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Esta reflexão sociológica surge como tentativa de análise sobre uma das consequências contemporâneas do racismo que é a constituição do fenômeno social “cara gente branca¹”, um conceito histórico e sociológico que se tornou popularmente conhecido no Brasil, através das práxis políticas de parcela dos movimentos negros – enquanto uma provocação ao nosso racismo histórico-cultural e estrutural – ao desenvolver uma análise, um olhar crítico, de um grupo social-racialmente inferiorizado em relação, numa perspectiva dialética, ao seu grupo étnico-racial e social opressor, o que demonstra uma forma de se buscar compreender e problematizar as características de exceções e discriminações que caracterizam as ditas sociedades ocidentais por uma perspectiva que privilegia o ponto de vista, as referências e perspectivas daqueles que tradicionalmente nunca tiveram voz.
Para uma melhor definição de nossa análise, aqui será discutida a vertente “progressista”, tanto por um viés “liberal”, quanto de “esquerda”, desse conjunto social que se encontra englobado pela denominação “cara gente branca” que se colocam como não racistas. Destacando nesse processo analítico as suas manifestações antirracistas como exemplos que acabam por revelar as nuances, as particularidades cruéis e alienantes do racismo brasileiro, que é o usufruir de seu privilégio branco numa sociedade ideológica e estruturalmente racista para exercer uma forma de poder decisório de querer qualificar, pautar ou ratificar como se deve dar os processos de lutas antirracistas e pró negritudes, chegando ao cúmulo de exercer um dirigismo sobre como uma pessoa negra e seus coletivos ou expressões de afro resistências devam se portar em suas práticas políticas e reivindicatórias.
Um comportamento elitista e de superioridade moral típico de uma sociedade escravocrata em seu ideário e relações sociais cotidianas, que geralmente se faz mascarar através da argumentação de que o “racismo é uma luta de todos²” – o que é fato – mas sem levar em consideração que o que para eles é teoria, para as populações não brancas, em especial as negras e indígenas, é realidade e que “só” por isso esse tipo de ingerência histórica-social-política deveria ser repensada e evitada, pois reforça herança cultural de que os negros são incapazes de se organizarem e agirem racionalmente, sempre dominados por “instintos naturais”, por pulsões de ódio, inveja e vingança, por isso devendo ser protegidos de si mesmos e orientados pelo caminho da lógica e civilização pela figura – individual ou coletiva – da “cara gente branca” e seu “complexo de branco salvador”, único portador de todas as razões e virtudes. Uma herança contemporânea de nossa naturalização acerca da inferioridade humana das populações não brancas, que manifesta-se no Brasil desde os tempos imperiais até meados do século XX de maneira pública e hegemônica, enquanto referenciais civilizatórios para a organização e desenvolvimento da sociedade brasileira, praticamente sem nenhuma contestação, com exceção dos conjuntos intelectuais negros³ que não por coincidência eram vistos e interpretados por nossas elites, enquanto manifestações não racionais de seres racial e socialmente inferiores, desprovido de valores e significâncias.