mais chances de ter pior desempenho acadêmico, maior número de faltas e abandono precoce dos estudos. Para meninos e homens heterossexuais, o regime do gênero também deixa suas marcas de opressão. São os meninos que aprendem cedo a ter medo de demonstrar vulnerabilidade, a esconder seus afetos e a reproduzir a linguagem da violência, que também os fere. São homens pais que não podem ter direito a uma licença paternidade que permita cuidar longamente de seus filhos pequenos, ainda que queiram.
Falar sobre gênero é colocar todos esses impedimentos, dores e violências em questão. É falar sobre o que fere ou limita todos e todas nós, de diferentes maneiras. É possível que nem sempre seja tarefa fácil, porque implica em questionar e balançar aquilo que fomos ensinadas a acreditar ser o certo ou a única possibilidade para nossas vivências. Mas não precisamos ter medo. Falar sobre gênero não é falar sobre rancor ou privilégios, é falar sobre possibilidades de futuro. Falar sobre gênero é poder imaginar que um dia todas nós poderemos nos ver livres de conviver com o peso de ter que ser quem não somos, de ver negadas escolhas que gostaríamos de ter feito ou de viver com medo. Falar sobre gênero é reivindicar uma vida mais justa e feliz para todas nós.