Saiu no site G1
A consultoria Deloitte entrevistou mais de 5 mil mulheres, 500 delas no Brasil, para mensurar a igualdade de gênero no mundo corporativo e mapear aspectos que prejudicam a progressão de carreira.
A consultoria Deloitte lançou nesta terça-feira (30) uma pesquisa global sobre as condições de trabalho para mulheres, que mostrou que 49% das mulheres brasileiras estão preocupadas com a própria segurança no trabalho, durante o trajeto ou em viagens profissionais.
As preocupações incluem assédio, agressões e a perda de direitos. O dado mais significativo é que uma a cada quatro mulheres (24%) diz ter sofrido assédio durante o atendimento a clientes ou consumidores. Outras 13% relataram assédio de colegas de trabalho, e mais 13% descreveram assédios em viagens a trabalho.
O assédio sexual foi relatado por 40% das brasileiras. Desse grupo, 60% afirmaram que não reportaram o ocorrido.
Já as microagressões — que são casos como “mansplaining” e “gaslighting” (veja abaixo o que significa cada termo) — foram relatadas por 35% das entrevistadas. E 77% delas decidiram não relatar e levar os casos à frente.
A pesquisa da Deloitte ouviu, entre outubro de 2023 e janeiro de 2024, 5 mil mulheres em 10 países, 500 delas no Brasil, para mensurar a igualdade de gênero no mundo corporativo. As entrevistadas brasileiras possuem entre 18 e 64 anos, e 43% delas não ocupam cargos gerenciais.
O levantamento também mapeou aspectos que prejudicam a vida das mulheres no mercado de trabalho: estresse, dores menstruais, salários não competitivos e dupla jornada.
Confira os principais destaques:
- 53% das brasileiras relataram níveis maiores de estresse, acima da média global (50%).
- 34% das brasileiras tiraram licença do trabalho por motivos de saúde mental.
- 40% experimentam altos níveis de dor devido à menstruação e dizem trabalhar mesmo assim. Para menopausa, foram 27%.
- 68% são as principais responsáveis pelos cuidados das crianças, enquanto 40% são as principais responsáveis pelo cuidado com outros adultos.
- 24% das mulheres que deixaram voluntariamente o emprego no último ano citaram remuneração inadequada, 18% alegaram falta de equilíbrio entre trabalho e vida pessoal, e 18% apontaram falta de oportunidade de aprendizado e desenvolvimento.
- 27% não querem progredir para uma posição de liderança sênior dentro de sua organização, por não gostarem da cultura da empresa (20%), por não terem planos de continuar na organização (19%) ou por acharem que não possuem oportunidades (19%).
Microagressões
As microagressões são ações ou comportamentos que desvalorizam ou rebaixam uma pessoa, muitas vezes com base na sua participação em um grupo sub-representado.
“Embora muitas pessoas estejam cientes dos efeitos nocivos de comportamentos não inclusivos, como assédio, intimidação e discriminação, as ações ou comportamentos mais sutis que constituem as microagressões podem ser mais difíceis de identificar; muitas vezes não são intencionais ou são minimizados como ‘piadas'”, explicam as especialistas da área estratégica de Diversidade e Inclusão da Deloitte, Ana Letícia Godoy e Aline Vieira.
De acordo com o levantamento, as principais microagressões que as mulheres sofrem no trabalho são:
- Bropropriating: ocorre quando o homem se apropria da ideia de uma mulher, sem dar devido mérito a ela;
- Gaslighting: é um abuso psicológico que faz com que a mulher se sinta equivocada, levando-a a questionar suas habilidades como sanidade, raciocínio e memória;
- Mansplaining: situação na qual o homem interrompe a mulher para explicar algo, presumindo que ela tenha dificuldades de entendimento;
- Manterrupting: interrupção frequente por parte do homem durante a fala de uma mulher, dificultando ou impedindo que ela termine sua frase;
- Micromachismo: comportamentos de submissão das mulheres profundamente enraizados e aceitos pela sociedade, resultando em ações que muitas vezes passam despercebidas, como um garçom que tende a apresentar a conta mais frequentemente aos homens.
Subnotificação
Em relação ao que leva às mulheres a não denunciarem situações de assédio no ambiente de trabalho, Godoy e Vieira explicam que muitas delas acreditam que suas reclamações não seriam levadas a sério e também possuem medo de que essas queixas impactem negativamente suas carreiras.
“A palavra ‘medo’ é repetida por quase todas as vítimas, não só de acabar com suas carreiras, mas de expô-las, mina a autoestima da vítima e a humilha, acabando com sua capacidade de resistência”, dizem as especialistas.
Segundo o levantamento, muitas vítimas sentem vergonha e culpa após serem assediadas, uma vez que “há a ideia absurda de que a vítima pode, de certa forma, ter tido algum comportamento que incentivou ou encorajou aquela prática, além de poderem ser tratadas como responsáveis pelo comportamento do assediador”.
Por fim, Godoy e Vieira apontam que algumas mulheres possuem dificuldade de identificar quando são assediadas, na medida em que há banalização e normalização do assédio sexual, fazendo com que as vítimas acreditem que esses atos sejam “parte do jogo”.
Saúde mental
O estudo apontou que as brasileiras estão mais estressadas do que há um ano: 53% disseram que o nível de estresse está mais elevado, número maior que a média global (50%).
Em casos em que a mulher pertence a grupos étnicos minoritários, como negras, africanas e asiáticas, o nível de estresse chega a 56%. E apenas 28% delas informaram obter apoio psicológico adequado de seus empregadores e 22% se dizem menos propensas a falar sobre a própria saúde mental no local de trabalho. As médias globais são bem maiores: 43% e 33% para cada quesito.
Quanto à carga horária, uma em cada cinco colaboradoras brasileiras trabalham regularmente muito mais do que as horas contratadas por semana. Nos grupos minoritários, o número chega a 29%.
Direitos reprodutivos
Muitas mulheres continuam trabalhando, mesmo com dor e mal estar. Mais de um quarto das brasileiras relataram ter enfrentado desafios relacionados à menstruação (15%), menopausa (10%) ou fertilidade (3%).
Entrevistadas que apresentam altos níveis de dor devido à menstruação (40%) ou menopausa (27%) dizem trabalhar mesmo assim, sem tirar licença do emprego.
Por fim, no Brasil, 23% das profissionais disseram que assuntos relacionados à menstruação, menopausa ou fertilidade são muito incômodos para abordar em suas empresas.
Jornada dupla
O levantamento indicou que dois terços das brasileiras (68%) são as principais responsáveis pela criação das crianças da família, enquanto 40% também dizem ser responsáveis pelo cuidado com outros adultos.
No país, 22% das entrevistadas que vivem com parceiros são a principal fonte de renda da família. Sobre a limpeza e outras tarefas domésticas, 43% das mulheres no país assumem a responsabilidade sozinhas, 25% relataram uma divisão igual e 23% pagam por esse serviço.
O estudo ainda indicou que mulheres com maiores responsabilidades dentro de casa possuem mais probabilidade de apresentarem piora na saúde mental.
“Embora algumas mulheres possam dividir tarefas com seus parceiros, a realidade é que a maioria ainda carrega a responsabilidade de cuidar dos afazeres domésticos, das crianças e, muitas vezes, de adultos”, diz Aline Vieira.
“Esses pontos sobrecarregam e contribuem para o estresse e a exaustão. Precisamos de políticas e práticas que promovam uma distribuição mais equitativa dessas responsabilidades”, afirmou.