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É mais que de trivial conhecimento doutrinário e jusrisprudencial que o Direito brasileiro concede à União Estável status par ao do matrimônio, que foi assegurado no § 3º do art. 226 da Constituição Federal de 1988, a despeito de o texto do dispositivo ter equivocadamente restringido a equiparação à União Estável entre homem e mulher, imperfeição que já foi corrigida pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, mesmo que com inegável atraso.
É assim que, havendo reconhecimento da paridade entre o Casamento e a União Estável no direito brasileiro, decorrem de ambos os institutos a produção dos efeitos jurídicos pertinentes, não havendo justificativa alguma no campo jurídico para a criação de óbices em desfavor daqueles que optarem pela convivência na modalidade de família sem o lastro formal do matrimônio.
Merece registro que o § 1º do art. 1.723 do Código Civil cuidou de, no resguardo do afastamento da hipótese semelhante à bigamia, não aceita em nosso ordenamento, conferir aos conviventes o reconhecimento da União Estável e os efeitos jurídicos dela decorrentes mesmo na hipótese em que, ainda existindo o vínculo matrimonial, restar configurada a separação de fato ou judicial. Anote-se também que a situação de fato, a teor da redação do caput do art. 1.723 do Código Civil, não exige o reconhecimento judicial, até em razão da limitação da natureza do provimento concedido em juízo ao seu conteúdo declaratório.
A Constituição Federal e a legislação pátria caminharam no sentido de afastar a União Estável da marginalidade e conceder à situação de fato os efeitos jurídicos merecidos, quase idênticos aos do casamento, do que não poderia se diferir a lei no que toca à concessão do benefício da pensão por morte, que encontra previsão no art. 217 da Lei 8.112/90, cuja redação, alterada pela Lei 13.135/15, prescreve:
“Serão beneficiários das pensões: […]
III – o companheiro ou companheira que comprove união estável como entidade familiar;” (grifamos)
Temos que a redação do dispositivo sob comento, com razão, impõe a comprovação da União Estável como entidade familiar, entretanto não há no texto exigência de declaração judicial para a concessão do benefício.
A inexigência da declaração judicial vai ao encontro da norma do art. 1.723, caput e § 1º, do Código Civil, pelo que a comprovação da União Estável – perfeitamente possível em sede adminsitrativa, tendo em vista a facilidade da produção das provas da configuração de seus requisitos – dispensa a declaração judicial para a produção dos seus efeitoz, inclusive, é claro, para a concessão dos benefícios da pensão por morte.
Exatamente nesse sentido é que decidiu a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal no julgamento da Medida Cautelar em Mandado de Segurança nº 33.008/DF, de Relatoria do Ministro Roberto Barroso.
No caso mencionado, foi impetrado mandamus em face de acórdão do Tribunal de Contas da União que, mesmo tomando por incontroversa a prova da situação de fato que configurava a União Estável, afirmou que a comprovação não teria ocorrido em juízo, razão por que foi cassado o benefício em desfavor da impetrante.
Ao apreciar a questão, a Primeira Turma deu interpretação na qual reconheceu-se exatamente que os artigos 1.273 do Código Civil e 217, III, da Lei 8.112/90 não fazem exigência de declaração judicial da União Estável, razão por que igualmente não poderia o Tribunal de Contas da União negar o benefício à impetrante com fundamento não exigido na lei, sobretudo quando reconhecida a existência da União Estável em sede adminstrativa.
O julgado sob comento ilustra apenas uma das situações em que é dispensado o reconhecimento judicial da União Estável para a produção de seus efeitos, inexigência esta que, à luz da Constituição Federal e do Código Civil, é mais que acertada e deve ser prestigiada para que sigamos o caminho da plena paridade entre o Casamento e a União Estável, conferida pelo legislador constituinte na forma do art. 226, § 3º, da CF.
Vale o registro de que a hipótese, a bem da verdade, em vista da inexistência de controvérsia sobre a existência da União Estável ao cabo do procedimento administrativo, configura grande contrassenso que colide com a razão de ser do acionamento da Justiça, porquanto é correto considerar ociosa a judicialização para a comprovação de fatos que não possuem controvérsia a justificar a existência de litígio e, bem por isso, implicaria o processamento de demanda judicial a priori fulminada por ausência de interesse de agir da parte, que se vê então obrigada a demandar em juízo para perseguir direito reconhecido (por aquele que figuraria na pretensa ação judicial) como seu.
A conclusão sobre o julgado mencionado é de que muito acertou a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal ao extirpar a necessidade de declaração judicial da já provada União Estável para a concessão do benefício previdenciário, na medida em que a adoção de entendimento contrário importaria em travestir a morosa Justiça em mero carimbo de autenticação da validade de um direito não contestado.
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Felipe Abdel Malek é advogado, sócio em Varella, Dall`Orto & Malek Advogados Associados, graduado em direito pela Universidade Federal do Espírito Santo e pós graduando em Direito Público, Trabalho e Previdenciário pela PUC de Minas Gerais.
PUBLICAÇÃO ORIGINAL: A União Estável dispensa declaração judicial para concessão de benefício previdenciário – Por Felipe Abdel Malek