Saiu no site G1:
Uma estudante de escola pública de Ribeirão Preto alcançou a nota mais alta da Fuvest no curso mais concorrido do vestibular 2017 da Universidade de São Paulo (USP): o de medicina no campus de Ribeirão Preto. Bruna Sena, de 17 anos, estudou a vida inteira na rede pública e superou 6,8 mil candidatos que disputaram as 90 vagas de graduação, ficando em 1° lugar. A assessoria de imprensa da USP em Ribeirão Preto (SP) confirmou a colocação da candidata. Com a aprovação, ela se tornou a primeira pessoa de sua família a ingressar no ensino superior.
de 17 anos (Foto: Reprodução / EPTV)
Um artigo publicado no site da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) menciona o primeiro lugar de Bruna.
A concorrência para o curso de medicina na USP Ribeirão foi de 75,58 candidatos por vaga, uma disputa que tem se tornado cada ano mais acirrada, depois que a Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto aderiu parcialmente ao Sistema de Seleção Unificada (Sisu). Há dois anos, a concorrência foi de 50,51 candidatos por vaga.
De família pobre, Bruna dedicou quase todos os seus dias no ano passado para se preparar para essa disputa: pela manhã, ela cursou o terceiro ano do ensino médio na Escola Estadual Alberto Santos Dumont, localizada no Sumarezinho, bairro de classe média de Ribeirão Preto. Durante a tarde, estudava sozinha. À noite, frequentava diariamente o cursinho popular PET-Medicina, iniciativa dos estudantes de medicina da USP na cidade, que dão aulas voluntariamente a estudantes de baixa renda.
Desde o início do ensino médio, Bruna tinha como objetivo passar na Fuvest, mas ela diz que se surpreendeu ao descobrir que conseguiu alcançar o sonho na primeira tentativa. Ela participou do Inclusp, o programa de inclusão social da USP, que oferece pontuação extra para estudantes da rede pública.
A iniciativa tem como objetivo incentivar que mais estudantes de escolas públicas se inscrevam na Fuvest, e ampliar a diversidade entre os estudantes de graduação. Em 2016, de todos os calouros matriculados na USP, 57,7% eram homens, 76,4% eram brancos e 63,3% tinham feito todo o ensino médio em uma escola particular. Bruna representa a minoria nos três casos.
“Não foi fácil, mas eu tive ajuda de muita gente. Minha mãe me ajudou, minha família e também o meu cursinho popular. Foi por isso que eu obtive a minha aprovação, além do meu esforço”, afirma a mais nova caloura da USP.
VEJA OS BÔNUS PARA ALUNOS DA REDE PÚBLICA | |
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Tipo de bônus | Valor |
Para quem fez o ensino médio na rede pública | 12% |
Para quem fez o ensino fundamental e médio na rede pública | 15% |
Para quem participa do Pasusp (aluno que fez o ensino fundamental na rede pública e que ainda cursa o 2º ou 3º ano em escola pública) | 20% |
Para quem fez o ensino fundamental e médio na rede pública e se declara preto, parto ou indígena | 5% |
Incentivo à inclusão
Pelo Inclusp, a estudante recebeu bônus tanto na primeira fase, que tem uma prova de 90 questões de múltipla escolha, e foi aplicada em novembro, quanto na segunda fase, onde os candidatos enfrentam três dias de provas com questões dissertativas, incluindo uma redação.
“Tive pontuação acrescida tanto na primeira quanto na segunda fase. Na verdade eu não me lembro como fiquei sabendo, mas acho que foi porque fui pesquisando mesmo porque eu sempre quis a USP, tanto que fiz a Fuvest no segundo ano e no terceiro [do ensino médio] e por isso tive um acréscimo”, explica Bruna.
Desde 2014, a USP dá bônus de 15% na nota final para todos os alunos que fizeram o ensino fundamental todo na rede pública, e fazem ou estão fazendo o ensino médio em escolas públicas (no caso de quem só fez o ensino médio na rede pública, o bônus é de 12%). Para isso, é preciso ter no mínimo 27 acertos na primeira fase. Candidatos que participam também do Programa de Avaliação Seriada (Pasusp) têm direito a 20% de bônus: nesse caso, é preciso ter cursado o ensino fundamental na rede pública e ainda estar cursando o ensino médio em escola pública, além de fazer a Fuvest em dois anos seguidos, no segundo e no terceiro do ensino médio. Já os candidatos pretos, pardos e indígenas que cursaram ensino fundamental e médio em escola pública recebem ainda 5% de bônus adicional (neste caso, o bônus pode chegar a um teto de 25%).
(Foto: Bruna Sena/Arquivo Pessoal)
Surpresa
Apesar de ter superado todos os concorrentes, Bruna diz que não se deu conta que havia obtido a primeira colocação geral até dias depois das notas terem sido divulgadas e de ter sido recebida pelos veteranos da medicina.
“Foi uma corrente do bem. No primeiro dia saiu a lista e depois vinha a opção de olhar o desempenho. No primeiro dia eu apenas olhei e só dois dias depois, quando fui ver a classificação, que notei que tinha sido a primeira. Eu bati o olho, mas não tinha me tocado.”
Agora, Bruna diz que deverá efetuar sua matrícula já nesta primeira semana. Ela diz que a família não poderia estar mais orgulhosa e espera que organizem uma festa para celebrar sua conquista, afinal de contas, ela é a primeira pessoa da família que irá cursar o ensino superior.
“Não achei nem que fosse passar da primeira fase, te juro. Minha mãe, coitada, não acreditou. Sou a primeira da família a fazer faculdade e não sei se vão fazer alguma comemoração aqui em casa, mas espero que sim”, explica aos risos.
na USP (Foto: Bruna Sena / Arquivo Pessoal)
Sem Sisu
Apesar de se encaixar nos requisitos, a estudante explica que não tentou se inscrever no Sisu porque afirma que não se saiu bem na prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2016.
“Com minha nota não dava pra passar em medicina porque no Enem eu realmente não fui muito bem. Treinei mais pra Fuvest porque o estilo das questões é muito diferente. Ambos tem prós e contras, o Enem é uma prova muito cansativa, são dois dias e a pessoa tem que fazer muito rápido. A maioria das universidades dão peso maior para redação e matemática, e ambas são no mesmo dia então é mais difícil, cansativo. A Fuvest é um vestibular muito tradicional e você pega o jeito de fazer”, conta.
Escolha
Bruna diz que a admiração e eventual escolha por prestar medicina foi algo que ocorreu com o tempo e contato que ela mantinha com estudantes da área. Mas, para ela, prestar Fuvest e entrar na USP sempre foram seus principais objetivos há muito tempo.
“Eu comecei a querer medicina no começo do ano passado. Fui pegando admiração porque, como fiz um cursinho que funciona dentro da faculdade de medicina, a gente via os alunos, já que eles eram os professores, e fiquei admirada, mas sempre tive a ideia de prestar Fuvest, era meu foco desde o primeiro ano do ensino médio”, diz.
Apesar disso, ela afirma que ainda não sabe em qual área deverá se especializar e conta que a decisão deverá ser tomada com o passar dos anos dentro do curso com o auxílio de professores e após ter contato com todas as áreas possíveis. “Ainda não sei no que vou me especializar, não tenho a menor noção. Primeiro vou fazer a matrícula on-line agora no dia 6, e só me apresentarei depois, no dia 13.”
2016 (Foto: Isabela Veloso/Arquivo Pessoal)
Preocupação
Apesar de estar feliz com a aprovação e a realização do sonho de estudar na USP, Bruna confessa que está um pouco preocupada com eventuais casos de preconceito e possíveis assédios. Negra e vinda de família pobre, ela afirma que já pensou sobre o assunto, mas diz que o primeiro contato com veteranos do curso foi animador. Ela diz ter sido recebida com muita simpatia – e tinta.
“Eu fico um pouco preocupada, mas muitos veteranos falaram comigo e me disseram que se acontecer alguma coisa eu posso falar, denunciar. Tem o disque trote que podemos ligar e dizer se algo ocorrer. Fico um pouco preocupada, mas, pelo que vi, o pessoal é bem legal.”
Em junho do ano passado, alunas da USP de Ribeirão Preto relataram casos de machismo e assédio de professores na instituição. Após os episódios, elas chegaram a criar no Facebook a página ‘Juntas Resistimos na FEA-RP’, que acumula milhares de seguidores e espalha pelas redes sociais a hashtag ‘meu professor feano’, com denúncias anônimas contra os docentes. Já em novembro de 2014, a bateria da medicina da USP de Ribeirão Preto foi acusada de racismo por causa de um hino que foi entoado e divulgado no mesmo ano em um manual para calouros da medicina, juntamente com camisetas da atlética do curso.
“O pessoal que conheci ao menos é legal, parece que a maioria, mas pode ser que tenha uma minoria que talvez pegue no pé”, conclui Bruna.