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“A igreja ajuda a gente a ficar ali sofrendo – eles erram nisso?”.

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Alzira, 69 anos, casada há 50 anos, nascida na Alagoas, branca, analfabeta, evangélica praticante(+ de 30 anos) Congregação Cristã do Brasil do Jardim Ângela, durante sua vida sofreu violência física, emocional, sexual, ameaça de morte (arma de fogo e faca), privação de liberdade.
Meu parecer: Extrovertida, alegre, falante, me olhava nos olhos, me fazia perguntas, me pediu ajuda, difícil mantê-la concentrada na entrevista. Já chegou brincando dizendo que eu era muito linda, perguntando se eu era crente porque eu tinha um rosto de crente. Fiquei receosa de dizer que era e atrapalhar na entrevista – respondi que não e expliquei que era da Universidade e estava fazendo uma pesquisa, que deixaria o gravador ligado, não iria ter imagens nem seu nome sairia na pesquisa. Concordou de pronto e para ela estava tudo bem.

Valéria: O que seu marido fala sobre sua adesão religiosa?
Alzira: Ele não tem religião não minha ‘fia’, ele abandonou há 15 anos, na época que ele ficou indo na igreja ele era ‘bão’. Quando saiu da igreja nossa porque tinha ciúmes de mim (ria muito) ele não se incomoda de eu ir na igreja, também não aceitaria não ir.

Valéria: Fale um pouco sobre sua relação conjugal.
Alzira: Eu tô 6 anos separada de cama, sem carinho é só ‘maltrado’. Ele é muito bruto comigo, com meus filhos, principalmente com o mais novo.

Valéria: Há quanto tempo a sra. É casada?
Alzira:Uns 50 anos…

Valéria: Tem filhos?
Alzira: Tenho 4 filhos só o mais novo ainda ‘vévi’ em casa.

Valéria: A sra. Gosta de ser mãe?
Alzira: Eu gosto muito, meus ‘fios’ é bom.

Valéria: Como é a relação da sra. Com seu marido?
Alzira: Eu casei muito nova com 19 anos e desde os 8 anos eu já ‘trabaiava’ na roça não tinha que ser assim tá errado, mas quando Deus quer ele conserta, mas quando ele não quer a gente tem que esperar né?!

Valéria: Como era quando ele ia à igreja junto com a sra.?
Alzira: Ah! Ele era ‘bão’ ele sempre foi como se diz grosseirão mas era bem ‘mior’ ele ‘bibia’ menos.

Valéria: O que é para a sra. Uma família feliz?
Alzira: Amor, carinho, paz entende? Sem isso não tem nada.

Valéria: Como a sra. Sente por ter nascido mulher?
Alzira: Ah! Não sei não, normal.

Valéria: A sra. Tem alguma lembrança marcante de infância ou jovenzinha?
Alzira: Eu era feliz, meus pais sempre foram muito ‘bam’ pra mim, meus irmãos…

Valéria: A sra. Sofreu algum tipo de violência na infância e/ou na adolescência?
Alzira: Não, não, não…

Valéria: A sra. já denunciou a violência sofrida?
Alzira: Duas vezes eu procurei meus direitos, fui no posto policial, porque ele estava muito alterado e me mandaram pra cá. Aqui na Casa Sofia é uma bênção eu venho aqui toda terça-feira, eles tratam bem a gente, tem amor a gente.

Valéria: O que a sra. sentiu ao denunciar?
Alzira: Acho que a gente tem que procurar nossos direitos, né? Faz 15 anos que ele abandou as coisas da casa, meu filho de 24 anos que sustenta a casa. Ele some no final de semana, só paga a conta de água, mas meu filho também fala pra deixar pra lá porque já aguentei tanto tempo.
Valéria: O que a sra. considera ser a causa da violência?
Alzira: Ele quer me provocar, agora ele deu de me repisar com uma mulher. Ele fica levando a mulher pra comer pastel na feira perto de casa só pra eu ver sabe? Depois fica contando detalhes do que fez com a mulher (fala baixinho) mas só que não assume.

Valéria: O que mais lhe dói quando é violentada?
Alzira: As coisas ruins acompanha as pessoas que sai da igreja, faz as pessoas atentar os outros, fazer mal.

Valéria: Por que convive, tolera a situação de violência?
Alzira: Sabe ‘fia’ você não entende, mas a Palavra vem sempre de encontro com o que eu preciso ouvir. Não daria para suportar minha vida se eu não fosse pra igreja.

Valéria: Onde a sra. busca força, apoio? Quem ou o que mais te ajuda ou te ajudou?
Alzira: A igreja me dá paz, paciência, volto, levo conversa com as irmãs, alivia – os hinos (fica pensativa, suspira) a gente volta ‘maneirim’ parece que quer voar.

Valéria: No momento e depois da violência a sra. pensou em sua religião?
Alzira: Como se diz, Deus gosta do bem, boas obras, amor né?

Valéria: O que sua comunidade religiosa diz sobre sua situação?
Alzira: Ah! Manda a gente ter fé em Deus e paciência que Deus vai resolver nossa causa Ele demora um pouquinho mas Ele não falha.

Valéria: A sua fé lhe ajuda? Em que sentido?
Alzira: Minha fé é tudo pra mim!

Valéria: Como sua igreja reage na sua decisão de permanecer com o agresor?
Alzira: A igreja não vai dizer nada, eu que tenho que ver meus problemas e a Lei. A igreja ajuda a gente a ficar ali sofrendo – eles erram nisso.

Valéria: Sua situação seria diferente se seu marido frequentasse a igreja?
Alzira: Se ele se convertesse de verdade, acho que sim.

Valéria: O que a sra. acha de maridos que frequentam a igreja e continuam a agredir suas esposas- até mesmo pastores?
Alzira: Ele está fora de Deus. Tem que ter coração limpo para amar isso não é da parte de Deus. Ele não poderia receber a Palavra nessa condição. Ele não pode ter esse mistério de Deus.

Este é um trecho do livro “Uma Igreja sem voz: análise de gênero da violência doméstica entre mulheres evangélicas”, escrito pela Valéria Cristina Vilhena, graduada em teologia, mestre em Ciências da Religião e Doutora em Educação, História da Cultura e Artes.

 

 

 

 

PUBLICAÇÃO ORIGINAL: “A igreja ajuda a gente a ficar ali sofrendo – eles erram nisso”.

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