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Veja publicação original: Adeola: mulheres negras se vestem de princesas pelo ensino de África nas escolas
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A educação é fundamental para o desenvolvimento e a inclusão social. Como dizia o professor e filósofo brasileiro Paulo Freire, “se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda.”
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Por Kauê Vieira
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Seguindo os passos de Freire, conhecido por uma visão progressista e à frente de seu tempo, a nova geração de jovens se mostra cada vez mais envolvida e determinada em pensar outras formas de ensino e aprendizado. Os exemplos chegam de diferentes lugares, como os estudantes secundaristas que peitaram o governo do Estado de São Paulo contra o fechamento de escolas e uma dupla de jovens mulheres negras de Sorocaba — cidade do interior paulista, que se vestem de princesas e guerreiras africanas em espetáculos que contribuem para aplicação da Lei 10.639/03, que tornou obrigatório o ensino de História Africana e Afro-brasileira nas escolas.
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Denise Teófilo e Raísa Carvalho são estudantes da Universidade de São Paulo e Universidade Federal de Sorocaba (UFScar), respectivamente. As duas sempre estiveram envolvidas em coletivos e discussões sobre a presença do negro nas escolas e na academia. Com o Adeola, que em Iorubá significa ‘coroa da riqueza’, elas exercem um importante papel de inserir a cultura africana na sala de aula de uma maneira diferente da presente no currículo escolar, que insiste em colocar a figura do negro como passiva e em discutir o continente africano e seus países com uma visão estereotipada.
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No Adeola, Denise ou melhor, a Princesa Kambo e Raísa, a Princesa Fungi, empoderam e inspiram as crianças ao representar um universo pouco falado.
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A ideia de criar o Adeola surgiu quando nós já trabalhávamos a problematização da negritude no ambiente universitário em um coletivo de estudantes negros, espaço onde a representatividade era uma das demandas, tanto aos docentes quanto aos discentes. Pelo reconhecimento, fomos convidadas a realizar uma atividade com crianças onde falaríamos de África. Pesquisando e refletindo, notamos que uma conversa não seria suficiente, precisávamos de algo que materializasse de fato essa representatividade e o protagonismo de mulheres negras. Ter duas princesas guerreiras africanas contando suas histórias, e de seus antepassados, fortalece, fomenta a inclusão e o pagamento da dívida histórica do Brasil pelo período escravocrata.
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O Adeola nasceu oficialmente em agosto de 2015 e desde então falou com crianças de muitas escolas de São Paulo. As apresentações, pensadas para pequenos de 3 a 15 anos, trazem como pilares o protagonismo feminino, a representatividade negra, a desconstrução de preconceitos formadores do racismo, ancestralidade e a ligação entre Brasil e o continente africano. As histórias são baseadas em contos africanos.
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Para as atividades, realizadas em formato de roda, Denise e Raísa se transformam nas princesas Kambo e Fungi, irmãs da Rainha Nzinga e netas da Rainha Lucy, conhecida na história por ser o primeiro fóssil encontrado no planeta Terra. Sempre vestidas com longos vestidos, as jovens fazem questão de usar adereços que dialoguem com a proposta do Adeola.
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A coroa é representada por coloridos turbantes, que as crianças aprendem a fazer em oficinas, tem ainda o berimbau — arma das princesas do povo Bantu e no Brasil utilizado nas rodas de capoeira e por fim um par de brincos herdados pela Rainha Lucy.
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Realizar o Adeola nas escolas é uma experiência única que nos proporciona uma troca de energia muito boa com as crianças, poder ver através da curiosidade e do brilho nos olhos das crianças a admiração e o encantamento, é quase inexplicável. As crianças reagem sempre de maneira muito receptiva, há sempre uma grande interação durante a performance. É possível notar a admiração e o respeito, quando realizamos o Adeola com crianças negras é perceptível a importância do protagonismo negro dentro das escolas e o quanto essas crianças se sentem empoderadas ao final da apresentação.
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Novos caminhos. O Adeola é um dos muitos exemplos de iniciativas, coletivos e projetos que chegam com diferentes formas de educar. Empoderamento, resistência, inspiração e o reconhecimento do Brasil com um país negro e ligado ao continente africanos são essenciais para a formação de uma nação com menos preconceitos e ciente sua história.
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MC Soffia, menina negra e rapper, é uma criança revolucionária, que mostra empoderamento e resistência através de sua música fortalecendo outras meninas negras. Nós a temos como uma grande inspiração, além de admirarmos muito seu trabalho. Assim como PH Cortês, que em seu canal no youtube difunde e conta as histórias de heróis negros a partir da perspectiva do próprio sujeito, ressaltando a importância do protagonismo e da representatividade negra no decorrer da história do Brasil. Esses jovens fazem com que possamos nos sentir motivadas e ainda mais esperançosas no futuro dos nossos jovens negros que usam sua militância como arma transformadora da realidade difundindo conhecimento, além de ser um ato de resistência.
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Escola sem partido
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A ameaça do projeto Escola sem Partido – que pretende acabar o com que chamam de ideologia dentro das salas de aula, é visto com apreensão pelas membras do Adeola, sobretudo pela ameaça de acabar com a autonomia do educador.
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“Com a aprovação do projeto escola sem partido, o Adeola sofrerá impactos negativos em relação a sua inserção nas escolas, pois o mesmo trata-se de um projeto que tira a autonomia do educador sendo este o nosso contato direto com as escolas e espaços que nos contratam. Através do intermédio do educador e a escola, contamos histórias da cultura africana e afro brasileira pautadas na Afrobetização, onde a história destes povos são contadas por duas mulheres negras com intuito educador, nas entrelinhas trazemos questões de gênero e étnicas raciais necessárias para este atual cenário brasileiro”, refletem.
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Para Raísa e Denise, o projeto pretende silenciar a voz de pessoas como elas, mulheres negras cursando o nível superior e pensando novos formatos para a educação. Luta contra o racismo e a inclusão são um dos caminhos. Tudo isso pode ser colocado na berlinda por pessoas que enxergam a diversidade como ameaça.
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“O escola sem partido está diretamente relacionado ao silenciamento, e sendo assim mesmo cumprindo a lei 10.639, este silenciamento acarreta diretamente na dificuldade de nos inserirmos nestes espaços, o que já acontece devido a falta de investimentos na educação, porém torna-se pior devido a liberdade de expressão, outro ponto negativo é a falta de formação e preparo dos educadores para aplicação da lei 10.639, o que caso seja aprovado, fará com que a obrigatoriedade da aplicação desta lei automaticamente seja anulada”.
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As princesas guerreiras do Adeola contam que já foram alvo de ataques intolerantes de grupos de extrema-direita.
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O Adeola já enfrentou problemas relacionados à intolerância religiosa, racismo e já foi até intitulado por haters da internet de ‘doutrinação racial’. Nos últimos anos, com o aumento dessa ‘onda conservadora’, tem sido cada vez mais difícil o acesso às escolas. O projeto nasceu em 2015, onde os debates em escolas sobre questões de gênero e de representatividade e protagonismo negro tiveram maior visibilidade, já em 2016 temos dados (mapa da violência) que apontam o aumento no índice de violência para nós mulheres negras, mesmo com índices altos e casos de assassinatos e violências nas mídias, os debates em ambientes escolares perderam força, em 2017 e 2018 casos de violência contra terreiros cresceram de maneira absurda. Nos últimos anos, nossos corpos, religiões e cultura sofrem violências de diversas maneiras. O fato de sermos duas mulheres jovens negras que trabalham com a riqueza e a valorização da nossa cultura, incomoda pessoas ‘conservadoras’ pelo simples fato dessas pessoas não buscarem informação.
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Mas, assim como inúmeros exemplos e histórias contadas pelo Hypeness, o Adeolasegue em frente propondo um novo Brasil para o futuro. Para o presente também.
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“Nosso olhar desde a educação de base, para as crianças, jovens e para formação de educadores, pensando e visando a um futuro melhor, neste cenário, precisamos sim trabalhar com recorte de gênero e interseccionalidade, somos importantes tanto para o cumprimento da lei, mas também para tornar esse país um pouquinho melhor, mais inclusivo e mais equânime, entendendo a história que não é contada, valorizando a nossa cultura e trabalhando para que o bullying, o racismo, o machismo, o sexismo, não façam mais parte do nosso cotidiano. A resistência do projeto ocorre desde o início, nunca foi fácil, mas sempre foi importante, por isso renascemos, crescemos e resistimos todos os dias. A cada dia que passa vemos o quão importante é nossa existência e é o que nos motiva a continuar”.
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Kauê Vieira
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Nascido na periferia da zona sul de São Paulo, Kauê Vieira é jornalista desde que se conhece por gente. Apaixonado pela profissão, acumula 10 anos de carreira, com destaque para passagens pela área de cultura. Foi coordenador de comunicação do Projeto Afreaka, idealizou duas edições de um festival promovendo encontros entre Brasil e África contemporânea, além de ter participado da produção de um livro paradidático sobre o ensino de África nas Escolas. Acumula ainda duas passagens pelo Portal Terra. Por fim, ao lado de suas funções no Hypeness, ministra um curso sobre mídia e representatividade e outras coisinhas mais.
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