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Veja publicação original: A professora que gostava de ser doméstica, mas gosta mais de ser professora
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Por Brenda Fucuta
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Calhou de ser neste sábado o 27 de abril, Dia Nacional da Empregada Doméstica. Legal a profissão mais popular entre as mulheres brasileiras – uma em cada seis no mercado formal – ter o seu dia no calendário. Assim como os médicos, os engenheiros e até os jornalistas.
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Mas temos o que comemorar? O Brasil consta nos relatórios da Organização Internacional do Trabalho, a OIT, como o país com mais empregadas domésticas do mundo. Quase 6 milhões de mulheres se sustentam nesta função, o que permite que muitos outros milhões possam ter empregos fora de casa.
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O único problema: o emprego doméstico paga pouco e sobra para quem está na base da pirâmide – mulheres, a maior parte delas, negras, e com pouca escolaridade. Gostaria de dizer que é uma profissão como qualquer outra. Mas ainda não é. O emprego doméstico em massa é uma evidência das nossas desigualdades sociais. Nos Estados Unidos, onde a desigualdade pode não ser zero, mas é menor que a brasileira, existem apenas 700 mil empregados domésticos (segundo a OIT, de novo).
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Estudos do Instituto de Pesquisa Econômica (IPEA) mostraram a diminuição do número de jovens mulheres que entrava neste mercado específico no começo da década. Foi a primavera, nada silenciosa, das classes C e D mandando suas filhas à universidade pela primeira vez. Uma ruptura social rápida, visível e bonita de acompanhar. Só não gostou quem queria continuar terceirizando o serviço doméstico a preço de banana.
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Pois bem. Com a volta da recessão, o ritmo da mudança desacelerou. Mas, mesmo assim, muitas mulheres conseguiram mudar de profissão. Uma delas foi minha entrevistada, Lanei Silva dos Santos, 41 anos, que este ano se forma no curso de Pedagogia. Lanei trabalha como recreacionista em uma escola infantil de São Paulo. Esta é a história dela.
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Você sabia que, neste sábado, se comemora o dia da empregada doméstica?
É mesmo? Nem sabia que existia este dia para elas. Quer dizer, para nós.
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Você acha que isso é bom?
É bom, pelo menos a gente pode pensar no papel da empregada doméstica, uma pessoa que está tão próxima e ao mesmo tempo tão distante da família onde ela trabalha.
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Você falou “elas”, se referindo às empregadas domésticas e, depois, corrigiu para “nós”…
É, porque fui empregada doméstica por muito tempo. Fui e tenho orgulho, porque este tipo de emprego me sustentou. Cheguei em São Paulo aos 25 anos. Eu morava no interior da Bahia e lá, como minha mãe tinha morrido cedo, cuidava dos meus irmãos e da casa. Quer dizer, fazia o trabalho de empregada doméstica e não recebia salário. Por isso, quando comecei a ganhar com isso, achei muito bom.
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Você chegou em São Paulo com trabalho arrumado?
Não. Eu vim visitar o meu irmão e logo uma prima me apresentou para uma família que precisava de empregada. Passava a semana na casa deles e dormia na casa da minha prima nos fins de semana. Hoje, eu acho estranho pensar que a pessoa dorme onde trabalha, não é? Acordava às 7 da manhã e ia dormir às 10 da noite, mas não reclamava porque, como eu disse, antes eu fazia a mesma coisa e não ganhava nada (risadas). Então, na minha cabeça, eu era superbem remunerada. Quando me chamavam pra trabalhar no final de semana, achava ótimo. Ganhava um extra.
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Quando você deixou de dormir no trabalho?
Foi logo, depois de um ano eu fui morar com o pai do meu filho. Montamos uma casa, um apartamento. Diminuí as horas de trabalho no emprego, mas aumentou a carga não remunerada (risadas) porque eu tinha duas casas para cuidar. Essa foi minha vida por quase nove anos, trabalhando em várias casas.
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E quando começou a mudar?
Eu comecei a pensar em mudar quando meu filho tinha 3 anos de idade. Hoje, ele tem 15. Quando cheguei em São Paulo, eu era praticamente analfabeta. Não sabia escrever quase nenhuma palavra. Aí, ele ainda pequeno, eu comecei a me cobrar. Precisava pelo menos saber escrever uma lista de compras! Fiz um teste no EJA (Educação de Jovens e Adultos) e entrei na quarta série. Voltei a estudar e estou estudando até hoje. Descobri que gosto de estudar e que estudar me traz novas oportunidades e outro papel na sociedade. Eu não desgostava de ser empregada doméstica, mas percebi que aquilo não me dava qualificação para outro tipo de trabalho
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Como era seu dia, com filho pequeno, trabalho e escola?
Durante o dia, o meu filho ficava na creche. À noite, quando eu estava na escola, o pai cuidava dele. Foi assim por muito tempo, enquanto fiz o supletivo do colegial e depois, um curso técnico de logística.
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Você trabalhou como técnica de logística?
Não, não tive coragem, me sentia despreparada mesmo depois de terminar o curso. Eu tinha muita dificuldade na leitura, ficava apavorada com computador e inglês. Eu era a burra da sala, me esquivava dos trabalhos em grupo com medo de passar vergonha. Mas como o curso era de graça e perto de casa, fui até o fim. Não era uma vida fácil, mas eu tinha um certo conforto porque meu marido ganhava três vezes mais do que eu.
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E a faculdade de Pedagogia?
Eu queria continuar estudando. Vi muitas amigas entrando na faculdade e outras se formando. Mas achava que não ia dar conta. Aí, uma amiga insistiu e eu prestei o vestibular. No dia em que saiu o resultado e vi que tinha passado, fiquei doente. Estava feliz, mas com enxaqueca ao mesmo tempo.
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Como foi sua experiência como universitária?
Difícil. No primeiro semestre, não entendia quase nada, peguei DP em muitas matérias. Fora isso, eu gastava 70% do meu salário na faculdade. Pensei em desistir quando me separei e não tinha dinheiro para pagar a mensalidade. Mas aí aconteceu uma coisa que mudou tudo.
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O que foi?
Eu consegui o primeiro estágio pedagógico como assistente de professor. Era remunerado. Na verdade, eu não acreditei quando a coordenadora que me entrevistou me disse que ia me dar o estágio. Eu lembro que virei para ela e falei: “Você está falando sério? Porque tenho um emprego que me sustenta e não posso largar se não for para trabalhar em outro lugar”. E não é que ela cumpriu o combinado? Comecei no estágio e já estou aqui há três anos. Agora, sou contratada como recreacionista.
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Sua vida melhorou?
Eu ganho a mesma coisa do que ganhava como empregada. Quando eu terminar a faculdade, vou ganhar salário de professor. Ainda tenho que trabalhar de dia e estudar de noite e fazer a comida para o meu filho antes de sair de casa, cedinho. A gente só se vê às 11 da noite, quando eu chego. Mas trabalhar na escola é muito satisfatório. Primeiro, eu posso sentar ou esticar a perna quando sinto muito cansaço. No trabalho de casa, mesmo estando cansada, você não senta, não dá tempo. Como educadora, eu acompanho o desenvolvimento da criança, da hora em que ela chega na escola até o momento que sai. Se a gente investe na criança, acolhe e ensina, a gente vê o retorno. Hoje, eu penso: como eu pude ficar tão longe disso? É exatamente o que eu quero fazer na vida.
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Você se sente mais valorizada como educadora?
A empregada doméstica sempre tem a impressão de que é inferior a qualquer outra pessoa. Ela faz um trabalho essencial, mas parece que está trabalhando obrigada. Não sei, acho que não saiu da cabeça de muita gente nossa história da escravidão. Quando você é empregada e sua amiga vai te apresentar, ela diz só o seu nome. Quando você é professor, ela diz seu nome e sua profissão. Se sua amiga quer comentar que você está chegando do trabalho doméstico, ela diz apenas. Fulana está chegando. Quando você estuda, ela diz Fulana está chegando da faculdade.
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Você é a primeira da família a fazer faculdade, não é?
De dez irmãos, a primeira a terminar o colegial e fazer faculdade. Sei que meu pai, que continua na casinha dele na Bahia, tem muito orgulho disso.
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