Saiu no site METRÓPOLES
Por KELLY ALMEIDA e JULIANA CAVALCANTE
Prestes a completar 11 anos, a Lei Maria da Penha trouxe avanços na punição dos brasileiros que cometem violência doméstica. O problema é que, passada uma década desde que penas mais severas foram definidas para esses casos, o Brasil continua entre os países com as maiores taxas de assassinatos de mulheres (feminicídios). Além disso, o agravamento penal não foi acompanhado por uma maior conscientização dos agressores. Para eles, homens, na maioria, as vítimas são as principais responsáveis pela violência sofrida.
É o que aponta a pesquisa “Anverso”, realizada como trabalho de conclusão da graduação de direito, em Brasília, pela estudante Iara Rabelo de Souza. De acordo com o levantamento, 65,4% dos responsáveis pelos ataques disseram que as mulheres deram motivos para apanhar.
A autora buscou saber a percepção dos agressores quanto à pena estipulada pela Justiça. Foram feitas 60 entrevistas, entre fevereiro e março deste ano, com os denunciados que participavam da primeira audiência do cumprimento da pena. Os acusados eram convidados a responder, durante 20 minutos, um questionário com perguntas fechadas.
O levantamento mostrou que 61,9% deles se sentiam parcialmente ou totalmente injustiçados; 50,9% insistiam não ter cometido erro algum e 68,2% negaram que a violência doméstica seja um comportamento inapropriado. Para 58,2% dos agressores entrevistados, a violência não é considerada um ato ilegal ou ilícito e 65,4% reclamaram de terem recebido uma “punição excessiva” – esse mesmo percentual alegou que a vítima provocou, dando motivos para ser agredida.
Confira, abaixo, as principais alegações dos entrevistados:
Convívio fora da sala de audiência
As declarações foram dadas pelos agressores na Vara de Execuções das Penas em Regime Aberto (Vepera). Nesta fase, o processo penal já passou por todas as etapas e é finalizado com a aplicação da punição. Nos casos pesquisados, os agressores não vão ao presídio. Em vez disso, começam a cumprir a pena em regime domiciliar ou recebem um benefício chamado sursis da pena.
Na prática, eles continuam morando no mesmo local onde a violência foi registrada. Muitas vezes, segundo Iara Rabelo de Souza, as próprias vítimas esperam os companheiros do lado de fora da sala de audiência.
O material foi apresentado como conclusão da graduação de Iara no Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). O orientador do trabalho foi o juiz Bruno Ribeiro, substituto da Vepera. Professor no instituto, o magistrado destaca que a maior parte dos agressores, mesmo depois de responderem a um processo criminal com condenação, não se enxerga como criminoso nem reconhece que fez mal à vítima.
“Às vezes, a gente tem a pretensão de tentar corrigir a pessoa, mostrar que aquilo que ela faz está errado, e nem sempre você consegue. Às vezes, ela vai deixar de praticar os atos não por acreditar que aquilo é errado, mas porque sabe que a Justiça está em cima”, disse o juiz, em tom resignado. “Então, se eu não puder convencer os agressores das mulheres de que eles estão errados, que pelo menos a gente consiga convencê-los de não encostar nela porque estamos em cima. A lei cumpre a finalidade por um lado ou pelo outro”, conclui Bruno Ribeiro.
Perigo para mulheres
No último levantamento feito pela Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre violência contra mulheres no mundo, em 2013, o Brasil ocupava a 5ª posição entre 83 países. A taxa média mundial foi de dois assassinatos para cada grupo de 100 mil mulheres. O Brasil apresentava taxa de 4,8.
Já em 2015, o Mapa da Violência, que detalhou as circunstâncias de mortes das brasileiras, mostrou que em 10 anos, entre 2003 e 2013, o número de mulheres negras assassinadas no país cresceu 54%, subindo de 1.864 para 2.875 casos. Ao mesmo tempo, o total de crimes contra mulheres brancas caiu de 1.747 para 1.576 (uma redução de 9,8%).
A pesquisa mostrou ainda que, de todos os casos de feminicídios registrados em 2013, em 33,2% das ocorrências os assassinos eram parceiros ou ex-parceiros das vítimas.
Entrevista Iara Rabelo, graduada em Direito, autora da pesquisa Anverso:
– Qual a conclusão sobre os casos de violência doméstica no DF com base nos depoimentos?
Um ponto relevante é que, ao serem questionados sobre o que os impediria de praticar um ato de violência doméstica, temos que 30,9% não responderam a questão. Verbalmente, os apenados diziam que não haveria pena que os impediria ou que não entendiam a questão. Essa resposta juntamente com os 12,7% que indicam que nenhuma pena impediria a violência doméstica perfazem um total de 43,6% de apenados para os quais a pena não impediria o comportamento violento.
– A lei hoje é eficiente no combate à violência doméstica?
Pudemos aferir que 74,5% dos apenados conhecem a Lei Maria da Penha e 52,7% sabem que há punições previstas na lei para o cometimento da violência doméstica. Assim, não se pode considerar que o conhecimento da legislação e de suas sanções sejam impeditivos para a prática. É preciso ter a lei, é preciso ter as sanções penais, mas é preciso também mecanismos de educação e políticas públicas voltados para o combate desse tipo de violência.
– A interferência do Estado dentro do ambiente familiar é importante?
Acerca da interferência de terceiros em ambiente doméstico, tem-se que 47,2% dos apenados acreditam que não deve existir. Esses dados corroboram com a tese da jurista Maria Berenice (Dias) de que a violência doméstica é perpetuada pela ideia de que a família é uma entidade inviolável e que o Estado não deve se envolver em questões domésticas.
Veja publicação original: Agressor culpa vítima por violência doméstica, aponta pesquisa no DF