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A soprano negra que desafiou as regras sobre quem podia cantar ópera no século 19

Saiu no site Nexo:

Americana e ex-escrava, Elizabeth Greenfield abriu caminho para várias cantoras clássicas negras que vieram depois

No período que antecedeu a Guerra Civil Americana, na metade do século 19, concertos e óperas mobilizavam grandes plateias e motivavam muitos críticos a escreverem sobre o tema. Tanto a audiência quanto os artistas vistos na ópera eram brancos.

O Ato de Emancipação de Abraham Lincoln, que aboliu a escravidão nos EUA, entrou em vigor em 1863. A liberação não impediu que pessoas negras sofressem as violências perpetradas pela Ku Klux Klan nem garantiu sua cidadania, com leis de segregação entre brancos e negros que se estenderam até os anos 1960.

Contra todas as probabilidades, a soprano Elizabeth Taylor Greenfield fez sua estreia em Nova York no dia 31 de março de 1853, no teatro Metropolitan Hall, dez anos antes da abolição da escravidão americana. Soprano é a voz feminina mais aguda e de maior alcance na ópera.

Como a cantora chegou ao Metropolitan Hall

Greenfield nasceu escrava no Mississippi, sul dos Estados Unidos, por volta de 1820. Ainda criança, foi levada para a Filadélfia e criada por um abolicionista, segundo um artigo do site The Conversation.

A cantora era autodidata e aprendeu técnica vocal, em grande parte, sozinha. Sua carreira de apresentações em Nova York começou por intermédio de uma associação, a “Buffalo Musical Association”. Essas apresentações lhe renderam o apelido de “cisne negro”, uma referência à soprano sueca Jenny Lind, sua contemporânea e muito popular na época, chamada de “rouxinol sueco”.

FOTO: JOURNAL OF THE AMERICAN MUSICOLOGICAL SOCIETY/DOMÍNIO PÚBLICO

PANFLETO DA APRESENTAÇÃO DE ESTREIA DE GREENFIELD NO METROPOLITAN HALL, EM 1853

 

Foi a primeira cantora afro-americana a alcançar sucesso nacional e internacional, de certa forma, a primeira “pop star” negra dos EUA, como define o The Conversation. Se em 2017 temos Beyoncé e tantas outras, Elizabeth Taylor Greenfield é parcialmente responsável.

O racismo das plateias

As condições de sua época não estavam a favor do talento de Greenfield. Em 1851, a artista começou a ser agenciada por Joseph H. Wood, um homem abertamente racista e escravocrata.

Quando subiu ao palco do Metropolitan Hall pela primeira vez, foi recebida com risadas, segundo registros de jornais da época. O homem que a conduziu ao palco mantinha uma certa distância e, mesmo de luvas, mal a tocava.

Apesar disso, críticos da época reconheceram que seu alcance vocal era muito potente e a plateia se rendeu. Da série de apresentações nos Estados Unidos, ela seguiu para a Europa.

Outra forma de entretenimento que fazia muito sucesso nos Estados Unidos na época eram os “minstrel shows” (espetáculos de menestréis, em português), tipo de espetáculo musical popular em que atores brancos pintavam o rosto de preto – prática conhecida como “blackface”, hoje considerada racista – e interpretavam estereótipos e caricaturas de pessoas afro-americanas, exagerando seu sotaque, maneira de vestir, cantar e dançar.

Ter uma pessoa negra no palco apresentando – com maestria – um repertório considerado complexo demais para artistas negros na época não só era uma novidade como exigia que os estereótipos propagados pelos espetáculos de menestréis fossem revistos.

Reconhecer a capacidade artística de Greenfield forçou pessoas inseridas na lógica racista a reconhecer a humanidade dos negros, escreve Adam Gustafson, autor do artigo do The Conversation.

A soprano abriu caminho para várias cantoras clássicas negras que vieram depois, como Sissieretta Jones e Audra McDonald. A gravadora Black Swan Records (Cisne Negro Discos, em português), fundada em 1921, no Harlem, pelo músico e editor Harry Pace, foi a primeira gravadora a pertencer a pessoas negras nos Estados Unidos, com foco no público negro. Gravava principalmente discos de jazz e blues, e foi nomeada em homenagem a Elizabeth Greenfield.

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