Saiu no ESTADÃO
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Seu parceiro se desculpa e diz que o comportamento nocivo não acontecerá novamente, mas você teme que aconteça. Às vezes você se pergunta se está imaginando o abuso, embora a dor emocional e física que sente é real. Se isso lhe parece familiar, você provavelmente está enfrentando um caso de violência doméstica.
Não faz muito tempo que as pessoas acreditavam que a violência doméstica devia ser tratada dentro da família e fora do sistema de Justiça Criminal. Felizmente, percorremos um longo caminho. E hoje, 15 anos após a criação da Lei nº 11.340/2006, popularmente conhecida como Maria da Penha, vemos respostas ao árduo trabalho de órgãos e instituições contra um crime de gênero profundamente enraizado na sociedade.
O primeiro passo para erradicar a violência de gênero é aprender a detectá-la. Sendo de vital importância conhecer seus mecanismos, já que ela inicialmente se manifesta como uma agressão verbal, e as consequências psicológicas desse ato são as mesmas e até mesmo mais graves que as do abuso físico.
E agora, as mulheres vítimas de violência doméstica têm um novo ponto de apoio. Trata-se dos mais de 13 mil cartórios brasileiros que, em outubro, passaram a integrar a campanha nacional Sinal Vermelho.
A ideia central da campanha Sinal Vermelho é que a mulher consiga pedir ajuda aos notários com um x desenhado na palma da mão, feito preferencialmente na cor vermelha, para clara comunicação do pedido. Ao verem o sinal, imediatamente acionam as autoridades policiais.
A adesão dos cartórios acontece num contexto de agravamento dos números desde o início da pandemia. Segundo dados divulgados pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), mais de 17 milhões de mulheres sofreram violência física, psicológica ou sexual entre agosto de 2020 e julho de 2021, número que representa 24,4% da população feminina com mais de 16 anos que reside no Brasil.
De acordo com o Dossiê Mulher 2021, relatório do Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro, 98 mil mulheres foram vítimas de violência doméstica e familiar no ano passado no Rio de Janeiro. São 270 casos por dia, ou 11 vítimas por hora. Deste total, 78 foram vítimas de feminicídio e cerca de 20% dos casos foram presenciados pelos filhos.
Ao buscar por ajuda, muitas vezes, a vítima é desacreditada. É por isso que uma rede de apoio formada por profissionais públicos do Judiciário, saúde e assistência social têm um papel muito importante a desempenhar no atendimento às vítimas, e posteriormente, encaminhá-las para a realização da denúncia e pedido de proteção.
Nesse cenário, a inclusão dos notários e registradores nessa luta tem, portanto, uma função disruptiva na sociedade brasileira. Embora o trabalho de acolhimento seja um desafio para eles que diariamente, por meio da fé pública, já conferem a segurança necessária em diversos atos.
Mas é natural a inserção do segmento extrajudicial, e tardia, visto que há anos os cartórios têm contribuído promovendo a desjudicialização e prestando informações a órgãos reguladores como o Conselho de Controle das Atividades Financeiras – Coaf, para a prevenção dos crimes de lavagem de dinheiro e do financiamento ao terrorismo.
Apesar de avanços na legislação, o combate à violência contra a mulher no Brasil ainda tem um longo caminho pela frente. A julgar pelas estatísticas, o número de agressões escancara mais um lado sombrio desta pandemia. É urgente que sejam desenhadas medidas voltadas para a prevenção de qualquer tipo de abuso: físicos, psicológicos, patrimoniais, sexuais, dentre outros.
É motivo de grande orgulho para os cartórios fazer parte desse movimento e poder contribuir com ações destinadas ao acolhimento das vítimas e, como consequência, com a punição dos agressores.
*Michelle Novaes, tabeliã substituta e CEO do 15.º Ofício de Notas