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Linguagem e igualdade

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Veja publicação no site original: Linguagem e igualdade

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Não é coerente com a democracia a naturalização das desigualdades existentes

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Por Deizimar Mendonça Oliveira

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Cumprimentar dizendo Bom dia a todos e a todas parece forçado, sobretudo porque soa desnecessário e inútil atribuir qualidade feminina a pronome cuja característica é a generalidade.

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Se normas, inclusive as linguísticas, impõem restrições, seriam também inadequadas flexões de gênero para substantivos inflexíveis como bebê, piloto, membro e presidente.

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Mas a linguagem não é só constituída pela realidade, ela é também desta constitutiva, como ensina o linguista Fairclough[i] ao esmiuçar a visão foucaultiana.

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A própria percepção da realidade depende da linguagem: não há como pensar e falar sobre uma mesa como um objeto, sem sua representação (que inclui imagens e palavras), menos ainda é possível descrever liberdade ou raiz quadrada sem representações textuais.

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A compreensão de qualquer ato de comunicação, por sua vez, exige co-criação do sujeito que interpreta. Ao fazê-lo, este não se despe de seus sentimentos, suas relações de poder, seu modo de ver o mundo. E tudo acontece concretamente em determinados lugares, ao longo do tempo, permeando de historicidade toda a formação discursiva.

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O discurso é, desse modo, polifônico, pois reúne diversas vozes, dialogando, ainda que implicitamente, com outros discursos, contrários ou favoráveis a ele[ii].

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Se olharmos para a nossa realidade, não será difícil encontrar a razão da generalização do ser humano no homem. As mulheres sofreram, ao longo da história, diversos tipos de opressão que abrangeram tanto o controle do corpo, da intimidade, da sexualidade e da autonomia da vontade como o domínio do patrimônio e a negação de direitos, o que as tornou invisíveis na perspectiva de sujeita e cidadã.

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No Brasil, por exemplo, até 1932, as mulheres não tinham o direito de votar. O código civil de 1916 estabelecia que a mulher, ao se casar, perdia sua capacidade civil plena. A mulher era obrigada a adotar o nome do marido, o casamento era indissolúvel, o homem era o chefe da sociedade conjugal, o administrador dos bens comuns e dos particulares da mulher[iii].

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Mas não é coerente defender a Constituição e, ao mesmo tempo, rejeitar a linguagem inclusiva sob o argumento de que a norma culta assim exige, pois esta prática consolida no plano linguístico a negação e o controle do feminino.

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Conceber o sexo como fato biológico para determinar as diferenças entre os seres humanos fixa no corpo o motivo para a inferiorização das mulheres, cultivando culturalmente a ideia equivocada de inaptidão das mulheres para a vida política e atividades que exijam controle emocional.

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A linguagem assume, desse modo, um papel primordial ao atuar como um sistema de significação que incorpora o ser humano generificado no homem.

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Por isso, é importante assumir como parte da luta pela liberdade da mulher, a incorporação de recursos linguísticos que deixem de a invisibilizar.

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Não é suficiente, entretanto, usar apenas masculino e feminino para trazer à tona as diferenças e resistir à opressão. De início, surgem pelo menos dois problemas: a não inclusão das pessoas que não se reconhecem na posição binária de gênero; e a falta de objetividade do discurso. São adequados, portanto, os pronomes neutros que vêm sendo usados nos Estados Unidos (they) e na Suécia (Hen), assim como o “e” no lugar do “a” e do “o”, na Argentina.

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É da democracia a cidadania integral e irrestrita para todas as pessoas. Não é coerente com a democracia a naturalização das desigualdades existentes, a cumplicidade com o tratamento discriminatório, a indiferença com a violência sexista. O desafio da inclusão é de todes.

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[i] FAIRCLOUGH, Norman. Discurso e mudança social. 2ª ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2016.

[ii] BRANDÃO, Helena Hathsue Nagamine. Analisando o discurso. S/D. Disponível em: <http://paginapessoal.utfpr.edu.br/cfernandes/analise-do-discurso/textos/analisandoodiscursonagaminebrandao.pdf/view>. Acesso em: 16 set. 2017,  p. 5.

[iii] Cf. DIAS, Maria Berenice. A mulher no código civil. Disponível em <http://www.mariaberenice.com.br/uploads/18_-_a_mulher_no_c%F3digo_civil.pdf>. Acesso em 16 jan. 2020.

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