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Por Mafoane Odara e Samira Bueno*
12 milhões de mulheres sofreram algum tipo de ofensa verbal em 2016. 5,2 milhões foram assediadas e humilhadas publicamente no transporte público. 4,4 milhões sofreram uma violência física como tapa, chute ou soco. 1,4 milhões foram espancadas ou sofreram tentativa de estrangulamento. Em 61% dos casos por conhecidos. Em 52% dos episódios nós, mulheres, não fizemos nada.
Estes dados, revelados na semana que marca a luta das mulheres pela equidade de gênero, fazem parte da pesquisa “Visível e Invisível: a Vitimização de Mulheres no Brasil”, realizada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) e pelo Instituto DataFolha com o apoio do Instituto Avon e do Governo do Canadá.
Se a desigualdade de gênero e a gramática extremamente violenta que permeiam as relações sociais no Brasil já não fossem uma mistura extremamente perversa que marca o cotidiano das mulheres, este quadro é agravado por uma variável fundamental para compreendermos os altos índices de violência contra a mulher hoje: o racismo.
Racismo este que se manifesta de forma dramática nos números de violência letal quando verificamos que as mulheres negras compõem 62% das vítimas de mortes por agressão, mas que se manifesta de diversas outras formas que se tornam visíveis a partir dos dados divulgados esta semana.
Mulheres negras foram as principais vítimas em todas as questões relacionadas a assédio no espaço público. Cerca de 43% das mulheres negras relataram que foram assediadas na rua, transporte público ou ambiente de trabalho, enquanto 35% das mulheres brancas afirmam que viveram este tipo de situação. Mulheres negras também foram mais abordadas agressivamente em festas e beijadas à força do que as mulheres brancas.
Segundo o estudo, há diferenças significativas nos índices de vitimização por agressão e por assédio entre as variáveis idade, instrução, renda familiar mensal, classe econômica, raça/cor. Quando falamos das violências mais “sutis”, como as ofensas verbais e os assédios, o índice é mais alto entre as mais jovens (70%) que entre as mais velhas (10%), entre as mais instruídas (52%) que entre as menos instruídas (21%), entre as mais ricas (52%) que entre as mais pobres (37%), entre as que pertencem às classes A/B (49%) que entre as que pertencem às classes D/E (34%), entre as negras – pardas e pretas – (45%) que entre as brancas (35%) e entre as moradoras de regiões metropolitanas (48%) que entre as moradoras do interior (35%).
Estes indicadores podem ser explicados por uma maior atenção ao tema entre mais jovens e mais instruídas, que interpretam como violência mais situações do que as mais velhas e menos escolarizadas. Mas revelam também o quão complexo são estes fenômenos e a enorme agenda em aberto que temos para as políticas públicas.
Governos, sociedade e as empresas já começaram a reconhecer que a violência contra as mulheres precisa ser tratada levando em consideração a sua complexidade. Percebemos que tivemos alguns avanços nos últimos anos, como a criação da Lei Maria da Penha. Porém, essas iniciativas ainda não são eficientes ao ponto de reverter estes dados de forma significativa e definitiva.
Mudar esta realidade só será possível quanto assumirmos a pauta do enfrentamento à violência contra a mulher em todas as instituições, promovendo políticas públicas eficientes em todas as esferas de poder, com um olhar ainda mais atento à questão racial.
Precisamos assumir que, sem uma discussão séria de raça, os índices contra as mulheres negras só aumentarão.
*Mafoane Odara é coordenado de projetos do Instituto Avon. Samira Bueno é diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
PUBLICAÇÃO ORIGINAL: Violências invisíveis: dados sobre a violência contra a mulher negra