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‘Mary Tyler Moore Show’ foi um laboratório para questões sociais

Saiu no site Folha de S. Paulo: 

“Ela precisa fazer sexo”.

Susan Silver diz que essa foi uma de suas principais contribuições como redatora para o “Mary Tyler Moore Show”. Anos antes, interpretando Laura Petrie, uma jovem e muito querida dona de casa, Moore e seu marido na TV, Dick Van Dyke, haviam se visto forçados a dormir em camas separadas. Mas os anos 1970 haviam chegado. Até mesmo as boas meninas faziam sexo. Silver e as outras mulheres que escreviam para o “Mary Tyler Moore Show” faziam questão disso.

Nas palavras do novo personagem de Moore, Mary Richards, uma jovem solteira e concentrada em avançar em sua carreira, “não sou inocente. Já circulei bastante. Bem, posso não ter circulado tanto assim. Mas passei perto”.

Silver diz que não havia uma agenda feminista específica na concepção da série. Mas o número de mulheres em sua equipe de redatores era incomum —bem mais de uma dúzia nas sete temporadas da série, iniciadas em 1970. E elas eram encorajadas, diz Silver, a escrever com base em suas experiências e a permitir que o protofeminismo de Mary Richards emergisse “organicamente”.

Isso fez do “Mary Tyler Moore Show” um laboratório para as questões sociais da época, que em alguns casos estavam sendo refletidas pela primeira vez em um programa de TV veiculado no horário nobre. Sexo, anticoncepcionais, igualdade de salário, sexismo no local de trabalho, homossexualidade —todos esses temas encontraram espaço na série, e não de um ponto de vista moralista, mas sim do ponto de vista de uma “garota” capaz de fazer o mundo girar com o seu sorriso.
Eis como esses momentos transcorreram:

“ACHEI QUE CONTRATARIA UM HOMEM PARA O CARGO”
Quando Lou Grant (Ed Asner) entrevista Mary Richards para o posto de produtora associada na redação jornalística televisiva que ele comanda em Minneapolis, faz perguntas que mulheres ouvem frequentemente no trabalho mas não são necessariamente legais. Quantos anos você tem? Você é casada? Divorciada? Qual é sua religião? Ela reclama das perguntas, mas as responde mesmo assim, no primeiro episódio da série.

SIM, A SENHORITA RICHARDS FAZ SEXO
O assunto não era mostrado explicitamente, mas Mary Richards dormia com seus namorados. Uma jornalista de Chicago comentou, na época, que Mary, que tinha 30 anos quando a série começou, “não faz sexo suficiente”, conta Silver, e por isso, na terceira temporada, Silver escreveu um episódio no qual Mary pergunta à sua amiga Rhoda se ela pensa isso.
Alguns episódios mais tarde, Mary sai para um encontro e volta para casa na manhã seguinte usando a mesma roupa. “Homens de todo o país escreveram desesperados para a série, lamentando a traição de sua confiança e admiração”, escreveu Jennifer Keishin Armstrong em “Mary and Lou and Rhoda and Ted: And All the Brilliant Minds That Made ‘The Mary Tyler Moore Show’ a Classic”, seu livro sobre a série.

O CARA COM QUEM RHODA VAI SAIR É GAY
A terceira temporada quebrou mais um tabu, e novamente de maneira descomplicada. Phyllis (Cloris Leachman), amiga de Mary, tenta aproximá-la de seu irmão, mas o irmão (Robert Moore) se interessa mais pela arquirrival de Phyllis, Rhoda (Valerie Harper).; Phyllis fica furiosa com a situação, até que Rhoda a acalma dizendo que “ele não é meu tipo”, apesar do ceticismo de Phyllis. Rhoda insiste: “Estou falando sério. Ele é gay”. O ator Robert Moore era gay, e apoiou a decisão, tomada já tarde no processo de produção, de revelar a preferência sexual do personagem, conta Armstrong em seu livro, especialmente porque o alvo da piada era sua desavisada irmã televisiva.

MARY USA A PÍLULA
Será que a pílula anticoncepcional foi mencionada em algum programa de TV antes do “Mary Tyler Moore Show”? Se foi, o momento se perdeu na história. Em um episódio, o pai de Mary, que está um tanto perdido depois de se aposentar, visita a filha para um jantar no apartamento dela. A mãe de Mary, saindo de cena, se volta para eles da porta e diz “não se esqueça de tomar a pílula!” “Não vou esquecer”, respondem pai e filha em uníssono, e um close revela a expressão de culpa risonha no rosto de Mary.
A pílula anticoncepcional obteve aprovação federal em 1960, mas foi só em 1972, o ano daquele episódio, que a Suprema Corte decidiu que era legal vendê-la a mulheres solteiras. E Mary passou as sete temporadas do programa solteira. As esperanças iniciais de fazer com que a personagem já começasse a série divorciada foram instantaneamente repelidas por executivos medrosos.

SALÁRIO IGUAL POR TRABALHO IGUAL
“Antes eu achava que simplesmente podia ser eu mesma. Agora sei que represento todas as mulheres”. A terceira temporada começa com Mary fofocando com Rhoda enquanto se prepara para uma reunião na estação de TV. Ela odeia que o diretor da estação entre em sua sala conduzindo grupos de visitantes e diga “essa é a nossa executiva mulher”. A raiva se agrava quando ela descobre que ganha US$ 50 a menos por semana do que o homem a quem substituiu. Mary confronta Lou, e pergunta o motivo. “Porque ele é homem”, Lou responde.

ANTES DE MARY USAR TERNINHOS, LAURA USAVA CALÇAS
O “Dick Van Dyke Show” saiu do ar quatro anos antes da estreia do “Mary Tyler Moore Show”, ainda que os dois programas parecessem separados por toda uma era. Moore também criou precedentes no programa anterior, no entanto. Quando um roteiro pedia que ela limpasse a casa usando saia e saltos altos, a atriz bateu o pé (em sapatilhas) e vestiu calças capri. “Os homens que nos assistiram me absolveram”, ela disse à revista “TV Guide” alguns anos atrás, “e as mulheres soltaram um suspiro de alívio, porque era aquilo mesmo que elas vestiam para fazer faxina”.

 

 

Publicação Original: ‘Mary Tyler Moore Show’ foi um laboratório para questões sociais

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