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Estagiária do TJ-AM acusa PM aposentado de injúria racial e reclama de descaso da polícia

SAIU NO SITE A CRITICA:

A estudante de Direito da Ufam, oriunda de Benim, diz ter sido xingada de “preta burra” e “macaca”. Policial, que também é negro, negou e ofendeu reportagem com palavrões

Vinicius Leal – Manaus (AM)

Uma estagiária negra do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJ-AM), Raymonde Degohunkpe, 26, que é intercambista e estudante de Direito da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), diz ter sido vítima de injúria racial cometida por um policial militar aposentado, que também é negro, dentro do Fórum Ministro Henoch Reis, em Manaus. O PM, Luís Carlos Meireles Mouzinho, 51, negou as acusações e chegou a ofender a reportagem com palavras de baixo calão. “Eu não vou falar p*rra nenhuma. Tu é (sic) apenas um repórter”, disse.

A estudante Raymonde é natural de Benim, um país no oeste da África, e vive há cinco anos na capital amazonense para estudar Direito através de um programa de intercâmbio do governo federal. Ela estagia na 1ª Vara da Família e afirma ter sido xingada com as palavras como “macaca” e “preta burra” durante duas ocasiões. A primeira no dia 14 de março deste ano, enquanto atendia o PM na vara, e a outra mais recente, na última terça-feira (28), também no fórum, mas sem prestar atendimento a ele.

Na primeira vez, o policial foi à Vara da Família pedir um ofício de um processo em que é requerente. Porém, informado que não poderia obter o documento, já que não havia permissão judicial para isso, ele se irritou e passou a xingar a estudante, reclamando do atendimento na frente de outros funcionários do fórum e de advogados que esperavam para participar de uma audiência.

“Eu estava atendendo no balcão. Ele disse que queria pegar um ofício. Então eu peguei o número do processo, como de praxe, e procurei nos autos se havia algum despacho determinando a expedição do ofício, mas não tinha. Eu avisei que ele tinha que vir dois dias depois. A servidora que expede o documento me mandou fazer isso. Aí, ao sair, ele me chamou de ‘preta burra’. Falou em voz alta, saiu fechando a porta e foi embora”, disse Raymonde.

RAYMONDE

Aquilo impactou Raymonde profundamente. “Na hora eu fiquei em choque. Eu nem consegui falar nada. Eu não esperava isso. Em nenhum momento eu gritei com ele, estava falando normalmente. A única reação que eu tive foi chorar. Eu não consegui fazer mais nada”, disse Raymonde, que foi consolada pelos funcionários e advogados que presenciaram tudo. Depois, ela foi para casa e no outro dia registrou tudo na polícia.

“Eu até evitava a falar, porque se eu começasse a falar, choraria na frente das pessoas. Eu realmente tentei, mas não deu. Chorei muito até a noite. Quando voltei para casa tive que postar isso no meu Facebook porque eu não estava me sentindo muito bem. Aquela semana foi de muita dor. Fiquei abalada. Eu fiquei a semana inteira com dor de cabeça. Eu esperava me recompor para continuar meus estudos, fazer meus artigos, mas eu não conseguia. Então precisei tomar remédio”, disse a intercambista.

Segundo injúria racial

Passaram-se duas semanas até que o preconceito voltou a atormentá-la. Na última terça (28), o policial aposentado voltou à 1ª Vara e, segundo ela, cometeu outra injúria racial. Dessa vez, a diretora da Vara da Família, Mônica Mendonça, testemunhou tudo. “Eu tinha passado trabalhos internos para ela e outro estagiário ficou no balcão atendendo. A gente jamais imaginava que ele voltaria a fazer de novo. Pelo vidro, a Raymonde viu que era ele. E ele já tinha ficado exaltado com esse outro estagiário porque queria o ofício e não podíamos dar”, disse Mônica.

“Quando olhei, eu o ouvi falando e apontando para ela. ‘Aquela é a macaca que me atendeu da outra vez’. Foram essas palavras que ele usou”, disse a diretora da 1ª Vara. “Eu cheguei perto e perguntei ‘o senhor chamou nossa estagiária de macaca?’. Ele falou ‘não, imagina, eu sou negro também’. Mas outra advogada virou e disse ‘chamou sim que eu ouvi’. Aí ele foi para cima da advogada e perguntou ‘quem é você, qual seu nome’. O outro advogado que estava no balcão e outra estagiária também falaram que tinham ouvido ele falar aquilo”, disse Mônica.

A segurança do fórum

Após xingar Raymonde novamente, a segurança do Fórum Ministro Henoch Reis foi chamada. “A diretora (Mônica) chamou o militar responsável pela segurança do fórum. Foi dada voz de prisão, só que esse militar ao invés de cumprir a ordem, quis que a ordem fosse dada por um juiz. Sendo que a Constituição permite que a voz de prisão pode ser dada por qualquer pessoa. Só basta eu encontrar alguém fazendo um ato infracional”, explicou a estudante Raymonde. “Ao invés de prendê-lo, ele ficou questionando a voz de prisão”.

Para forçar o militar responsável pela segurança do fórum a prender o policial Luís Carlos, foi preciso o juiz Marcos Maciel, titular da 1ª Vara da Família, interromper uma audiência e expedir uma voz de prisão. “O militar, ao invés de cumprir, virou porta voz do agressor. Ele chegou para mim e disse que o PM queria se retratar, mas esse não era o papel dele. Ele queria me levar na delegacia na mesma viatura que o cara. A diretora da Vara negou, e eu fui à delegacia com dois estagiários, de carro”, disse Raymonde.

Não foi dado flagrante

Segundo Raymonde, ao chegar no 1º Distrito Integrado de Polícia (DIP), no bairro Praça 14, em Manaus, ela se deparou com uma cena que a assustou. “Ele saiu daqui em flagrante. Mas quando cheguei na delegacia eu o vi sentado, conversando e rindo, como se nada tivesse acontecido. Eu conversei com a delegada e, quando eu ia para a sala da escrivã prestar depoimento, veio dois advogados com ele (Luís Carlos) e mais outras pessoas que deveriam ser militares, dizendo que também queriam fazer um BO (boletim de ocorrência) contra mim, porque eu o tinha xingado. Mas isso não aconteceu, eu nem estava o atendendo no balcão”, disse Raymonde.

Apesar de chegar ao 1º DIP com vítima, a estudante saiu como acusada. “Houve uma inversão. Não teve cumprimento da ordem do juiz. A delegada não lavrou flagrante e ele não foi preso. Parecia que eles estavam mais preocupados em me notificar do que me resguardar. E veio o BO dele para mim. Ele estava sentado, rindo do que aconteceu. Isso foi o que mais me doeu. Eu não me senti amparada. Além da dor que eu estava sentindo, chego à delegacia e acontece isso. E eu falei para a delegada que era a segunda a ofensa, era o segundo BO. Quando saí de lá, o sentimento era de tristeza e insegurança por ele ser policial”.

Apenas injúria

De acordo com Raymonde, o crime que sofreu foi imputado apenas como “injúria” no BO, e não como “injúria racial”. “Ao invés de colocarem injúria racial, não colocaram nem o que eu estava dizendo. Esse BO não reflete o que eu falei. Como uma vítima já sofrendo um dano chega à delegacia pensando que vai ser amparada e acontece isso? O BO dele está maior, inclusive, com mais detalhes”, disse Raymonde. “Eu tinha que falar várias vezes para escrivã corrigir o que eu estava falando. Se eu sou declarante, ela tem que colocar pelo menos no termo que eu estou declarando, não fazendo interpretações do que eu estou dizendo”, reclamou a estudante.

A reportagem entrou em contato com a delegada Fernanda Leal Antonucci, responsável pelo atendimento à Raymonde e titular do 1º DIP, através do telefone (92) 99962-24XX, mas não conseguiu questioná-la sobre não ter dado prisão em flagrante ao policial aposentado Luís Carlos. “Não posso falar, estou em diligência. Estou na rua e não posso falar agora”, foram as palavras da delegada por telefone.

PM nega e xinga

A reportagem entrou em contato com o policial militar aposentado Luís Martins para ouvir a versão dele, através do telefone 99379-13XX. Questionado sobre sua versão sobre o caso, ele afirmou: “Não vou contar minha parte p*rra nenhuma, eu não tenho nada para contar”, disse ele. Questionado se havia chamado Raymonde de “macaca” e “preta burra”, ele negou, “Não falei nada. Eu sou preto. Como eu ia falar alguma coisa? Preta burra? Se ela é burra, eu também sou”.

A reportagem, então, insistiu e questionou se ele negava todas as acusações que foram feitas. Ele, então, se exaltou. “Eu não vou falar p*rra nenhuma. Não tenho nada para falar contigo. O que tu é na minha frente? Tu é apenas um repórter. Tu não é p*rra nenhuma. Eu não vou falar nada. Então vá se f*der”.

Denúncia ao MP

Devido à falta de flagrante e descumprimento da ordem judicial do juiz Marcos Maciel, titular da 1ª Vara da Família, Raymonde foi orientada pelo próprio magistrado a registrar a situação ocorrida no 1º DIP para o Ministério Público do Amazonas (MP-AM). Raymonde relatou tudo à promotora de Justiça Cley Martins, titular da Promotoria do Controle Externo da Atividade Policial (Proceap), que investiga as ações de policiais no Amazonas.

Tristeza e futuro

Raymonde não crê que o BO registrado no 1º DIP vá surtir algum efeito, e ela teme pela vida. Entretanto, ela vai continuar lutando. “Eu não estou conseguindo fazer mais nada. A minha tristeza é muito profunda. Hoje eu estou tentando, mas não está sendo fácil. Eu já estava em um processo de recuperação, eu estava tentando me recompor, e ele cutucou mais ainda na ferida. Eu me senti desestabilizada. Essa semana por exemplo eu não indo para aula direito. Isso está mexendo com meus estudos, com minha vida pessoal e meu estado de emocional”, disse.

Nota do TJ-AM

O Tribunal de Justiça do Amazonas informou, por meio de nota, que adotou as medidas cabíveis sobre o caso, dentre as quais comunicando a Ordem dos Advogados do Brasil, o Ministério Público e a Defensoria Pública, além de assegurar apoio psicológico e psquiátrico à estagiária. “Quanto à possibilidade de o Tribunal abrir um processo sobre o caso, é importante esclarecer que o Poder Judiciário não pode ser autor, ou seja, não pode iniciar demandas que serão por ele mesmo julgadas. Propor uma ação judicial e, ao mesmo tempo, julgá-la, viola não só o senso comum como uma série de dispositivos legais”.

 

 

 

PUBLICAÇÃO ORIGINAL: Estagiária do TJ-AM acusa PM aposentado de injúria racial e reclama de descaso da polícia

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