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Nos últimos anos, temos visto emergir um coro significativo pleiteando igualdade de gênero nas oportunidades profissionais, em especial em cargos de liderança, visando dar maior representatividade à mulher. Este texto tem o intuito de “subir o tom” desta discussão, sob o prisma de que o reconhecimento do papel estruturante da mulher na dinâmica social e, em especial, em funções de liderança não constituem uma mera luta por “direitos iguais”, mas sim uma necessidade para haver a adequada formação do tecido social de qualquer civilização.
A maior presença de mulheres em posições de liderança ou representação encontra uma forte relação com o índice de desenvolvimento humano (IDH) dos países. Vejamos o levantamento conduzido pela União Interparlamentar1, que aponta os países com maior representatividade feminina nos respectivos parlamentos. Percebe-se uma estreita relação entre os primeiros colocados da lista com o ranking do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), principal indicador de qualidade de vida utilizado pelas Nações Unidas2.
Tal correlação não se resume ao reconhecimento da mulher enquanto titular de poder institucional, mas também quanto ao seu crucial papel de mãe. Neste sentido, percebe-se nestes países que lideram o IDH a existência de licenças maternidades longas, a exemplo da Suécia, que tem licença maternidade de 480 dias3. Também se nota uma estrutura pública de qualidade em apoio à primeira infância, como uma grande rede de creches e berçários, permitindo às mães darem continuidade às suas atividades laborais.
O Brasil, por sua vez, ocupa a 131ª posição entre 193 países em participação de mulheres nos parlamentos e possui a 87ª posição no IDH. Tais números refletem uma histórica realidade de desprestígio da mulher em situações de empoderamento institucional, sobretudo quando a escolha se dá por critérios subjetivos. Um exemplo cristalino desta situação ocorre no Judiciário brasileiro: segundo o Diagnóstico da Participação Feminina no Poder Judiciário, publicado em 2019 pelo Conselho Nacional de Justiça4, há 38,8% de magistradas no Brasil. Enquanto as cortes superiores em todo o mundo têm, em média, 26% de mulheres em suas composições, o Brasil teve um percentual de 11,1% de nomeações de profissionais do gênero feminino entre 2000 e 2021 para os tribunais superiores. Como ponto alto da evidência desse desprestígio, o Supremo Tribunal Federal, órgão máximo do judiciário brasileiro, teve apenas 3 mulheres entre os 171 juízes que atuaram no Tribunal ao longo de 132 anos de história.
A diplomacia brasileira é outro ambiente que expressa, não só internamente, mas para o mundo inteiro, o desprestígio da mulher no histórico de escolhas para cargos de alta liderança e representação. Desde a independência do Brasil, em 1822, até o presente momento, nunca o Itamaraty foi liderado por uma mulher5.
Cabe destacar que a ausência de mulheres em posições de alta liderança alimenta um histórico ciclo vicioso: na medida em que os anseios das mulheres permanecem sem voz ou poder de decisão, particularidades do universo feminino ou sobrecargas de atribuições historicamente assumidas carecem de sensibilização por parte do universo masculino para uma mudança, fazendo com que as mulheres se sintam desencorajadas a pleitear ou assumir posições de mais alta patente. Uma evidência de situações desta natureza é percebida em estudo que apontou que, “apesar de as mulheres serem 49% da força de trabalho do Poder Executivo, 84% delas relataram não ter acesso a berçário ou creche no seu ambiente de trabalho”6. Em um cenário assim, a mulher estará desestimulada ou mesmo impossibilitada de assumir diversas atribuições profissionais em razão do distanciamento dos seus filhos, em especial na primeira infância.
Outro exemplo de falta de sensibilidade diz respeito à pobreza menstrual, em que, por falta de absorventes, uma quantidade considerável de mulheres se afasta de espaços públicos, incluindo salas de aula. Tal situação, que certamente não surgiu apenas nos últimos anos, só veio à discussão pela ascensão ao poder de algumas mulheres que encabeçaram a discussão sobre o tema.
A falta de representatividade da mulher no setor público não pode ser atribuída a um número reduzido de pessoas do sexo feminino dentro da estrutura governamental. Dados extraídos a partir da RAIS e disponibilizados pela República em Dados7, referentes a vínculos civis ativos com o serviço público, apontam 5,886 milhões de vínculos civis do sexo feminino frente a 3,876 milhões de vínculos do sexo masculino (dados de 2021). Não custa lembrar também que, em números absolutos, há mais mulheres do que homens no Brasil, segundo o Censo de 2022, que apontou 51% de mulheres e 49% de homens8.
A preocupação e a urgência com o reconhecimento do papel da mulher na condução da estrutura social não é particularidade do Brasil. A Assembleia Geral da ONU reafirmou, em 2022, que “a participação ativa das mulheres, em pé de igualdade com os homens, em todos os níveis de tomada de decisão, é indispensável para se atingir a igualdade, a paz, o desenvolvimento sustentável, a democracia e a diplomacia”9
Especificamente para o Brasil, a Organização das Nações Unidas, a partir de sua agenda 2030 criou, entre seus Objetivos de Desenvolvimento Sustentável no Brasil10, o objetivo “5-Igualdade de Gênero: Alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas”, como bem destacou Ana Flavia Barros11.
Não bastassem todos os argumentos já levantados sobre a importância da representatividade feminina em postos de liderança, não pode ser esquecido que tais atividades costumam de fato ser melhor exercidas por mulheres. Estudo conduzido com 1,5 milhão de profissionais acusou que lideranças femininas superam as masculinas em todos os níveis de gerenciamento e faixas etárias12.
Valendo-se mais uma vez de dados disponibilizados por meio da plataforma República em Dados13, identifica-se vasta prevalência de homens nos cargos de direção e assessoramento superior (DAS) no Poder Executivo Federal, o que evidencia um descompasso do Brasil não só em termos de representatividade, mas também em termos de eficiência.
Neste sentido, tendo em vista a) a necessidade de reconhecer o papel da mulher como estruturante no contexto de qualquer civilização; b) a necessidade de corrigir um grave problema de representatividade no Brasil, em especial no serviço público; e c) a necessidade de dar mais eficiência ao Estado brasileiro, defendemos que, num momento de escolha entre uma mulher e um homem para um cargo de liderança, em caso de dúvida, não hesite: escolha uma mulher.