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Rupturas e resistências: Mulheres no palco da política em tempos de violência

Saiu no site MIGALHAS

 

A violência política de gênero nas eleições de 2024, destacando a necessidade de uma abordagem interseccional para garantir a inclusão das mulheres na política.

 

1. Introdução

As eleições municipais de 2024 no Brasil trazem à tona uma batalha que transcende o simples ato de votar ou ser votado. Essas expõem, com precisão implacável, as profundas divisões de uma sociedade que ainda hesita em aceitar a presença de mulheres nos espaços de poder. A implementação de cotas de gênero e o crescimento alarmante da violência política contra as mulheres são questões que não se limitam a números ou formalidades jurídicas. Trata-se de uma luta que atinge o âmago da democracia e do Estado Democrático de Direito. Este artigo, fundamentado em dados do ONMP – Observatório Nacional da Mulher na Política, do TSE – Tribunal Superior Eleitoral e de organizações de direitos humanos, analisa esses desafios sob uma perspectiva mais abrangente do feminismo jurídico, sem perder de vista o direito inalienável à dignidade humana.

2. Cotas de gênero: Uma luta pela legitimidade do ser e do estar

A legislação brasileira, por meio da lei 9.504/97, da lei 14.411/21 e da EC 117/2022, estabeleceu cotas de gênero que exigem ao menos 30% de candidaturas femininas. Essas ferramentas jurídicas buscam corrigir uma balança historicamente desigual. No entanto, ao se analisar o cenário das eleições de 2024, com 152.930 candidaturas femininas, percebe-se que, embora o percentual tenha apresentado uma ligeira evolução, precisamente de 1% em comparação as eleições municipais de 2020, os desafios que persistem são profundos e enraizados nas estruturas políticas e sociais.

Dados do TSE mostram que partidos em 772 municípios não cumpriram integralmente as cotas de gênero, evidenciando um desinteresse velado pela inclusão efetiva das mulheres na política. Muitas dessas candidaturas femininas são meras formalidades, utilizadas apenas para cumprir requisitos legais, sem que haja um verdadeiro esforço de promover lideranças femininas. Essa exclusão invisível, que se repete a cada ciclo eleitoral, configura uma violência simbólica e estrutural, silenciando as vozes femininas. A inclusão não pode ser uma mera formalidade; é necessário assegurar espaços reais de poder e decisão para as mulheres.

3. Violência política de gênero: O território hostil da política

O cenário político no Brasil permanece profundamente hostil para as mulheres que ousam desafiar as normas patriarcais. De acordo com o relatório das organizações Terra de Direitos e Justiça Global, houve um aumento de 130% nos casos de violência política em 2024, em comparação a 2020, com 145 incidentes registrados durante a pré-campanha, abrangendo desde ameaças verbais até agressões físicas.

Essa violência assume diversas formas. As primeiras agressões são sutis, muitas vezes surgindo de círculos sociais próximos, como familiares, amigos e conhecidos, que questionam a legitimidade das candidaturas dessas mulheres. Para muitas, o simples ato de se candidatar é uma afronta a séculos de subordinação. A lei 14.192/21, que criminaliza a violência política de gênero, representou um importante avanço, mas a sua aplicação ainda enfrenta obstáculos significativos.

Além das ameaças físicas, essas mulheres enfrentam barreiras institucionais e econômicas, como a manipulação do FEFC – Fundo Especial de Financiamento de Campanha, que deveria promover igualdade de oportunidades, mas frequentemente é desviado para beneficiar candidatos masculinos. Assim, a violência institucional contribui diretamente para a manutenção da desigualdade, impactando o espaço físico e o ambiente digital.

A violência no meio digital se revela como uma fronteira ainda mais perversa. Mulheres, particularmente aquelas que aspiram a cargos de poder, são alvos de uma escalada de ataques virtuais, que envolvem insultos, ameaças e humilhações. O anonimato da internet agrava essa violência, transformando o ambiente digital em um verdadeiro campo de batalha. Embora o TSE tenha iniciado ações em conjunto com Big Techs, que podemos achar refletidas nas resoluções que regulam as eleições deste ano, ainda falta uma legislação mais específica e eficaz para enfrentar essa crescente ameaça.

4. Representatividade no cenário internacional: O Brasil no espelho do G20.

No panorama internacional, a posição do Brasil é motivo de preocupação. Dados do IBGE de 2022 mostram que apenas 14,8% dos parlamentares brasileiros são mulheres, com 89 ocupando as 594 cadeiras no Congresso. Esse número coloca o Brasil atrás de nações como Arábia Saudita e Rússia, o que é alarmante para uma das maiores economias do mundo. Esse cenário reflete o machismo estrutural que atravessa gerações e resiste às tentativas de mudança.

Países como México, África do Sul e Argentina provaram que é possível alcançar parlamentos mais diversos e representativos quando há um compromisso político real. No Brasil, contudo, questões como a anistia concedida a partidos que não cumprem as cotas de gênero perpetuam a desigualdade e enfraquecem a democracia. A ausência de sanções eficazes para os partidos infratores apenas reforça a exclusão feminina, perpetuando um ciclo de injustiça e retrocesso democrático.

5. Violência política e interseccionalidade: A multidimensionalidade da opressão.

A violência política contra as mulheres é um fenômeno complexo, que exige uma abordagem interseccional para ser combatido de maneira eficaz. Ela se manifesta em três níveis principais: a violência política institucional, que define as regras do jogo; a violência física e social, que reforça estereótipos de gênero; e a violência digital, que se mostra inovadora em sua crueldade e amplifica o ciclo de opressão.

Essas camadas de violência interagem, tornando a experiência política para as mulheres ainda mais desafiadora, especialmente para aquelas que fazem parte de grupos marginalizados, como mulheres negras, indígenas ou LGBTQIA+. O combate a essa problemática demanda uma resposta ampla, que reconheça as múltiplas dimensões da opressão e lide com elas de maneira articulada.

6. Conclusão

As eleições de 2024 colocam o Brasil diante de um momento decisivo: como assegurar que o ideal democrático seja mais do que uma promessa distante e se torne uma realidade concreta para todas e todos? O atual cenário revela que as mulheres ainda enfrentam uma árdua batalha para terem seus direitos políticos plenamente reconhecidos e respeitados.

A inclusão política das mulheres não é um favor, mas um direito fundamental. Cabe às instituições e à sociedade garantir que esse direito seja efetivamente protegido, combatendo tanto as formas explícitas de violência quanto as formas mais sutis de exclusão e silenciamento. O Brasil ainda está longe de uma democracia plena e igualitária para as mulheres, e o caminho para a mudança requer um compromisso coletivo com a equidade e a justiça.

Isabella Sousa

VIP Isabella Sousa

Graduada em Gestão Pública, graduanda em Direito e pós-graduanda em Direito Eleitoral e Processual Penal Eleitoral, e em Direito Penal, possuindo diversos cursos nas áreas pública e digital.

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