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Veja publicação original: A culpa não é delas
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Por Waldelúcio Barbosa
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O caso da empresária Elaine Caparroz, de 55 anos, que foi agredida por um estudante de Direito por quase quatro horas no apartamento dela, na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio de Janeiro, ganhou repercussão nacional durante a última semana e gerou revolta entre a população. A paisagista sofreu múltiplas fraturas no rosto, perdeu dentes e levou 40 pontos na boca. Antes de conhecer o agressor, ela conversou com ele pela internet durante oito meses. O agressor, Vinícius Batista Serra, de 27 anos, está preso por tentativa de feminicídio.
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Apesar da barbaridade do caso, muita gente vem culpando a vítima por colocar um estranho dentro de casa, por ter marcado um encontro pela internet e não ter tomado os devidos cuidados. Mas vale lembrar que agressões de homens contra mulheres não acontecem só com uma mulher que acabou de conhecer um pretendente pela internet, isso também acontece com esposas, namoradas, mães e avós. No Brasil, são 606 agressões, 135 estupros e 12 mulheres assassinadas por dia.
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“A liberdade da mulher tem início com a descolonização de seu corpo, seu desejo e sua linguagem, signos da sua soberania”, delegada Eugênia Villa.
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O questionamento que fica é por que as mulheres, vítimas, são sempre julgadas como culpadas pelas agressões que sofrem? A delegada Eugênia Villa, subsecretária de Segurança Pública do Piauí, idealizadora da Delegacia do Feminicídio e uma das fundadoras do aplicativo Salve Maria, declarou que, além de sofrer a agressão, a mulher ainda passa por esse tipo de julgamento devido a uma tendência de sempre tentar desqualificar a mulher que deve estar inserida em uma situação de submissão.
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Crédito: Raíssa Morais
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“O padrão da normalização é o homem branco, heterossexual no centro de tudo e só se tolera uma mulher que se volte aos seus filhos, à família, ao espaço doméstico. Então, quando essa mulher desconstrói esse ambiente doméstico, ela causa irritabilidade do sistema. É uma estrutura que todos nós estamos em volta e talvez nem percebemos que essa estrutura patriarcal coloca a mulher em uma situação de total submissão e subordinação ao masculino”, declarou.
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Ainda de acordo com a delegada, a empresária está sendo culpada pela agressão porque houve uma inversão no raciocínio do sistema patriarcal. “Para esse sistema, o normal seria um homem de 55 anos convidar uma jovem de 27 anos para o seu apartamento, porque o homem é o provedor e tem essa vergadura, então, nos casos de feminicídio as mulheres são pré-julgadas”, acrescentou.
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A maioria dos julgamentos são feitos, em geral, pelos homens, mas há muitas mulheres que pensam assim. Algumas não conseguem identificar que são também agredidas. Para Eugênia Villa, essa estrutura patriarcal, por vezes, é invisível e preenche muitos espaços, diariamente, e as pessoas não percebem.
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“Muitos homens estão irresignados a uma masculinidade que ainda se mantêm com base na violência. Essa masculinidade está em crise, pois as mulheres ocuparam espaços, largaram a família e reverberaram no espaço que tinham uma ordem patriarcal. Os homens que detêm o conhecimento percebem que essa masculinidade está em agonia, logo temos que analisar o que está acontecendo com esses homens que não conseguem manter a masculinidade sem que haja o domínio e a submissão de alguma mulher”, analisou.
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É preciso desconstruir a ideia que “mulher gosta de apanhar”
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Ao comentar a culpabilização sobre a empresária Elaine Caparroz, pelas agressões sofridas, a socióloga e pesquisadora na área de violência de gênero, Marcela Castro, ressalta que nenhuma forma de violência contra mulher é aceitável, mas infelizmente tais práticas permeiam o cenário do país e, muitas vezes, as mulheres são culpabilizadas e criticadas pela violência sofrida no lar.
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“Precisamos, urgentemente, desconstruir a ideia de que ‘mulher gosta de apanhar’ e ‘ela deu liberdade’. A cultura patriarcal e a misoginia contribuem significativamente para esta realidade. Elas são legitimadas culturalmente e socialmente refletindo a percepção de ‘subordinação’ das mulheres aos homens. Assim, acabam sendo responsabilizadas pela violência sofrida. Portanto, cada caso é merecedor de atenção, não é fácil romper o ciclo da violência doméstica e familiar”, frisou.
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“Não é fácil romper o ciclo da violência doméstica e familiar”, diz Marcela Castro – Crédito: José Alves Filho
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Marcela explica que o machismo é permeado pela dominação masculina e pelas relações de poderes. Ele acontece de forma naturalizada, como fosse algo “normal”, portanto tal prática pode ser exercida por homens e/ou mulheres. Em algumas situações, mulheres passam a julgar outras mulheres pelo seu comportamento, uso de roupa, pelos tipos de violência que estão submetidas, mas é preciso ter em mente que a violência não é apenas física, mas a violência de gênero é manifestada de forma invisível, verbalmente, psicologicamente e até em caso mais severo, o feminicídio.
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“Precisamos mudar esta realidade, a ideia de sororidade (união entre as mulheres) precisa ser ampliada. As mulheres precisam conscientizar outras mulheres, a ideia do empoderamento feminino precisa ser mais resistente e ganha espaço. As mulheres precisam ocupar espaço na vida política, na esfera econômica, na ciência e tecnologia, dentre outras”, observou.
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Violência de gênero acontece em todos os espaços
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A questão da paquera iniciada pelas redes sociais e o encontro marcado pela primeira vez no apartamento da empresária geraram comentários misóginos e responsabilizando a vítima pela violência vivida, mas Marcela Castro lembra que a violência de gênero acontece em todos os espaços, em especial no ambiente doméstico e familiar.
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Na Internet, também não é diferente, ela é manifestada virtualmente no que consiste aos assédios, ameaças, violência de cunho patrimonial e até em situações mais graves, o feminicídio.
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“A violência é dinâmica e complexa, por isso não deve ser investigada apenas por uma ótica, mas em todo o seu contexto. Há casais que convivem 6 meses, 5, 10, 20 anos e a violência doméstica pode acontecer. Nas redes sociais não é diferente, seja no espaço físico ou virtual, a violência contra mulher pode acontecer”, declarou.
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A estudiosa dos crimes de gênero acrescenta ainda que em nenhum momento as mulheres devem permanecer caladas. Qualquer manifestação de violência, ameaça, perseguição deve ser denunciada e o agressor deve cumprir sua penalidade.
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Em briga de marido e mulher mete-se a colher, sim!
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No caso da empresária agredida no Rio de Janeiro, os vizinhos ouviram o barulho e demoraram muito tempo para fazer algo. Existe um ditado que em briga de marido e mulher não se mete a colher, mas a socióloga Marcela Castro é enfática ao afirmar que “em briga de marido e mulher mete-se a colher, sim!”. Segundo a pesquisadora, o combate à violência doméstica e familiar é uma construção coletiva e responsabilidade de toda sociedade, portanto, qualquer pessoa pode fazer a denúncia.
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Em casos mais extremos, a vizinhança e/ou parentes próximos podem ligar imediatamente para a Polícia Militar, através do Disque 180. “Em situações específicas, podemos orientar a própria mulher a procurar uma rede de atendimento, uma delegacia especializada da mulher, Defensoria Pública, o Ministério Público, dentre outros. As instituições responsáveis precisam ser acionadas. Uma ação efetiva pode salvar a vida de uma mulher evitando o feminicídio. O silenciamento, o “fechar os olhos” contribui para a permanência da violência de gênero, além de deixar o agressor impune”, descreveu.
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Para a delegada Eugênia Villa, a instituição família é algo que o Estado ainda mantém distante e questiona: “Que família é essa em que a mulher vive em sofrimento e agonia?”. Ela lembra que a ideia de família concebida é o local de proteção, de cuidado, em que pessoas se unem por laços de amor recíproco e de fraternidade em que um cuida do outro. Isso não é família.
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“Nós vamos tocar aqui em um ponto essencial que envolve a questão da religiosidade, porque muitas religiões podem estar aconselhando aquela mulher a reatar ou manter aquele relacionamento, a sua família, mesmo sendo um relacionamento abusivo, com a mulher sendo agredida e as filhas sendo estupradas. Temos que fazer uma mudança nessa ótica e mostrar que isso é tudo, menos uma família. Romper esse conceito de que se pode tolerar índices de violência. Por isso criamos o Salve Maria para que terceiros possam apertar o botão sem serem reconhecidos e nós possamos agir”, pontuou.
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Polícia piauiense investe em capacitação no atendimento às mulheres
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Esse tipo de julgamento em colocar a mulher como a culpada da agressão ou até mesmo da própria morte também é comum na abordagem da polícia. Muitas mulheres relatam que ao fazer uma denúncia não são acolhidas e são julgadas pela autoridade policial. De acordo com a subsecretária de Segurança Pública do Piauí, Eugênia Villa, a Polícia do Piauí tem investido em capacitação e conhecimento para reverter esse tipo de abordagem equivocada.
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“Nós, policiais, não estamos vindo de outro planeta, os policiais e as policiais, os juízes e promotores são recrutados e também fazem parte desse mundo patriarcal, então quando eles vão para a academia de polícia chegam carregados dessa estrutura e é na academia que acontece o primeiro contato com essa questão de gênero e existe a quebra desse paradigma também através de capacitações”, declarou.
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Desde que assumiu a Subsecretaria de Segurança Pública e realizou algumas ações, como a criação das Delegacias de Feminicídio, desenhou a metodologia investigatória e viajou para o interior para mostrar como deve ser o tratamento dessa mulher. Eugênia Villa conseguiu avançar no atendimento às vítimas de crime de gênero.
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“Precisamos não apenas receber essa mulher de forma humanitária, pois esse é o nosso dever, mas sobretudo, com técnica. Esse é o desafio: saber utilizar uma abordagem na perspectiva de gênero, saber cativar essa mulher, mas, ao mesmo tempo, aplicar técnicas procedimentais na perspectiva de gênero com protocolos de atendimento específicos”, esclareceu.
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