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Veja notícia original: Violência doméstica na situação de confinamento
A família é um espaço de afeto, mas, nem por isso, deixa de ser também um ambiente de conflito. Na situação atual de confinamento exigido para controle da pandemia da Covid-19, as tensões quanto as incertezas e quanto ao futuro, as questões de subsistências, as divergências quanto ao convívio, as desigualdades de gênero e relações de poder assimétricas dentro da família tendem a se amplificar e podem funcionar como gatilho para a violência doméstica no grupo das famílias que já a vivenciavam, como também para aquelas que ainda não a tinham vivenciado. Não podemos romantizar a família, acreditando que nesta fase de quarentena social somente haverá o espaço afetivo.
Assim, é preciso enfrentar que nas famílias que já vivenciavam a violência doméstica o confinamento irá ampliar sua ocorrência, pois o estresse gerado pela convivência intensa dá oportunidade a uma maior ocorrência de casos. Por outro lado, também as famílias que não vivenciavam a violência doméstica estão sujeitas a sofrer seus efeitos por consequência da intensificação do convívio, que poderá advir em uma crescente de violência psicológica, que muitas das vezes somente será percebida, quando evoluir e desaguar na concretização de violência física.
Portanto é importante considerarmos as questões da acessibilidade e da forma de abordagem ante as situações vivenciadas. Ora, estamos em um momento atípico em que há restrições de circulação, acessos, dentre outras situações. Então muito mais do que a mulher chegar à rede de proteção, acreditamos que a rede de proteção também precisa chegar até ela.
E, assim, além daquelas estruturas públicas tradicionais, como por exemplo em Belo Horizonte: Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam), Defensoria Especializada de Defesa da Mulher Vítima de Violência, Promotoria da Mulher e Centros de Atendimento, como o Centro Risoleta Neves de Atendimento à Mulher (Cerna) ou Centro Especializado de Atendimento à Mulher (Benvinda) é preciso abrir o leque para novas possibilidades, como aquelas que advêm de acesso através de aplicativos (em Minas Gerais o MG Mulher) e também por meio da procura dos advogados, que podem, em muito, auxiliar essas vítimas, oportunizando nova forma de se ir ao encontro da vítima e por meio de procuração obter a medida de proteção necessária.
Uma experiência também interessante está acontecendo no Acre, onde a Patrulha Maria da Penha, neste momento de confinamento, está indo ao encontro da mulher vítima de violência doméstica. No caso daquelas vítimas que ainda não denunciaram, eles estariam circulando com megafones pelas ruas informando as maneiras pelas quais se pode buscar auxílio. E para aquela vítima que já denunciou, eles estão mantendo o apoio indo a sua casa para conferir se as medidas deferidas estão sendo cumpridas, conversando com ela da janela como forma de manter a recomendação de isolamento de contato.
Uma outra questão é o tempo de resposta das medidas que vem sendo divulgadas. Veja por exemplo quanto ao PL 5.251/18, aprovado em 7.4.2020 pela Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais (Alemg) ele traça uma política de diretrizes e ações no aspecto de prevenção, que embora sejam de absoluta importância, no momento não acarretam efetividade à proteção que se precisa oferecer a mulher vítima de violência doméstica.
No momento atual, será muito produtivo enfocar a questão da violência doméstica sob uma nova abordagem que permita ampliar a visualização dos agentes atuantes na rede de proteção e meios de acesso, propiciando que a rede de proteção chegue até a mulher vítima da violência doméstica (e não apenas medidas para que a mulher chegue às redes de proteção), sem descuidar de atingir também a figura do agressor (ou potencial agressor), que precisa estar ciente de que não sairá ileso da violência praticada. As mulheres não estão sozinhas.
Há vários meios de buscar ajuda. Há várias formas de ajudar. Há várias forma de fazer a ajuda chegar até a vítima. Permitam-se ser ajudadas.
Confinamento ou isolamento social não são sinônimos de impunidade.