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Mulheres ritmistas discutem machismo e racismo no Carnaval

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A polêmica se espalhou como pólvora e esvaziou a discussão: banir, proibir e censurar foram promovidos a verbos da moda, ao lado das expressões mimimi, vitimismo e politicamente correto. Mas se o Carnaval carioca este ano intensificou a discussão – que já existia – sobre retirar ou não músicas consideradas preconceituosas de seu repertório foi porque algumas mulheres ritmistas se sentiram ofendidas e se manifestaram, mas continuaram ignoradas. O principal episódio da discórdia, na abertura não oficial da folia, apenas tornou público que racismo e machismo ainda são temas delicados até mesmo entre quem faz a festa.

“Acho uma ação completamente desproporcional e injusta dizer que estamos censurando alguma coisa. A conversa tem sido para buscar exatamente uma reflexão sobre de onde vieram essas marchinhas. Era uma época muito mais racista e homofóbica. A gente quer mesmo continuar reproduzindo essas falas? Essa insistência em tocar músicas com as quais pessoas dizem se sentir ofendidas para mim demonstra que muita gente não está disposta a repensar suas atitudes enquanto seres humanos inseridos e atuantes em uma sociedade”, afirma Marina Maia, 30, que toca em blocos como Afrojazz, Orquestra Voadora e Agytoê.

Rennan Luiz/Divulgação
A percussionista Ju Storinoimagem: Rennan Luiz/Divulgação

“Baile de Favela” já foi a bola da vez entre os ritmistas do Boi Tolo, como conta a percussionista Ju Storino, 32, que este ano desfila na Orquestra, no Maracutaia e no novato To Be Wild e é integrante do coletivo Todas por Todas. Ano passado, ela questionou a letra do funk de MC João e teve que aguentar o deboche de alguns homens.

“Onde está a voz da mulher no Carnaval? Sim, essa discussão é muito importante, a gente não deve continuar reproduzindo algo que é ofensivo, opressor, em nome de uma tradição. Nem toda tradição é boa. A gente está no comecinho da luta ainda, mas vai conseguir chegar lá. Estamos em 2017, não tem necessidade de bater na mesma tecla ainda”, opina.

Segundo ela, mesmo uma discussão prévia – e um aparente consenso – não significam que uma música será retirada do repertório, pela própria estrutura dos blocos, onde cada um chega com seu instrumento e acaba alterando a programação de última hora. “Quem toca instrumento de sopro acaba tendo mais força nessa hora. Estou juntando grana pra ver se compro um sax. Não dá para continuar sendo uma hegemonia masculina”, diz.

Simone Regina, 34, percussionista no Carnaval há cinco e participante do grupo feminista Mulherame, lembra que muita gente nem para para pensar no conteúdo dessas músicas populares. Para ela, o debate pode servir para quebrar estereótipos.

PH de Noronha/Divulgação
A percussionista Simone Reginaimagem: PH de Noronha/Divulgação

“Há cinco anos eu tocava e parei para pensar. Não acho legal. Alguns amigos gays se incomodam com “Cabeleira do Zezé”, outros não. Na dúvida, prefiro não tocar. ‘O teu Cabelo’ é racista explicitamente, diz que ‘a cor não pega, mulata’ como se ser preto fosse doença. E o termo mulata é ofensivo, pela etimologia e por significar uma negra hiperssexualizada. O racismo e o machismo acontecem em vários níveis, mas está o tempo inteiro na sociedade. Enquanto a gente achar que a mulher negra tem que ficar rebolando a gente não vai acabar com o racismo nunca”, afirma ela, que toca no Boi Tolo, na Orquestra Voadora e no Surdos e Mundos.

Blocos exclusivamente femininos, como o Mulheres de Chico, vão ganhar reforço esse ano, como o Maria Vem com as Outras. Mas as mulheres têm ocupado seu espaço na festa mesmo em blocos mistos, em lideranças em grupos como o Vem Cá Minha Flor e o Multibloco. Mas se engana quem pensa que machismo é algo que deixou de existir no meio.

“Eu acho que a gente tem conquistado muito mais espaço hoje em dia. Conseguimos, principalmente nós negras, sair do lugar majoritário de dançarinas para irmos para trás dos instrumentos. Somos muito bem tratadas, mas ouço coisas como ‘agogô é mais fácil, é de mulher’, o mesmo pra xequerê. Também ouço pessoas me pedindo pra sambar, machismo e racismo juntos”, diz Marina, que também sai esse ano no Maria Vem com as Outras.

“Muitas pessoas falaram para a gente que não precisava fazer um bloco sem homem, que é exclusão. Sem homens consideram feninismo radical, sem mulher consideram natural. Ninguém para pra pensar de onde vem isso”, afirma.

Caio Souza/divulgação
Patrícia Santos toca xequerêimagem: Caio Souza/divulgação

Além de tocar xequerê em blocos como Fanfarra Black Club e Orquestra, Patrícia Santos, 42, também é uma das responsáveis pelos arranjos e repertório do Mulheres Rodadas, majoritariamente feminino. Ela explica que “Tropicália”, de Caetano Veloso, foi mantida no repertório depois de um debate interno, em que o grupo concordou que o termo mulata, apesar de pejorativo, não era o objeto principal da letra.

“A grande maioria das pessoas acha que Carnaval é apenas uma festa, que pode tudo. Não, é uma festa política, a gente faz política nas fantasias, nos cartazes, nas manifestações, nos blocos feministas É importante essa reflexão. E não vai ser nesse Carnaval que a gente vai chegar a um consenso. É uma conversa que vai durar anos”, aposta.

 

 

Publicação Original: Mulheres ritmistas discutem machismo e racismo no Carnaval

 

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