Saiu no O GLOBO.
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O assassinato brutal da juíza Viviane Vieira do Amaral pelo ex-marido, o engenheiro Paulo José Arronenzi, chamou atenção pela brutalidade: inconformado com o divórcio, Arronenzi desferiu 16 facadas nela diante das três filhas que vinham passar com ele a noite de Natal. Tristemente, não se trata de caso isolado.
Tipificado como crime por uma lei de 2015, o feminicídio registra mais casos a cada ano: 929 em 2016, 1.075 em 2017, 1.229 em 2018 e 1.326 no ano passado, de acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. De 13,5% do total de homicídios cujas vítimas são mulheres, passaram a 35,5%.
É verdade que há um tanto de ilusão estatística nesses números, pois o número total de homicídios de mulheres caiu em proporção à população (entre 2015 e 2019, de 4,6 para 3,5 por 100 mil). Mesmo assim, ainda que os crimes tenham apenas passado a ser classificados corretamente, os dados revelam uma realidade inaceitável, tornada ainda mais grave pela pandemia.
Neste ano, simultaneamente a um aumento nas ligações telefônicas denunciando violência doméstica, houve queda nos registros policiais de ameaças, lesões corporais e estupros. É como se, nas quarentenas, muitas mulheres tivessem passado a viver como reféns daqueles com quem se viram forçadas a conviver. Sofrem a violência, mas se veem impossibilitadas de recorrer aos mecanismos para coibi-la.
Em comparação com outros países, o Brasil dispõe de legislação avançada no tocante à violência contra mulheres. As delegacias especiais (1985), a Lei Maria da Penha (2006) e a própria tipificação do feminicídio (2015) demonstram que muita coisa mudou desde o infame caso em que Doca Street foi absolvido do assassinato da socialite Ângela Diniz sob o argumento estapafúrdio da “legítima defesa da honra”.
Mesmo assim, o machismo persiste. Dias atrás um juiz de família afirmou não estar “nem aí” para a Lei Maria da Penha. Mais que as estatísticas, esse tipo de atitude demonstra não se tratar de uma batalha legal ou jurídica. A violência contra a mulher é a expressão de uma estrutura desigual há gerações.
O desafio de reeducar homens e mulheres criados na cultura machista não será vencido apenas por meio da revolta nas redes sociais ou da ação militante. É preciso, antes de tudo, fazer cumprir a lei: quem mata uma mãe diante das filhas deve ser punido com rigor, ao mesmo tempo que se trata da saúde psíquica das meninas.
Além disso, é necessário criar mecanismos que respondam com rapidez às denúncias, amparem as mulheres na necessidade e detenham homens violentos antes dos crimes. Por fim, é essencial promover a cultura de igualdade para que, quando não houver amor, prevaleça o convívio civilizado.