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Veja publicação original: A escolha pela liberdade e a busca do desejo: desafios da mulher moderna
Freud já dizia em 1905 que não se nasce homem ou mulher, mas como afirmou Lacan na década de 1950, a linguagem que precede os indivíduos os inscrevem de forma simbólica como um ou outro e, portanto, chega-se ao mundo sem nenhuma possibilidade de escolha, assim, já na ultrassonografia, é dito: “tem pênis é menino, não tem pênis, é menina”!
Ou seja, somos desde o início mulheres ou homens, pois a cultura assim nos definiu.
Maria Rita Kehl resume dizendo que o significante, ou seja, a representação social do que é homem e mulher é, em suma, reflexo da cultura e sociedade da época, portanto, produto cultural, sustentado e disseminado pela sociedade de poder, no nosso caso, patriarcal, misógina e machista.
A problematização a partir da afirmativa de Freud de que “anatomia é destino”, hoje não se sustenta mais como verdade absoluta, sobretudo para as mulheres que se apoderaram de seus desejos.
Atualmente, diante do cenário emancipatório das mulheres, a maternidade, diferentemente do que foi dito por Freud, não é mais a única coisa grandiosa que uma mulher pode realizar. Embora a maternagem seja linda, mágica e exclusiva das mulheres, hoje podemos pode ser e desejar algo para além do papel mãe e esposa.
Ganhamos por meio de duras lutas a possibilidade de sermos tratadas de maneira igualitária em nossos direitos, não mais sendo reduzido nosso destino apenas à maternidade e ao casamento, que era, diga-se de passagem, imposto, em que o desejo da mulher não era levado em consideração, sendo quase que obrigação.
Assim, é no caminho da construção de seu desejo que a mulher encontra um contorno para lidar com a falta, que lhe é inscrita no corpo, com a falta de um pênis. Portanto, partindo deste ponto de que a mulher é faltante por não ter o pênis/ falo (representação máxima do poder), pode-se arriscar a afirmar que, se a mulher compreende que ela é faltante por natureza e que nada e ninguém irá suprir sua falta, ela se posiciona de forma livre e independente, ciente de que nenhum homem fará para ela o que ela mesma não poderá fazer, e essa é a “sacada empoderada” da psicanálise atual.
Assim, em termos práticos, chega-se a uma suposição de que a mulher busca, ao longo de sua vida, possuir este falo (poder) que não lhe cabe e, portanto, é um ser altamente desejante, desta forma, é um sujeito constitutivamente mais incomodado com o que não se tem, no sentido de desejar sempre algo para além, enquanto que o homem passa a existência criando modos de não perder o que se conquistou, no caso em suma o poder.
Ou seja, as mulheres, sob a ótica da psicanálise, podem ser o que desejam ser e, portanto, causam medo nos homens que ainda pensam que seu desejo deve ser relativado e legitimado por ações ditas femininas. Nos arranjos sociais atuais, em que a binaridade homem/mulher está cabe vez mais tênues, não se sustenta uma relação de poder cuja justificativa seja embasada em ações/atitudes/competências de homens e de mulheres.
Desta maneira, cabe o desafio pessoal diário de cada uma de nós olhar para dentro de si e buscar as motivações que nos fazem caminhar diariamente em busca de nossos desejos, que nos fazem seguir firme em nossa luta de sermos incompletas e, portanto, tão sonhadoras e crentes que a felicidade (não a idealizada, mas a possível para nossa realidade) seja algo a ser encontrado e que dependerá apenas de nós mesmas, no momento em que nos entendermos incompletas, seremos completas, essa é a receita.