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Lei 17.137/2019: um passo para a autonomia das mulheres no parto

Saiu no site  CONJUR

 

A Lei nº 17.137/2019, do estado de São Paulo, representa um marco significativo na luta pela autonomia reprodutiva das mulheres, garantindo às gestantes atendidas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) o direito de optar pelo parto cesariana a partir da 39ª semana de gestação, mesmo sem indicação médica. Com isso, a legislação trouxe à tona um debate essencial sobre o direito de escolha no momento do parto: embora sua validação tenha enfrentado uma série de desafios jurídicos, a conquista final reafirma a importância de reconhecer a mulher como protagonista de decisões sobre o próprio corpo.

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A lei foi inicialmente considerada inconstitucional pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), sob o argumento de que o Estado teria invadido uma competência legislativa da União. Segundo essa interpretação, a saúde seria uma matéria de competência concorrente, em que  caberia à União estabelecer normas gerais, enquanto os Estados teriam a competência para legislar de forma suplementar à legislação geral definida pela União. No caso da Lei estadual nº 17.137/2019, considerou-se que a legislação tratava da matéria de forma geral, quando, na verdade, já existiam leis federais anteriores que regulamentavam a matéria de forma geral. Assim, a lei paulista deveria ter se limitado a estabelecer apenas especificações à lei geral.

No entanto, em 2021, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a validade da lei. O entendimento do STF corrigiu o que seria uma limitação injusta à autonomia estadual e, mais importante, garantiu às mulheres paulistas o direito de decidir sobre o tipo de parto que consideram mais adequado.

Porém, essa legislação vai além da simples escolha entre parto normal e cesárea. Ela exige que as gestantes sejam informadas de maneira clara e acessível sobre os benefícios e riscos de cada opção, promovendo um processo de consentimento realmente livre e esclarecido; além disso, reconhece que o profissional de saúde pode não realizar o procedimento escolhido, desde que a paciente seja encaminhada a outro médico capacitado. Assim, a lei não só respeita a autonomia da mulher, mas também equilibra as responsabilidades dos profissionais de saúde.

Autonomia reprodutiva e a luta contra a objetificação feminina

Historicamente, as decisões relacionadas ao corpo das mulheres têm sido tomadas de forma alheia às suas vontades, reforçando uma lógica patriarcal que objetifica e desumaniza. No contexto do parto, essa dinâmica é ainda mais evidente: muitas vezes, a experiência da gestante é subordinada a práticas hospitalares padronizadas, em que suas preferências são minimizadas ou ignoradas. Neste cenário, a Lei nº 17.137/2019 surge como uma ruptura, colocando a mulher no centro das decisões e reconhecendo seu direito de ser ouvida em um dos momentos mais importantes de sua vida.

 

Porém, o caminho para a validação de leis semelhantes em outros estados tem sido cheio de obstáculos. Iniciativas como as do Paraná e Tocantins, que buscavam garantir direitos semelhantes, foram declaradas inconstitucionais.

Isso demonstra como a luta pela autonomia feminina ainda enfrenta resistências profundas em um sistema que perpetua o controle sobre os corpos das mulheres. Apesar disso, legislações estaduais, como a Lei nº 16.499/2018, de Pernambuco, e a Lei nº 9.016/2020, do Pará, permanecem em vigor, trazendo esperança de que mudanças mais amplas possam ocorrer.

A discussão sobre a Lei nº 17.137/2019 transcende a esfera jurídica. Ela simboliza a luta contra a violência simbólica e estrutural que historicamente marginaliza as mulheres, especialmente no âmbito da saúde reprodutiva.

Garantir o direito de escolha no parto é, além de uma questão de autonomia individual, respeito à dignidade humana. Quando se reconhece que as mulheres têm capacidade plena para decidir sobre o próprio corpo, dá-se um passo importante para desconstruir as estruturas de poder que ainda limitam sua liberdade.

É fundamental que conquistas como essa não sejam vistas como isoladas, mas como parte de um movimento maior em direção à igualdade de gênero. Defender o direito de escolha reafirma a importância de ouvir as mulheres e de respeitar suas decisões, em todos os contextos.

O fortalecimento dessa autonomia é uma condição indispensável para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.

  • é mentora de Mulheres e Advogada, especialista em gênero e sócia do escritório Martins Cardozo Advogados Associados.

  • é especialista em Direito Constitucional e advogada no escritório Martins Cardozo Advogados Associados.

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