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Shine Theory: executivas se juntam nas empresas e redes sociais contra o machismo e a invisibilidade feminina

SAIU NO SITE MARIE CLAIRE:

Você abriu mão de uma promoção para engravidar? Viu uma vaga ser preenchida por um homem com um currículo pior que o seu? Ficou estagnada enquanto o colega recebia aumento? Na luta contra o machismo nas empresas, executivas se reúnem no meio corporativo e em redes sociais. A “Shine Theory” quer nos dar voz – e poder – no ambiente profissional

O mercado da tecnologia é masculino, você não pode ocupar uma nova posição. Precisamos de um homem”, ouviu de um gestor a especialista em marketing gaúcha Alice Oliveira, 39, na época com 20 e poucos, no início da carreira. O episódio foi marcante para sua trajetória. Decidida a provar que ele estava errado, ela mudou de empresa – mas não de área –, batalhou por novas posições, rechaçou propostas, foi promovida mais de quatro vezes, tornou-se mãe, conquistou o tão sonhado benefício da jornada flexível e hoje comanda uma equipe de 20 pessoas como diretora de marketing da Dell para toda a América. Além do Brasil, o grupo atua em países como Estados Unidos, México, Panamá e Colômbia. Não à toa, ela é uma das líderes do programa Women in Search of Excellence (WISE – em tradução livre, Mulheres em Busca de Excelência), que promove encontros para atrair, reter e desenvolver funcionárias dentro da empresa. “Naquela época, me senti em segundo plano por não ser homem. Agora, contribuo para mostrar que as nossas características não são fraquezas e que podemos e devemos assumir cargos de liderança sem medo de nos posicionar.”

Ao agir assim, Alice está alinhada a um dos pilares do feminismo: a “Shine Theory”, ou Teoria do Brilho, cunhada pela jornalista norte-americana Ann Friedman, 35. Sua intenção com o termo é diminuir a competição feminina e propor maior aliança entre as mulheres no ambiente de trabalho. Ou seja, a tal da sororidade. “A ideia é apoiar e exaltar o sucesso das colegas para que todas consigam brilhar juntas”, disse Ann à Marie Claire. Só que, para isso acontecer, a discriminação por gênero tem que ser aniquilada – a começar, explica a jornalista, pela que acontece entre nós mesmas. “Quando condenamos umas às outras pela qualidade do trabalho e aparência física, na verdade estamos sendo negativas em relação às nossas próprias carreiras e corpos”, afirma. “O caminho profissional é bastante sinuoso. Se temos parceiras para nos aconselhar sobre uma negociação salarial, um ataque machista ou uma escolha decisiva, nos fortalecemos e crescemos. A competição não nos torna melhores, nem mais felizes.”

 A ideia serve também para ambientes competitivos que vão além do corporativo. Serena Williams foi uma das primeiras famosas a adotar a Shine Theory, quando elogiou as adversárias independentemente do placar. Ao ser criticada por um jornalista em sua última derrota para a tcheca Lucie Safarova, a tenista não só o fez se desculpar pelo julgamento, como também elogiou a colega pela performance e pelo mérito de estar entre as dez melhores do mundo. Em Hollywood, um grupo de executivas e atrizes, como Jessica Chastain, Penelope Cruz e Jodie Foster, criou, no ano passado, a produtora We Do It Together (Nós Fazemos Junto), que tem como missão combater estereótipos e disparidade de gênero no cinema e na TV. Na última edição do Festival de Cinema de Cannes, as representantes anunciaram seu primeiro projeto, Together Now. O trabalho vai reunir sete curtas-metragens dirigidos e protagonizados por atrizes de destaque, como Robin Wright, a Claire Underwood de House of Cards.
Alice Oliveira, especialista em marketing (Foto: Fred Othero)

Até a Casa Branca
No primeiro mandato de Barack Obama, em 2009, o ambiente predominantemente masculino estimulou as funcionárias do gabinete a driblarem a desvantagem com uma estratégia que chamaram de “amplificação”. Com o intuito de assegurar que suas ideias não fossem “roubadas” por homens, quando uma das colegas fazia uma declaração, as demais a repetiam dando o crédito à autora. O comportamento chamou a atenção do então presidente, que começou a convidar mais mulheres para as reu­niões. No segundo mandato, alguns dos cargos e departamentos mais importantes da Casa Branca passaram a ser ocupados por elas. Julianna Smoot atuou como diretora-geral-adjunta da campanha de reeleição de Obama, Susan Rice assumiu o Conselho de Segurança e Penny Pritzker foi anunciada como secretária do Comércio. “Definitivamente, é o alcance mais alto desse movimento”, disse Ann.

A primeira vez que a competitividade feminina veio à tona em discussões acadêmicas foi nos anos 70. Enquanto a Guerra do Vietnã chegava ao fim, com a derrota dos EUA, e o movimento punk emergia nas ruas de Londres, as mulheres tentavam conquistar espaço no ambiente de trabalho. Foi quando pesquisadores criaram o termo Queen Bee (Abelha Rainha) para definir aquelas que adotam uma postura masculina a fim de ascender no mundo corporativo ainda machista. Além de se isolarem, elas assumiram um comportamento agressivo contra as colegas e um desprezo absoluto pela desigualdade de gênero.

A jornalista carioca Daniela Magnani, 47, é diretora do canal GNT e foi vítima desse comportamento no início de sua bem-sucedida carreira, quando trabalhava em um jornal. Na entrevista de estágio, a editora da área a rechaçou por causa do visual de surfista. Jovem bronzeada com cabelos beijados de sol, Daniela, em suas próprias palavras, “não inspirava nenhuma confiança”. Por sorte, uma conversa informal sobre artes plásticas com uma diretora do veículo já na saída contribuiu para que conseguisse a vaga. Fora isso, já enfrentou situações veladas de machismo.

Hoje, para evitar que o mesmo aconteça com garotas que chegam à sua equipe, Daniela estimula que se posicionem sempre e sejam empáticas entre si. “Tenho notado um nível altíssimo de colaboração. É quase uma terapia coletiva. Precisamos parar de julgar umas às outras de maneira desonesta, sempre apontando defeitos físicos. Já ouvi comentários desastrosos sobre a aparência de uma funcionária que tinha acabado de voltar da licença”, diz. À frente de um time majoritariamente feminino, com 85 mulheres em um total de 110 funcionários, Daniela comanda, ao lado de outras seis gestoras, a programação do canal mais feminino e feminista da TV a cabo. “Mas não me orgulho dessa desproporção. Qualquer ambiente é melhor quando conta com um número mais equilibrado de homens e mulheres. Assim, somos obrigados a nos colocar mais no lugar do outro”, afirma. É nisso que acredita também o feminismo.

A competição feminina não nos torna melhores”
Ann Friedman, 35, jornalista

Endossando o aspecto démodé da inimizade feminina em grandes empresas, grupos de apoio formados por mulheres ganham as redes sociais. “Garotas no Poder”, “Mad Women”, “Indique uma Mina” e “Profissionais/Vagas Feministas” têm como política divulgar vagas de emprego só para elas e já somam juntos mais de 100 mil participantes no Facebook.

Focado em profissionais da área jurídica, o “Jurídico de Saias” reúne representantes do país todo em uma comunidade fechada com mil executivas. Elas se envolvem em projetos de flexibilização de jornada de trabalho, igualdade salarial, licença-paternidade, entre outros assuntos. “É um grupo informal para que as garotas da área tenham meios apropriados para crescer profissionalmente em um mercado sexista”, conta a advogada paulista Cristiane Moncau, 44, uma das “saias-fundadoras” e diretora jurídica da BMC Software. “Várias de nossas advogadas perderam oportunidade de trabalho por estarem grávidas ou tiveram problemas de recolocação após a licença­maternidade. Somos uma voz de luta nas corporações.”

A especialista em RH paulista Maria Lamin, 50, diretora de gestão de talentos dos laboratórios Sanofi, conhece de perto o drama feminino de ter que escolher entre a vida pessoal e a profissional. A dificuldade de encontrar um parceiro que entendesse suas viagens a trabalho, o alto salário e as longas jornadas atrasaram seus planos de casamento. Ela só subiu ao altar aos 42 anos – e nunca cogitou ser mãe. “Por muito tempo, achei que, se casasse ou tivesse filho, teria que parar de trabalhar. As companhias não incentivam o equilíbrio”, lamenta. Hoje, evita que outras mulheres tenham que fazer as mesmas escolhas.

Maria contratou recentemente uma gerente que pretendia engravidar em poucos meses e não pediu para que mudasse os planos. “Ela ainda está fazendo tratamento de fertilização, mas facilitamos ao máximo sua rotina. Quando precisa, faz mais de um home office por semana e trabalha em horários flexíveis”, diz. Como gestora, também contribuiu para a promoção de duas grávidas. Além disso, ajuda a organizar políticas de viagem que permitem que as recém-chegadas da licença-maternidade possam levar o filho, com as despesas custeadas pela empresa. As medidas têm ampliado o quadro de funcionárias. E, para provar que competência e desempenho independem do gênero, exige que toda disputa de vaga tenha pelo menos um homem e uma mulher como finalistas.

Cristiane Moncau, advogada  (Foto: Fred Othero)

A rival mora ao lado?
Iniciativas como as da diretora de marketing Alice Oliveira e da gestora de RH Maria Lamin não são isoladas e mostram que a Shine Theory não é apenas uma ideia. Em 2016, a consultoria Great Place to Work, que lista as melhores empresas para trabalhar no Brasil, destacou as que apresentam políticas voltadas às mulheres. Nelas, há práticas de inclusão e ascensão, comitês de debates sobre gênero e treinamento para as funcionárias. Renaissance São Paulo Hotel, Ford Credit Brasil e Banco Losango entraram na lista. O resultado da iniciativa pode ser surpreendente. O crescimento impacta no faturamento das instituições. As corporações que têm ao menos uma mulher entre os executivos lucram 44% mais, segundo estudo da consultoria McKinsey. “Por isso, as empresas precisam também se voltar à ascensão das funcionárias na hierarquia corporativa”, diz Daniela Diniz, diretora de conteúdo e eventos da GPTW.

Enquanto a participação feminina em cargos de liderança mais que dobrou (de 20% para 42%), 90% dos presidentes ainda são homens nas empresas mais cotadas. Elas chegam à base da “pirâmide corporativa”, mas demoram a alcançar o topo. É que, para assumir a função de CEO, além de enfrentar a “inimiga” que trabalha ao lado, recebem o olhar torto dos homens, que as acusam de não terem pulso firme, serem sensíveis e ausentes quando se tornam mães.

Confiante de que a igualdade de oportunidades é primordial para uma mudança de cenário, a ONU Mulheres criou a iniciativa “Por um Planeta 50-50 em 2030”. O programa convoca governos e o setor privado a fincar a bandeira da representatividade feminina de maneira equilibrada dentro das companhias. Entre os caminhos sugeridos, estão o movimento ElesPorElas, que convida homens a se engajar na luta pelos direitos das mulheres, a paridade salarial e a adoção de cotas. “Não queremos mais ser 30% do quadro de funcionários. Somos metade da população e queremos a metade de tudo”, diz Nadine Gasman, representante da ONU Mulheres no Brasil.

E você, já pensou no que fez pela colega de trabalho hoje?

Maria Lamin, gestora de RH  (Foto: Fred Othero)
Produção-executiva: Vandeca Zimmermann / Beleza: Carlos Rosa (CAPA MGT) com  produtos Nars e Nexxus

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