“Ela não sai mais de casa, não vai mais para a escola, está se alimentando muito mal e chora todos os dias…provavelmente irá perder o ano”. Relato de uma mãe de adolescente vítima de violência virtual.
Se tem um assunto que sempre me preocupa muito, pois é crescente o número de boletins de ocorrência que chegam na promotoria de justiça, é esse, o chamado pornografia de vingança (tradução do termo em inglês, revenge porn).
Há quem discuta, inclusive, a impropriedade desse nome, pois dá a conotaçao de que a mulher que está em situação de violência por conta de imagens ou mensagens íntimas divulgadas, estava cometendo algum tipo de pornografia quando consentiu com a filmagem, com a foto, enviou mensagem, o que não é verdade. O que ela fez foi com alguém que confiava e tinha um relacionamento amoroso e uma “falsa segurança”. É a vida íntima e sexual dela, e ninguém tem nada a ver com isso.
Até entendo pertinente que haja essa discussão sobre o nome “pornografia de revanche”, pois nos faz refletir ainda mais sobre a “culpa” que sempre se atribui às mulheres: “Por que se deixou filmar? Por que se deixou fotografar? Por que enviou mensagens? Agora que arque com as consequencias”, como se o que ela fez foi algum ato de pornografia. E isso não se pode admitir. Se bem que para mim, não foi essa a intenção quando da criação desse nome, mas sim para identificar a conduta de quem publicou essa intimidade: isso sim é uma verdadeira pornografia.
Mas o que quero chamar a atenção aqui é sobre o aspecto criminal da conduta da divulgação/publicação/transmissão de imagens (fotografias, videos) e conversas íntimas em rede social/aplicativos, sem o conhecimento e consentimento da vítima, como forma de retaliação pelo fim do relacionamento. Como se a vontade da mulher, mais uma vez, não fosse respeitada. Como se ela fosse obrigada a manter um relacionamento contra a sua vontade. Caso contrário, sua intimidade, inclusive sexual, será devastada. E em rede nacional. Não. Pior. Em rede mundial!
As consequências morais e psicológicas para as mulheres vão desde a vergonha de sair de casa, de frequentar escola, faculdade, trabalho, de sentimento de culpa, até o desenvolvimento de depressão, doenças psicossomáticas, síndrome do pânico, autolesão e suicídio.
Na parte da punição, infelizmente, a resposta do Estado para esse tipo de crime ainda é pífia. Ou seja, o Direito Penal, nesse tema, não acompanhou a evolução das mídias sociais.
Caso a divulgação da imagem/video/mensagem seja de vítima maior que 18 anos, o crime é de difamação. A ação penal é privada, ou seja, a vítima é que tem que contratar um advogado e ajuizar uma queixa-crime no prazo de 6 meses da data em que ela teve conhecimento da prática do crime. Ocorre que muitas vezes a vítima nem sabe o que é queixa-crime e não é informada sobre isso e sobre esse prazo na delegacia de polícia. Ela fica esperando alguma atuação da Justiça, que, por sua vez está esperando uma manifestação dela, até que ocorre a decadência do direito de queixa, o que significa …arquivamento do inquérito policial. Em outras palavras “não deu em nada”.
Já se a vítima conseguir contratar um advogado e ajuizar a queixa-crime contra o autor dos fatos, e advindo a condenação, a pena prevista para o crime é muito baixa, que varia de 3 meses a 1 ano.
Para as vítima menores de 18 anos, a situação melhora. Aplica-se o artigo 241 do Estatuto do Adolescente, que diz que:
“Art. 241-A. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, distribuir, publicar ou divulgar por qualquer meio, inclusive por meio de sistema de informática ou telemático, fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente: (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008)
Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008).
Mas, mesmo assim, grande parte desses comportamentos contra as meninas adolescentes são praticados por meninos adolescentes também, e a resposta a esse tipo de ato infracional é uma medida sócio-educativa, que raramente é de privação de liberdade. Aplica-se uma liberdade assistida ou prestação de serviços a comunidade, e, não raro, dá-se a remissão (perdão).
Porém, apesar de baixas as penas aplicadas, a condenação penal é importante pois, além constar da folha de antecedentes do autor dos fatos, criando a reincidência se ele cometer algum crime posterior, admite a possibilidade de o juiz, ao dar a sentença condenatória, já fixar um valor indenizatório à vítma, como ressarcimento pelos danos patrimoniais e morais sofridos.
Por isso que romper o silêncio e denunciar é sempre a melhor saída.
E qual a justificativa para essas penas tão baixas? É que esse crime de difamação(e todos os demais crimes contra a honra como calúnia e injúria), foram inseridos no Código Penal de 1940, ou seja, nem se cogitava, à época, em crimes cometidos por meios eletrônicos e de redes sociais. Esse quadro nos leva a concluir que há uma desporporcionalidade muito grande entre a atual punição prevista, gravidade da conduta e o prejuízo moral à vítima, causadas pela evolução histórica e modernidade dos meios de comunicação.
Precisamos reunir esforços para conseguir a aprovação de leis que sejam eficazes e que punam à altura crimes dessa natureza.
Há no congresso Nacional duas iniciativas legislativas para modificação desse quadro, que estão atualmente aguardando decisão da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania: uma de iniciativa do Deputado Romário (PL 6630/13 – “pornografia de revanche”) e outra de inicitiva do Deputado João Arruda: (PL 5555/2013 – alteração da lei “Maria da Penha virtual”). Se quiser dar uma olhada nos textos dos projetos, seguem abaixo:
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1166720&filename=PL+6630/2013
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1087309&filename=PL+5555/2013
Observação: Nos casos de pornografia de revanche, as imagens foram postadas/transmitidas por pessoa que tinha acesso lícito/permitido às fotos íntimas da vítima, no caso o ex-companheiro, e a vítima tinha conhecimento disso (deu a senha do facebook, do email, do celular, mandou fotografia íntima, permitiu a filmagem de momentos íntimos, etc). Portanto, não se aplica a lei Carolina Dieckmann ( que foi feita para punir os hackers).
Dicas para as vítimas de violência virtual:
1. obtenha um print ou foto da imagem divulgada/publicada, com identificação de quem fez a publicação e, se possível, das pessoas que a retransmitiram. Esse será o meio de prova para comprovação da violência. Se conseguir, dirija-se a um cartório e faça um registro público do que consta do celular, facebook, whatsapp, emails, etc. Independetemente disso, dirija-se a uma delegacia de polícia, (de preferência, delegacia dos direitos da mulher, onde houver) e faça o registro da ocorrência.
2. peça as medidas protetivas de urgência previstas na lei Maria da Penha já na delegacia. Por meio delas, é possível obter a proibição de o autor da violência manter contato com você ou com seus familiares por qualquer meio, se aproximar, frequentar determinados lugares e e ainda é possível requerer a suspensão da publicação da imagem/vídeo/mensagem das redes sociais.
3. Procure um advogado e, se não tiver condições de contratar um, procure a Defensoria Pública ou a Assistência Judiciária da OAB/SP ou o Ministério Público.
4. Peça apoio da rede protetiva dos direitos da mulher da sua região: você precisará do apoio psicológico e jurídico para enfrentar essa fase. Saiba que você não está sozinha!
5. Quando ouvida como vítima em audiência, pode tentar fazer uso de alguns preceitos da Justiça Restaurativa: pergunte ao juiz e ao promotor, ou ao seu advogado sobre a possibilidade de que o autor dos fatos faça um pedido de desculpas publicamente, independentemente da punição. Isso pode não apagar as marcas deixadas pela violência virtual, mas certamente funcionará como um paliativo para sua dor.
6. Guarde todos os laudos médicos, psicológicos, receituários, faltas à escola, trabalho, cursos, comprovantes de que modificou sua rotina, gastos com transportes. Isso tudo pode servir como meio de prova tanto para fixação da pena acima do mínimo legal previsto, quanto para mensurar eventual dano patrimonial ou moral aos quais você faz direito.
E lembre-se:
#nenhumamulhermereceviolencia