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Veja a publicação original: Como a Meg quebrou o padrão de mulheres da Disney
“Eu sou uma donzela, estou em perigo, mas eu me viro. Tenha um bom dia”. Esta é uma das primeiras frases de Megara, a heroína de Hércules, filme que agora ganhará sua adaptação live-action pelos Irmãos Russo. Baseada em duas mulheres da mitologia grega, mas criada para a animação de 1997, a personagem dublada por Susan Eagan é um dos melhores elementos do longa da Disney, e marcou uma evolução gritante das personagens femininas lançadas pelo estúdio até então. Apesar de seguir uma tendência que já vinha sido expressada em filmes anteriores, Meg é o início de um novo tipo de mulher para o estúdio, e sua personalidade não apenas chamou atenção na época como, se tivesse sido lançada hoje exatamente do mesmo modo que surgiu em 97, ainda seria aclamada.
Nos anos 90, a Disney já vinha mostrando uma evolução em suas princesas. Já tínhamos passado a era das personagens principalmente passivas – Branca de Neve, Cinderella e Bela Adormecida – e já tínhamos sido introduzidos a nomes como Ariel, Bela e Jasmine, as personagens que sonham com um mundo maior do que aquele em que se encontram. Apesar de já estar em uma nova fase com nomes como Pocahontas e Esmeralda, do Corcunda de Notre Dame, em 97 a Disney apresentou uma heroína que não era nada como suas antecessoras.
Introduzida em uma cena em que parece estar ameaçada, Meg descarta o rótulo de “donzela em perigo” literalmente com suas primeiras frases. Ao desenrolar do filme, somos apresentados aos poucos à personagem, uma que não se impressiona com os músculos de Hércules e, na realidade, trabalha em parceria com o antagonista, Hades, que quer derrotar o filho de Zeus. Quando exploramos a história por trás de Meg entendemos um pouco do fator anti-heroína e de sua personalidade ácida. Meg vendeu sua alma para salvar seu namorado, um que a deixou por outra pouco tempo depois. Por isso, Meg é desiludida quanto ao amor. Mesmo assim, ela passa a conhecer e amar Hércules, até fazer o último sacrifício por ele. Enquanto o personagem do título vive uma jornada para tentar se provar um herói, Megara passa por um arco muito mais complexo, de trauma do passado e superação, até literalmente salvar o herói do filme.
Não é apenas uma questão de complexidade de seu arco, mas Meg marca um distanciamento muito claro das personagens anteriores da Disney por um elemento específico que serve como base para todas as suas ações: ela tem um passado amoroso. A história de Meg e seu ex, e a trágica decisão que fez pelo amante, dá a entender que a personagem seria a primeira mulher não-virgem da Disney. Claro que é possível que Esmeralda já tivesse uma vida com outros homens, mas nada disso faz parte de seu arco em Corcunda. No caso de Meg, é exatamente porque conhecemos seu passado que um de seus traços mais memoráveis, sua sensualidade, faz tanto sentido.
Até 1997 – e, na realidade, provavelmente até hoje – não houve uma personagem que se mexesse e se apresentasse de modo tão sensual quanto Meg. Isso, por si só, não é exatamente sinal de uma heroína exemplar, até porque a sensualidade feminina diversas vezes pode ser usada para representar o contrário. Mas há algo único em Meg que é a sua auto-consciência. Enquanto Esmeralda, por exemplo, era uma mulher vista de modo sensual pelos homens ao seu redor, Meg se apresenta sensual como uma arma de seus próprios planos. Ela conhece a fraqueza dos homens e utiliza isso a seu favor.
Isso veio de uma construção bem única por parte dos diretores. Meg tem uma personalidade de femme fatale que foi inspirada por grandes divas da Era de Ouro de Hollywood, mais notavelmente Joan Crawford, Bette Davis e Lauren Bacall. Mas sua principal inspiração foi o papel de Barbara Stanwick na comédia romântica As Três Noites de Eva, um filme aclamado pela inversão de papéis de gênero (afinal, é de 1941), em que Stanwick interpreta uma golpista que pretende seduzir um homem ingênuo, e tem controle de quase todas as situações até que se apaixona pelo seu próprio alvo.
Cínica, engraçada, afiada ou duas-caras certamente não são adjetivos comuns para descrever as personagens femininas da Disney, nem até 97 nem desde então. Enquanto a Casa do Mickey evoluiu muito na construção de suas personagens, afinal, no ano seguinte, fomos introduzidas à Mulan, são poucos exemplos na história do estúdio em que foram construídas personagens tão complexas quanto Meg. Claro que Anna, Elsa, Tiana, Moana e alguns outros exemplos do estúdio são ótimas representantes quando pensamos em mulheres poderosas. Mas a Disney ainda está para construir uma personagem tão complexa quanto a verdadeira heroína de Hércules.