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Veja publicação no site original: Tax women: a desigualdade de gênero na tributação
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Uma das vertentes discriminatórias implícitas – porém muito representativa– no Brasil e no mundo é a pink tax
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Por Maíra Konrad de Brito
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Há muito se discute a respeito da desigualdade de gênero sob os enfoques, essencialmente, político, econômico e social. No entanto, com o avanço da globalização e facilitação das interações pessoais por meio das novas tecnologias, a discussão a respeito do tratamento dado à mulher pela sociedade vem ganhando novos contornos, possibilitando o estudo e reflexão do impacto da desigualdade de gêneros em aspectos que, até pouco tempo, sequer eram cogitados como passíveis de afetação.
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Com preocupações e debates cada vez mais profundos, surgem questionamentos extremamente válidos, como, por exemplo, se a desigualdade de gênero mostra-se presente em contextos outrora desconsiderados, como a tributação, e, em caso afirmativo, se essa diferenciação agrava-se pela ausência de políticas fiscais voltadas para o público feminino.
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É indubitável que a desigualdade atinge assuntos tributários de maior relevância (como, por exemplo, a obrigatoriedade, em alguns países, mesmo nos tempos atuais, da declaração do IR da mulher casada ser atrelada à do seu marido) até em detalhes considerados, num primeiro olhar, irrelevantes, mas que contribuem significativamente para a discriminação do gênero feminino. Isto porque a desigualdade pode não vir de forma clara e explícita (na classificação de Janet Gale Stot[1]), mas sim implicitamente, como é o caso da realidade da legislação brasileira.
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Uma das vertentes discriminatórias implícitas – porém muito representativa– no Brasil e no mundo é a pink tax (em tradução livre: taxa rosa). Trata-se de um movimento consumerista, baseado em estratégias de marketing, que torna os produtos destinados ao público feminino flagrantemente mais caros que os produtos destinados ao público masculino, ainda que se trate de itens idênticos[2].
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A Prefeitura de Nova York (EUA) realizou um estudo, em parceria com o Department of Consumer Affairs (DCA), intitulado “From Cradle to Cane: The Cost of Being a Female Consumer” (em tradução livre: ‘Do berço à bengala: o custo de ser uma consumidora’”). Para o estudo, o DCA calculou o preço médio de 35 tipos diferentes de produtos, com base em uma análise de 794 itens individuais, divididos em 5 setores, e, em seguida, comparou os preços dos produtos análogos para homens e mulheres.
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Com o fito de minimizar diferenças e tornar o estudo mais igualitário e fidedigno, a Agência selecionou produtos que apresentavam versões similares para homens e mulheres, refinando a pesquisa ao buscar pelos produtos mais próximos entre si em termos de marca, ingredientes, aparência, composição têxtil e/ou marketing empregado na comercialização. O resultado foi alarmante. Em todos os cinco setores, o DCA constatou que os produtos femininos custam, em média, 7% mais que os similares produtos destinados ao público masculino. No Brasil, o estudo realizado pela ESPM, no ano de 2018, concluiu que essa diferença é de 12,3%. O aumento do custo dos produtos femininos impacta, por óbvio, na tributação incidente sobre os mesmos.
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Do ponto de vista econômico-tributário, e buscando acabar com a pink tax, vários movimentos sociais e grupos se formaram na luta para que, dentre outros aspectos, (i) não haja distinção de preços de produtos femininos apenas por serem destinados às mulheres; (ii) não incida uma tributação mais elevada nos produtos femininos, por considerar a maioria deles como cosméticos (taxados como supérfluos), ao passo que, por outro lado, as mulheres são cobradas por sua beleza na sua vida pessoal, nos relacionamentos e, especialmente, no âmbito profissional; (iii) cresça a representatividade feminina em órgãos e posições de destaque (o CARF, v.g., possui menos de 30% de mulheres exercendo a função de conselheira); (iv) a maternidade deixe de ser um fator negativo nas carreiras profissionais das mulheres; dentre outros.
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O fato é que, em todos os casos supramencionados, há uma nítida diferenciação no tratamento entre homens e mulheres, violando os princípios da isonomia e igualdade – arts. 3º; 5º, inciso I; 145, §1º; e 150, inciso II, todos da Constituição Federal.
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Um exemplo que ilustra bem essa disparidade é a tributação de produtos relacionados à menstruação (absorventes internos, externos, coletores e etc).
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Tais produtos são itens de higiene pessoal imprescindíveis na vida de uma mulher, visto que a menstruação é um processo fisiológico, natural e cotidiano. Esta condição é inerente às mulheres e, portanto, inevitável.
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Em nosso país, há uma parcela feminina da população (mulheres de baixa renda, presidiárias, moradoras de ruas, dentre outras) que não possui acesso a esse item essencial de higiene – o que malfere frontalmente a dignidade humana – por não conseguir arcar com os custos mensais de aquisição e que, por ausência de meios adequados, acaba por colocar sua saúde em risco ao usar outras formas e produtos para contenção do fluxo menstrual. Para além da saúde, essa realidade impacta também o convívio social da mulher, vez que muitas deixam de frequentar a escola ou trabalho em dias de ciclo menstrual por vergonha, medos e/ou receios, em virtude de processo tão fisiologicamente natural e intrínseco ao ser-mulher.
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Apesar dessa realidade, o nosso país é um dos que mais tributam o absorvente higiênico, chegando a totalizar 34,48% do valor total dos mesmos, conforme informações do próprio governo extraídas do no site Impostômetro[3].
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Em levantamento realizado pelo jornal Nexo[4], a brasileira paga até R$ 4.849,00 apenas de impostos sobre absorventes íntimos ao longo da vida, tomando por base que ela fique 2.500 dias menstruada (média de 4 absorventes por dia, 5 dias de menstruação mensais e idade fértil dos 12 aos 51 anos).
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Atualmente, em território brasileiro, esse produto possui o benefício da alíquota zero no tocante ao IPI, conforme o Decreto n. 8.950/2016. A conversão desse decreto em lei – ou seja, a estipulação ipso facto da isenção – é objeto do Projeto de Lei n. 3085/2019. Registra-se, ainda, que, em 2013, por meio da MP n. 609/2013, fora proposta a fixação de alíquota zero também da COFINS, PIS, COFINS-Importação e PIS-Importação, que acabou por ser vetada pela então presidente Dilma Rousseff, no momento da sanção final.
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Ademais, não obstante seja esse o cenário atual interno, cabe ressaltar que vários países já isentaram os impostos incidentes sobre os absorventes, como, por exemplo, Canadá, Irlanda, Austrália, índia, Colômbia, Holanda, Espanha, Quênia, Uganda, Malásia, dentre outros. Outros reduziram drasticamente suas alíquotas, como é o caso da França, Itália e Reino Unido.
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Nos Estados Unidos, o grupo “Period Equity” luta para que todos os estados deixem de tributar os absorventes e deixem de considerá-los como itens de luxo (hoje, 33 dos 50 estados já concedem o tratamento diferenciado a estes produtos). A Escócia, inclusive, aprovou, em fevereiro deste ano, projeto que objetiva disponibilizar gratuitamente produtos relacionados à menstruação e, com isso, se tornará o primeiro país do mundo a avançar nesse propósito.
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A luta pela isenção da tributação de absorventes no Brasil perpassa, além do discurso de igualdade social, por uma análise da carga tributária imposta à mulher – eminentemente inconstitucional –, uma vez que a mulher acaba por se tornar refém de uma tributação que incide sobre produtos essenciais e que são utilizados, exclusivamente, pelo público feminino, em decorrência de sua própria fisiologia, deixando-a sem opção. Nota-se que não há qualquer correspondente para os homens.
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Nesse contexto, a isenção de tributos incidentes sobre a produção e comercialização dos produtos relacionados à menstruação não só acabaria com esse ônus unicamente feminino, gerando uma neutralidade fiscal, mas também aumentaria a possibilidade de acesso a esses itens por mulheres de baixa renda, presidiárias, moradoras de ruas e outras, já que reduziria drasticamente seu custo de aquisição, trazendo dignidade humana para as mesmas.
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Noutro giro, outro grande exemplo que merece destaque é a incidência de contribuições previdenciárias sobre o salário maternidade (art. 28, §§ 2º e 9º, da Lei 8.212/91), tendo em vista que referida tributação reforça a disparidade entre os gêneros no mercado de trabalho.
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O salário maternidade foi uma das garantias dada às mulheres, no âmbito profissional, pela Constituição Federal. Essa, em seus arts. 5º, inciso “I”, 6º e 7º, incisos XVIII, XX e XXX, traz várias ações afirmativas que têm por finalidade a proteção da mulher no âmbito profissional, visando assegurar que a mesma não sofra prejuízos ou restrições em virtude de sua gravidez ou filhos.
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Todavia, a intenção do legislador constituinte não é atendida quando o valor referente à incidência de contribuições previdenciárias sobre o salário maternidade recai sobre o empregador, aumentando a discrepância de custos na contratação de uma mulher em comparação à de um homem, minando, consequentemente, sua competitividade.
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Ressalta-se que, embora seja denominado salário maternidade, sua natureza é de verdadeiro benefício previdenciário, onde a Previdência Social arca com a integralidade de seu pagamento, sendo vedada a transferência de qualquer ônus para o empregador.
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Desse modo, a incidência de contribuições sobre o salário maternidade, partindo de uma análise eminentemente feminina, é ilegal e inconstitucional e reforça a desigualdade enfrentada pelas mulheres no mercado de trabalho, relativizando a equidade de chances para as mesmas quando em confronto com os profissionais do sexo masculino.
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Insta registrar que, neste tocante, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do RESP 1.230.957/RS, realizado sob a sistemática dos recursos repetitivos, entendeu pela ilegalidade dessa incidência. Entretanto, tal matéria ainda está pendente de análise pelo Supremo Tribunal Federal, no RE 576.967, cuja repercussão geral fora reconhecida, a quem caberá dar a última palavra sobre o tema.
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Conclui-se, diante de todo o exposto, que a desigualdade de gênero é uma cruel realidade no mundo contemporâneo, e perpassa, inclusive, por aspectos tributários, o que afeta sobremaneira o contexto social, familiar e profissional da mulher, além de se transmudar como vetor de perpetuação de seculares práticas e concepções sexistas, endossando a disparidade de tratamento entre homens e mulheres. É preciso, pois, que se apoie e solidifique movimentos e propostas de benefícios fiscais tendentes a criar um cenário de neutralidade fiscal, buscando sempre a efetivação das garantias constitucionais, sobremaneira a dignidade da pessoa humana.
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[1] STOTSKY, Janet Gale. Gender Bias in Tax Systems. Washington, D.C.: International Monetary Fund, 1996. IMF Working Papers; Working Paper ; No. 96/99.
[2] Grandes empresas colocam à venda produtos (brinquedos, produtos de cabelo, itens de papelaria) e serviços (corte de cabelo) que têm a linha/versão feminina e a masculina, com preços maiores, sendo que a única diferença é a cor da embalagem. Importante que as mulheres façam essa reflexão antes de adquirirem um produto similar ao masculino, pois as versões femininas, em sua grande maioria, não possuem características ou materiais diferentes e nem têm uma qualidade superior.
[3] Disponível em: <https://impostometro.com.br/home/relacaoprodutos>.
[4] Disponível em: <https://www.nexojornal.com.br/grafico/2016/12/05/O-imposto-sobre-absorventes-no-Brasil-e-no-mundo>.
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