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Veja publicação original: Abusos, anorexia, suicídios: a ordem religiosa em que freiras eram escravas
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Comunidade de Saint Jean foi fundada em 1975 por padre que usava ‘teoria do amor de amizade’ para assediar religiosas e justificar abusos.
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Por Daniela Fernandes
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Suicídios, abusos físicos e mentais, antidepressivos e anorexia faziam parte do cotidiano de uma ordem religiosa na França onde freiras foram transformadas em “escravas sexuais” por padres da congregação – caso que veio à tona após declaração do papa Francisco.
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O papa reconheceu, na terça-feira, que padres cometem abusos sexuais contra religiosas. “Há sacerdotes e bispos que fizeram isso e ainda fazem”, declarou o pontífice.
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A Comunidade de Saint Jean – apontada pelo Vaticano como uma ordem onde as freiras foram escravizadas, até sexualmente – foi fundada em 1975 pelo padre francês Marie-Dominique Philippe.
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Autor da “teoria do amor de amizade”, que ele utilizava para assediar religiosas e justificar os abusos, o padre Philippe, falecido em 2006, foi acusado por autoridades da Igreja de “desvios afetivos e sexuais”.
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A revelação de abusos praticados na Comunidade de Saint Jean, em 2013, feita pelo superior que assumiu o comando da ordem, encerrou definitivamente o processo de beatificação do padre Philippe.
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Vários padres da Comunidade de Saint Jean (apelidados de “cinzinhas” por causa da cor de suas batinas) foram julgados na França por agressões sexuais, incluindo pedofilia.
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Os rumores existiam há anos. Iniciativa rara no meios religiosos, o padre Thomas Joaquim, que dirige a ordem desde 2010, alertou internamente os membros da congregação que seu fundador e outros religiosos cometeram “gestos contrários à castidade”.
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Em um “livro negro da fraternidade de Saint Jean”, realizado pela associação de Ajuda às Vítimas de Desvios de Movimentos Religiosos na Europa (Avref), há depoimentos de vítimas do padre Philippe e de outros clérigos.
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Segundo a associação, havia um processo de manipulação mental, misturado à religião, para assediar as freiras e culpabilizá-las.
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“Levei 15 anos para assumir que esse herói da minha vida era um doente. Para entender também que não era estupidez da minha parte, mas sim manipulação, domínio e lavagem cerebral”, diz uma das vítimas no relatório da associação, que aponta ainda casos de suicídios na congregação.
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Padres também relataram ter sofrido abusos sexuais. O irmão do fundador da Saint Jean, padre Thomas Philippe, foi acusado de práticas do mesmo tipo.
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Seita
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Esse não foi o único problema da Comunidade de Saint Jean para o Vaticano. Freiras acusadas de tiranizar outras religiosas foram expulsas da Igreja e ramificações da ordem foram extintas.
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A Comunidade de Saint Jean possui três congregações : Os Irmãos de Saint Jean, As Irmãs Contemplativas, fundada em 1982, e As Irmãs Apostólicas, criada em 1984.
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Pressões psicológicas, ausência de cuidados médicos, substituídos por sessões de exorcismo, isolamento e ruptura dos laços familiares eram algumas das práticas recorrentes sofridas pelas freiras das Irmãs Contemplativas.
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Para vítimas desse abuso mental, que deviam ter uma “obediência cega” às freiras superiores, as práticas da congregação eram as mesmas de uma seita.
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“As consequências psicológicas do abuso espiritual são as mesmas do abuso sexual porque há uma violação da intimidade”, afirma a associação Avref.
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Segundo o jornal francês A Vida, que trata de temas ligados ao catolicismo, em um dos monastérios de Saint Jean o consumo de remédios antipsicóticos e ansiolíticos chegava a mil euros (cerca de R$ 4,4 mil) por mês.
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Em 2005, um ramo das Irmãs Contemplativas foi dissolvido pela Arquidiocese de Lyon, um medida rara, após acusações e queixas na Justiça de abuso psicológico.
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Em 2009, a madre superiora, irmã Alix, considerada tirânica, e outras três principais responsáveis, foram expulsas da Igreja Católica. Elas se instalaram na Espanha, em 2012, com uma centena de religiosas dissidentes, mas o Vaticano dissolveu a comunidade.
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Exorcismo
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Uma ex-freira das Irmãs Contemplativas de Saint Jean decidiu expor publicamente as torturas mentais, contadas no livro O Silêncio da Virgem.
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Marie Laure Jansenss, hoje casada e com filhos, diz ter vivido “11 anos em uma seita”. Ela não menciona eventuais abusos sexuais.
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“Era preciso pedir permissão para tudo, até para tomar uma aspirina. Perdemos nossa personalidade e nosso discernimento. Uma armadilha mental se fecha sobre nós”, diz.
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No livro, ela conta sobre casos comentados na época de freiras anoréxicas e que tentaram se matar. Jansenss afirma que as religiosas não podiam conversar sobre assuntos pessoais entre elas e viviam isoladamente seus problemas.
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Janssens afirma que as manipulações sofridas tinham sempre uma dimensão espiritual.
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“Elas utilizavam minha vontade de ser fiel a Deus para me manipular. Se eu andasse rápido, não era fraterna com as irmãs. Se questionava um curso, eu era crítica e estava agindo com o demônio”, afirma.
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A ex-freira foi diagnosticada com um tumor no estômago, mas, em vez de ter cuidados médicos, ela teve de consultar um padre exorcista, afirma.
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Após deixar a congregação, ela teve acompanhamento psicológico. De acordo com Janssens, a Igreja pediu que ela não revelasse o que viveu na ordem de Saint Jean.
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Segundo a associação Avref, de apoio às vítimas de movimentos religiosos, a Comunidade de Saint Jean perdeu centenas de padres e freiras pelo mundo após a revelação dos escândalos de abusos sexuais e mentais.
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