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A EC 117 e o fomento à participação feminina na política

Saiu no MIGALHAS

Recentemente, o Congresso Nacional promulgou a EC 117/221, que representa uma ação afirmativa voltada à participação das mulheres no processo eleitoral.

A partir de agora, os partidos são obrigados a destinarem no mínimo 30% dos recursos advindos de financiamento público para as campanhas eleitorais de candidaturas femininas.

A inovação constitucional prevê, ainda, que a distribuição dos recursos deve ser proporcional ao número de candidatas mulheres, a partir do patamar mínimo de 30%.

Logo, havendo percentual mais elevado de candidaturas femininas, o mínimo de recursos globais do partido destinados às campanhas deve ser alocado em favor das mulheres, na mesma proporção, tal como já havia decidido o STF na ADIn 5.6172.

Os montantes valem tanto para o Fundo Eleitoral quanto para os recursos do Fundo Partidário direcionados às campanhas.

A EC 117 ainda destina 5% do Fundo Partidário para criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres, a serem empregados de acordo com os interesses partidários.

A partir de agora, os partidos também devem reservar às mulheres no mínimo 30% do tempo de propaganda gratuita no rádio e na televisão.

Considerando que para as eleições gerais de 2022 o Congresso Nacional aprovou R$ 4,9 bilhões para o Fundo Eleitoral e R$ 1,1 bilhão para o Fundo Partidário3, os valores mínimos a serem destinados para as candidaturas femininas tornam-se expressivos.

Se poderia dizer que o percentual mínimo de 30% do financiamento público para as candidaturas femininas ainda é baixo, considerando a representatividade das mulheres na sociedade em números absolutos.

Todavia, não deixa de ser uma vitória, quando se percebe que a política sempre foi – e continua sendo – um ambiente muito hostil às mulheres, que tradicionalmente são discriminadas pelos partidos no curso de suas campanhas eleitorais.

Vários motivos dão conta dessa realidade.

Dados do TSE informam que, aproximadamente, 52% do eleitorado brasileiro é composto por mulheres4.

Em contrapartida, a representação política feminina no Congresso Nacional ainda é pífia.

Na largada da legislatura 2019-2023, a bancada feminina na Câmara dos Deputados foi composta por apenas 77 Deputadas Federais, dentro do número total de 513 parlamentares, o que representa apenas 15% das cadeiras5.

No Senado Federal o cenário não é diferente. Dados atuais revelam que dos 81 Senadores, apenas 13 são mulheres6, o que equivale a cerca de 16% das cadeiras.

Se há algo incontroverso nessa conta, é que existe uma enorme desproporção na representação política por gênero no Congresso Nacional.

Isso mostra o grau de dificuldade que as mulheres enfrentam para ingressarem na política.

Outros dados interessantes corroboram essa realidade.

Com somente 15% de mulheres eleitas para a Câmara dos Deputados, o Brasil ocupa um percentual de participação feminina na política muito abaixo da média na América Latina, equivalente a 28,8% de mulheres parlamentares7.

Pesquisas igualmente indicam que, a partir de um levantamento de 2017, realizado pela ONU, o Brasil ocupava somente a 154ª posição, em um ranking de 172 países, relativo à participação de mulheres no Parlamento8.

Some-se a isso o fato de que, até o momento, nenhuma mulher presidiu a Câmara dos Deputados ou o Senado Federal.

Todos esses dados demonstram que há um longo caminho pela frente, para consolidar a participação feminina na política, em patamares condizentes com a sua representação na sociedade.

Quando se leva em conta que o direito ao voto feminino surgiu em 1932, ainda que de forma parcial, percebe-se o atraso que o país enfrenta na questão de gênero na política.

Trata-se de uma realidade que reforça a importância do apoio às ações afirmativas em favor das mulheres no cenário político nacional.

Parte delas deve ser focada na desconstituição de mitos9, como, por exemplo, de que mulheres não se interessam por política, de que mulher não vota em mulher, ou, ainda, de que ações afirmativas violam a garantia constitucional de autonomia partidária.

As mulheres, apesar de enfrentarem violência política em grau muito maior que os homens (preconceito, discursos de ódio, hostilidades no momento de se expressarem, como a prática de Manterrupting10 etc.), têm grande interesse nos debates na esfera pública.

Isso se percebe já a partir das escolas, passando pelos bancos universitários, ou pelos debates travados nas redes sociais.

O que elas não encontram, por regra, é um ambiente partidário que lhes garanta oportunidades em igualdade de chances com os candidatos homens.

É justamente esse ponto que leva à desconstituição do segundo mito, de que mulher não vota em mulher.

Se mulher não vota em mulher, de maneira geral, é porque as mulheres ficam praticamente invisíveis no processo eleitoral, já que são sistematicamente discriminadas nas campanhas pelos líderes partidários.

Não é novidade que o sistema político brasileiro concentra poder político nas mãos dos chamados caciques partidários, majoritariamente homens, em um ambiente nitidamente patriarcal.

Levando-se em conta que o Brasil adota um falido modelo de eleições proporcionais para a composição dos órgãos políticos de representação coletiva, em que os votos são colhidos em uma ampla circunscrição eleitoral, o custo das campanhas torna-se estratosférico, sobretudo em um país de dimensões continentais.

Isso faz com que o sistema convirja para uma relação direta dos chefes partidários com o poder econômico, que passa a ditar o sucesso das candidaturas, como regra geral.

Some-se a isso o fato de que cada vez mais se verifica uma tendência à diminuição do período das campanhas, de forma a poupar recursos.

Consequentemente, os eleitos tendem a ser aqueles com maior exposição pública.

A lógica é: quem mais investe, tem mais exposição; quem é mais visto, é mais lembrado; e quem é mais lembrado, é mais votado.

Isso favorece não apenas os que já se encontram na vida pública, como também os que podem investir mais recursos nas suas campanhas.

Assim, as mulheres, como também os homens, tendem a votar em candidatos mais visíveis, ou seja, em que dissemina mais conteúdo, independentemente do gênero.

Mulheres não são eleitas com mais frequência, portanto, porque permanecem em sua grande maioria invisíveis dentro dos partidos, já que são sistematicamente discriminadas na divisão dos recursos relativos ao financiamento público.

Por fim, não merece guarida o argumento de que ações afirmativas favoráveis às mulheres violam a garantia constitucional de autonomia partidária.

Levando-se em conta que os partidos políticos são instituições de direito privado, não podem se convolar em um terreno impermeável à influência dos direitos fundamentais, como aqueles ligados à igualdade e à proibição de discriminação.

Trata-se de assunto ligado à teoria da eficácia horizontal dos direitos fundamentais11, que, dentre outros temas, informa que a autonomia partidária não pode se sobrepor ao conteúdo valorativo que informa a ordem constitucional, com foco na dignidade da pessoa humana.

Com base no exposto, ainda que se tenha em mente que a EC 117 representa um ganho político e de cidadania ativa para as mulheres, a luta por maior equiparação não para por aqui.

Ela exige, ainda, providências complementares, de naturezas legislativa e judiciária.

Em particular, medidas que aprimorem a democracia intrapartidária, já que a Constituição impõe a filiação a partidos políticos como condição de elegibilidade.

Dentre elas, cita-se a decisão do TSE, em resposta à consulta 0603816-3912, que entendeu que a regra de reserva de gênero de 30% para mulheres nas candidaturas proporcionais também deve incidir sobre a constituição dos órgãos partidários, como comissões executivas e diretórios nacionais, estaduais e municipais.

Nesse ponto, é fundamental que se consolide o entendimento de que a presença de mulheres nos partidos deve se refletir na composição dos seus órgãos de cúpula.

Essa é uma questão de suma importância, pois enquanto as mulheres não ocuparem esses espaços de poder, o ideal de igualdade de representação feminina na política será muito difícil de ser alcançado.

Vale dizer, muita semântica, pouca ação.

Falta, ainda, uma postura mais incisiva dos órgãos judiciários contra as fraudes partidárias que registram candidaturas femininas apenas para cumprir o requisito formal do percentual mínimo, sem que elas sejam de fato impulsionadas nas campanhas.

Trata-se de fenômeno apelidado de candidaturas “laranjas”, por meio das quais mulheres se prestam a perpetuar a hegemonia masculina nas agremiações.

Esse é, sem dúvida, o ponto negativo da EC 117, que prevê uma anistia em favor dos partidos que não preencheram a cota mínima de recursos, ou que não destinaram os valores mínimos em razão de sexo e raça em eleições ocorridas antes da sua promulgação.

Seja como for, a EC 117 deve ser vista como um importante passo para a promoção e integração das mulheres na vida política e partidária.

Novos avanços são esperados, sob pena de se perpetuar o indesejado histórico de segregação das mulheres na vida política nacional, em total desacordo com a natureza das coisas.

O combate à discriminação afirma-se como aspecto indissociável da civilização e da própria condição humana, de modo a exigir constante dever de aprimoramento e controle.

Mais vozes femininas na política representam não apenas um imperativo de justiça, como também o necessário aprimoramento do combalido sistema político brasileiro.

Epa! Vimos que você copiou o texto. Sem problemas, desde que cite o link: https://www.migalhas.com.br/coluna/din%C3%A2mica-constitucional/363438/a-ec-117-e-o-fomento-a-participacao-feminina-na-politica

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