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SÃO PAULO – O quadro econômico de 2020 gerou uma piora no mercado de trabalho brasileiro – e impactou as mulheres com mais força. O percentual de mulheres que estavam trabalhando ficou em 45,8% no terceiro trimestre de 2020, segundo os dados mais recentes do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). O nível mais baixo desde 1990, quando a taxa ficou em 44,2%.
O InfoMoney conversou com economistas e especialistas em desigualdade de gênero para mostrar os principais pontos que fizeram com que a participação das mulheres atingisse o pior nível dos últimos 30 anos – e quais as alternativas para reverter esse quadro no mercado de trabalho.
Problema social, agravado pela pandemia
A desigualdade de gênero precede a pandemia de Covid-19. Os especialistas ouvidos pelo InfoMoney explicam que a chegada da pandemia apenas aprofundou um problema social já existente.
“O problema da desigualdade de gênero é estrutural. Temos toda uma construção histórica e social que permitiu e reforçou uma desigualdade no tratamento entre homens e mulheres. No Brasil, por exemplo, as mulheres passaram a votar somente em 1932. Até meados dá década de 60, as mulheres casadas precisavam da autorização legal do marido para participar do mercado de trabalho. Só em 1988, a Constituição mudou a lei e consagrou a igualdade entre homens e mulheres. Ainda assim, a desigualdade segue presente”, pontua Regina Madalozzo, professora do Insper e pesquisadora na área de economia do trabalho com foco no mercado de trabalho para as mulheres.
“Temos uma construção social de que o homem é responsável pelo provento e a mulher pelo cuidado. Existe a ideia de que mulheres não vão conseguir focar no trabalho corporativo, porque não podem ser, ao mesmo tempo, boas executivas e boas mães. O que não é verdade, se a gente viver em uma sociedade com equilíbrio de gênero em oportunidades empresariais e em cuidados com a casa, os filhos e pais idosos”, acrescenta Ana Fontes, fundadora da Rede Mulher Empreendedora.
Mesmo sendo um problema histórico, a situação das mulheres no mercado de trabalho piorou especialmente ao longo de 2020.
Ao comparar o terceiro trimestre de 2020 com o mesmo período de 2019, a queda na parcela de mulheres que estavam no mercado de trabalho foi de 7,5 pontos percentuais (de 53,3% para 45,8%). O retrocesso foi menor entre os homens, de 6,1 pontos percentuais (de 71,8% para 65,7%).
Para Raquel Azevedo, sócia e líder de Diversidade & Inclusão da consultoria Falconi, todas as dificuldades que o Brasil já tinha para alcançar a equidade de gênero no mercado de trabalho foram expostas e aprofundadas pela pandemia.
“A desigualdade já era realidade. A mulher era mãe, dona de casa, profissional e tinha que dar conta de todas as atividades. Mas, com a pandemia, a situação de muitas mulheres ficou inconciliável. Como manter a produtividade no trabalho, ou mesmo manter o emprego, em meio ao isolamento social com as crianças integralmente em casa, sem a ajuda do parceiro? Historicamente, se alguém precisa abrir mão de um trabalho para se dedicar à casa, será a mulher e não o homem. Então, muitas deixaram o trabalho por não conseguir administrar tudo em meio à pandemia. O gap que já tínhamos ficou abissal”, afirma Raquel.
Para entender os efeitos da pandemia na participação das mulheres no mercado de trabalho, é preciso compreender como a taxa de participação é calculada. Jefferson Mariano, analista socioeconômico do IBGE, explica que a conta é feita da seguinte maneira: o número de mulheres inseridas no mercado de trabalho (com 14 anos ou mais) dividido pelo número total de pessoas do sexo feminino (também com 14 anos ou mais) vezes 100.
“A taxa de participação apresentou queda porque o número de mulheres inseridas no mercado de trabalho caiu, principalmente devido aos efeitos causados pela pandemia”, explica Mariano. Vale lembrar que os dados do Ipea são baseados na Pnad Contínua, pesquisa do IBGE que aborda o mercado de trabalho.
Por que mais mulheres saíram do mercado?
Os especialistas elencaram alguns motivos que levaram à menor da presença das mulheres no mercado de trabalho.
Lucas Assis, economista da consultoria Tendências, afirma que a segregação ocupacional ficou ainda mais evidente porque as atividades que geralmente são ocupadas por mulheres foram mais afetadas na pandemia. “Entre esses empregos estão serviços domésticos, comércio e serviços, por exemplo. Já atividades que majoritariamente são ocupadas por homens, como a construção civil, foram muito mais resilientes durante 2020”, diz o economista.
Regina, do Insper, acrescenta que a segregação ocupacional também é um problema estrutural. “Essa divisão nas áreas de atuação foi incentivada no passado e ainda hoje coloca as pessoas em caixas. Há muito mais mulheres em salões de beleza, como cabelereiras e manicures; nas áreas de limpeza doméstica e de empresas; no turismo; e em comércios e serviços em geral. Os homens representam muito pouco da força de trabalho nesses segmentos”, diz.
Segundo dados do Ipea, as categorias em que há mais mulheres trabalhando foram as que mais perderam população ocupada. Em alojamento e alimentação, categoria em que 58,3% dos profissionais são mulheres, a queda foi de 51%. Nos serviços domésticos, em que 85,7% dos profissionais ocupados são mulheres, a queda foi de 46,2%. Em educação, saúde e serviços sociais, a queda foi de 33,4%. 76,4% dos profissionais da área são mulheres.