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Machismo e desigualdade de gênero despontam nas razões para o baixo número de empreendedoras e profissionais de tecnologia
Por Maitê Borges de Oliveira
Apesar das mulheres representarem cerca de 57,1% dos estudantes entre 18 e 24 anos que frequentam o ensino superior, a presença delas é rara em áreas como ciência, tecnologia e exatas*. No entanto, no Brasil, 40% dos meninos e 50% das meninas de 15 anos esperam ter uma carreira no campo da ciência ou da engenharia**. Os dados mostram que a discrepância entre o número de homens e mulheres na tecnologia não é uma questão de preferência.
Uma explicação para esse cenário são os papeis sociais de gênero impostos pela sociedade a meninos e meninas, desde a infância. Quando dizemos sociedade, não responsabilizamos apenas a família, mas escola, espaços de convivência, mídia, livros, qualquer outra coisa que possa reforçar estereótipos.
Enquanto meninas brincam com bonecas, panelas, fogão, simuladores de vida doméstica e atividades relacionadas ao “cuidar”, meninos tem brincam de fazer, conquistar. Como, no futuro, a criança pode se interessar por algo que não foi incentivada?
Pensando nessa realidade, que é apenas o começo dessa história, nasce a necessidade de discutir a participação da mulher na tecnologia. Na VI Virada Empreendedora, no palco da Arena Inspiração, quatro mulheres ativistas da tecnologia e vencedoras do último Prêmio Mulheres Tech Em Sampa*** debateram sobre a necessidade de ocupar esses espaços. Todas elas fazem parte de projetos que instigam mulheres a entrarem e protagonizarem a área tecnológica.
São elas: Vanessa Tonini, do MariaLab – um hackerspace de discussões sobre o tema; Iana Chan, do PrograMaria – grupo de aprendizado sobre programação; Ariane Parra, do Women Up Games – projeto que conecta e oferece suporte a mulheres no mundo dos games; e Pat Simões, do PyLadies – uma comunidade sobre programação e linguagem Python.
Durante o painel, a questão dos papeis de gênero esteve presente do começo ao fim. Pat conta que uma das mulheres do PyLadies tem conflitos com a família por ter ingressado na profissão de programadora e lutar pela causa da mulher na tecnologia. Por essa razão, afirma que é importante dar apoio: “questão é dar exemplos, então eu consegui, você pode também, vem comigo, vamos juntas”.
Para Iana, o estigma de que mulheres não são capazes de realizar determinada tarefa é originado na infância. “Quando a gente fala que quer incluir mais mulheres na tecnologia, a gente ouve ‘ah, mas mulher não se interessa muito por essas coisas, não é?’ Mas se você for ver, nós ganhamos bonecas, panelinhas, casinhas, quando pequenas. Enquanto nossos irmãos ganham videogames, jogos de raciocínio, etc”, afirma.
De fato, o contexto gera insegurança. Dados colhidos na Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (Obmep) mostram que, até certa idade, o desempenho em matemática das meninas participantes é igual ou até mesmo superior aos meninos. A virada no desempenho nas áreas de exatas acontece por volta da puberdade, quando há perda de interesse por essas disciplinas, o que poderia ser diferente se houvesse igual incentivo entre os gêneros.
O debate alertou para outro ponto: o número de mulheres na tecnologia tem diminuído. Estima-se que nos anos 80, elas representavam 40% do mercado de trabalho. Hoje são apenas 20%. A situação se torna alarmante se atrelada a outro fator: segundo o Code.org, empregos na área de computação irão dobrar até 2020, chegando a 1,4 milhão. Se as mulheres continuarem deixando a área, uma carência já urgentemente de trabalhadores qualificados em tecnologia irá piorar.
Um dos motivos apontados para o abandono da área é o machismo no meio de trabalho. Por serem minoria nas salas de aula e ambientes de trabalho, é comum que mulheres se sintam deslocadas, como se não pertencessem a tal lugar. Entre Iana, Ariane, Pat e Vanessa a denúncia é unânime: a maioria das mulheres tem imensa dificuldade em serem reconhecidas pelo trabalho. Ou precisam trabalhar o dobro que os colegas para serem notadas, ou são tratadas com descrédito, excluídas de conversas. É comum atrelar o sucesso, ou promoção de cargo de uma mulher como resultado de envolvimento sexual com chefes, por exemplo.
Em entrevista à revista Exame, Tracy Chou, engenheira no Pinterest, disse que já foi demitida de uma startup porque seu chefe achou que um novo contratado do sexo masculino era mais qualificado. Quando Chou pediu por uma explicação, ele disse: “É apenas um sentimento que eu tenho de que esta pessoa será capaz de fazer outras coisas mais rápido do que você”.
“O padrão contínuo de todas essas pessoas me tratando como se eu não soubesse o que estava acontecendo, ou me excluindo de conversas e não confiando em minhas afirmações, todas essas coisas somadas e pareceu que havia uma corrente de sexismo”, disse ela.
Diante da exposição de tantas barreiras enfrentadas por mulheres que ousam desafiar o que a sociedade espera delas, ficou a seguinte reflexão ao final do debate: Quantos sonhos estão deixando de ser vividos por conta da carga cultural, o machismo?
Não limitar mulheres é uma luta que deve ser constante. Pat Simões encerra convidando todas ao enfrentamento: “A melhor defesa que você pode ter é se capacitar. É a melhor resposta a um machista. Se ele diz que você não pode, não consegue, vai lá e faça!
* Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio – PNAD
**De acordo com estudos da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico – OCDE
***Prêmio realizado pela Google, Prefeitura Municipal de São Paulo e Rede Mulher Empreendedora, com objetivo de fomentar o protegonismo das mulheres no empreendedorismo e tecnologia.
Publicação Original: Uma discussão sobre a mulher na tecnologia