A narradora, Ani FaNelli, tem 28 anos, um ótimo emprego, um endereço impressionante, um corpo invejável, um noivo que é praticamente um príncipe encantado e, não podemos esquecer, uma faca na mão. Ela não consegue parar de imaginar como seria enfiar aquela lâmina forjada de níquel e aço na barriga do futuro marido, mas, para além de seus pensamentos, tudo o que faz é sorrir para o vendedor e concluir a compra em uma luxuosa loja de utensílios de cozinha nova-iorquina.
Ani, acima de tudo, sabe falar bem, se vestir bem, comer bem (e pouco, para continuar se vestindo bem, ou seja, tamanho PP), mas guarda certos segredos. Em resumo, Ani, ou melhor, TiFani FaNelli, é uma farsa – uma personagem detestável, ainda que desconfortavelmente familiar: Uma garota de muita sorte apresenta uma história envolvente que junta sarcasmo, ultraje e ternura para abordar, de maneira pouquíssimo convencional, temas como aparências, autoconhecimento e fantasmas pessoais.
No centro da trama está uma polêmica cena de estupro coletivo, que a autora revelou ter sido baseada em sua própria experiência. Em texto divulgado no site Lenny Letter, mantido por Lena Dunham, da série Girls, a autora contou que, na época da escola, foi a uma festa, flertou com um rapaz, bebeu demais e desmaiou. Acordou com um estranho entre suas pernas – e ele não era o único. Ninguém, no entanto, chamou aquilo de estupro; pelo contrário: Jessica ganhou fama de “vagabunda”. “Assim como Ani, a única forma de sobrevivência que encontrei foi rir alto dos meus estupradores, falar manso com as garotas malvadas e me dedicar a cavar meu túnel para fora dali”, escreveu.