Saiu no site INSTITUTO GELEDÉS
Veja publicação original: “A magistratura paulista terá agora o olhar da juíza negra e do juiz negro” diz Dra. Angélica de Maria Mello de Almeida
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Por Kátia Mello
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Entre 81 aprovados, a primeira colocada no 187 Concurso de Ingresso na Magistratura Paulista foi a juíza negra Lívia Antunes Caetano. A juíza Lívia faz parte do primeiro grupo, composto por 13 negros (quatro homens e nove mulheres) que concorreram pelo sistema de reserva de 20% de vagas para negros em concursos públicos para a magistratura. A resolução foi determinada em 2015 pelo Conselho Nacional de Justiça e agora colhe seus primeiros frutos.
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Para comentar o fato histórico de ingresso de jovens juízes negros na magistratura, oriundo da ação afirmativa, a coluna Geledés no Debate entrevistou a desembargadora do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e coordenadora da Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar – COMESP, Dra. Angélica de Maria Mello de Almeida.
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A desembargadora é ainda coordenadora do projeto de instalação do Juizado Especial de Violência Doméstica do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e como ativista dos Direitos Humanos participou do início da implantação do SOS Racismo, programa do Geledés de atendimento legal às vítimas de racismo.
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Geledés – Como resultado da implantação de reserva de 20% de vagas para negros em concursos públicos para a magistratura, aprovada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 2015, temos a primeira geração de jovens juízes e advogados negros e negras. Qual o impacto da ascensão dessa nova geração para a sociedade brasileira?
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A participação de mulheres negras e homens negros, no Poder Judiciário Paulista, até aqui era muito diminuta. A ação afirmativa, aprovada pelo CNJ, em 2015, acolhida pela primeira vez pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, no último concurso da magistratura, com certeza vai fazer a diferença. É auspicioso o ingresso, na magistratura de São Paulo, entre 81 aprovados, 13 negros, quatro homens e nove mulheres, entre elas, a primeira colocada, a juíza Lívia Antunes Caetano. A magistratura paulista terá agora o olhar da juíza negra e do juiz negro.
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“A universidade ainda não incorporou, salvo raras exceções, interpretação do direito sob a perspectiva de gênero, raça, etnia e condição social.”
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Geledés – Diante de um quadro sociodemográfico da magistratura brasileira, como bem descrito pelo próprio CNJ, majoritariamente formado por homens, brancos, católicos, casados e com filhos, quais outras medidas necessárias além das cotas para garantir o ingresso e a permanência de mulheres negras em cargos da alta esfera da Justiça?
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O direito é fenômeno dinâmico e deve ser construído por vários atores e atoras. Há necessidade, em vista disso, de interlocução entre os vários seguimentos da sociedade, no enfrentamento da violência de gênero, intimamente imbricada com raça, cor, etnia e condição econômica. A formação acadêmica do bacharel em direito, com raras exceções, é calcada em estrutura jurídica compartimentada, fragmentada. Situação que se reproduz na organização judiciária. A universidade ainda não incorporou, salvo raras exceções, interpretação do direito sob a perspectiva de gênero, raça, etnia e condição social.
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Geledés- O mesmo CNJ aponta que o índice de capacitação dos magistrados em algum curso de formação no último ano é de 43%, sendo que esse índice se reduz a 11% quando se trata de especialização em violência doméstica. Existe falta de preparação da magistratura para lidar com esse assunto? Se sim, como afeta as decisões judiciais em casos assim?
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Os operadores do direito, inclusive magistradas e magistrados, estão inseridos em contexto social impregnado por desigualdade de gênero, raça e etnia, fruto de processo cultural de estrutura patriarcal, hierarquizada, marcados pelo poder, como sustentado por Heleieth I.B. Saffioti (socióloga brasileira, feminista e estudiosa da violência de gênero). Complacente ainda com a violência de gênero contra a mulher, fato que, sem dúvida, se reflete nas decisões judiciais.
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“É preciso dar continuidade ao trabalho em rede, juntamente com os órgãos públicos e entidades da sociedade civil, que atuam no enfrentamento da violência de gênero, raça e etnia, contribuindo para o aprimoramento da estrutura e das políticas adotadas no enfrentamento de gênero contra a mulher.”
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Geledés – A senhora teve papel protagonista na formação do SOS Racismo, programa do Geledés de atendimento às vítimas de racismo no início da década de 1990. Como foi sua participação e quais resultados, três décadas após sua implementação, considera relevantes?
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A caminhada do Geledés, nestes trinta anos, construiu marcos importantes na luta contra a discriminação racial, notadamente voltada para a mulher negra. É relevante o trabalho desenvolvido pela organização na capacitação das promotoras legais, que, por sua vez, desempenham atuação inestimável na comunidade, no âmbito do enfrentamento da violência de gênero contra a mulher. Atuação que não pode ser descuidada, tendo em vista o número de feminicídios, que tem a mulher negra como vítima.
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Geledés – Em âmbito local, a COMESP exerce um papel estratégico na defesa dos direitos das mulheres. Como é sua atuação hoje com o recrudescimento da violência no país?
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A Coordenadoria da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar (COMESP) têm inúmeros desafios a serem enfrentados, quer no âmbito institucional, quer na interface com a comunidade. É preciso dar continuidade ao trabalho em rede, juntamente com os órgãos públicos e entidades da sociedade civil, que atuam no enfrentamento da violência de gênero, raça e etnia, contribuindo para o aprimoramento da estrutura e das políticas adotadas no enfrentamento de gênero contra a mulher. Colaborar na formação inicial, continuada e especializadas das juízas e juízes, na prevenção e combate à violência contra a mulher. Atuar na ampliação das varas especializadas de violência contra a mulher, no interior do Estado, que devem sempre contar com a equipe multidisciplinar.Acompanhar a aplicação e a interpretação da legislação brasileira específica – Lei Maria da Penha e Feminícidio. Em suma, assegurar que as conquistas, até aqui concretizadas, não sofram um passo atrás. É preciso levar em conta que a violência, como toda ação, transforma o mundo, mas a transformação mais provável é em um mundo mais violento. (Hannah Arendt)
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