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Defendi centenas de mulheres em casos de violência doméstica. Eis o que aprendi.

Saiu no site HUFFPOST

 

Veja publicação no site original: Defendi centenas de mulheres em casos de violência doméstica. Eis o que aprendi.

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“As mulheres merecem habitar o mesmo mundo que os homens ― livres da violência doméstica e do medo da violência.”

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Como advogado, defendi centenas de mulheres vítimas de violência doméstica. Agora, passo meus dias em casa, cuidando de minhas filhas gêmeas – e estou preocupado com o futuro delas.

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Sou constantemente bombardeado por conselhos sobre como proteger minhas filhas dos homens. Um motorista de Uber recentemente me disse o seguinte: “Se suas filhas trouxerem um cara para casa, olhe bem no fundo dos olhos dele e diga: ‘Não tenho medo de voltar pra cadeia’. Mas tem de dizer ‘voltar’!”

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Várias pessoas sugeriram matriculá-las numa academia de jiu-jitsu, kickboxing ou alguma outra forma de defesa pessoal. O conselho mais comum envolve minha mulher e eu arrumarmos um irmão para protegê-las: “Suas meninas são tão lindas. Espero que elas tenham um irmão mais velho”.

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Penso comigo mesmo: “Todo ano, 5 milhões de mulheres são vítimas de violência doméstica. Imagino que várias delas tenham irmãos”.

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Dediquei a maior parte da minha carreira profissional ao serviço público, com foco na defesa dos direitos de populações marginalizadas e vítimas de abuso. Em 2005, abri um escritório de advocacia privado especializado em violência doméstica. De minha base na cidade de Columbus, viajei por todo o estado de Ohio, defendendo (na maioria das vezes) mulheres que precisavam de proteção. Ao longo do tempo, formei uma aliança com abrigo para mulheres de todo o estado.

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O conselho mais comum envolve minha mulher e eu arrumarmos um irmão para protegê-las: “Suas meninas são tão lindas. Espero que elas tenham um irmão mais velho

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Meu trabalho era meio de advogado, meio de terapeuta. Na média, as vítimas saem de casa sete vezes até largar o marido definitivamente. Minhas clientes tinha medo de retaliação, mas o principal fator na decisão das vítimas é o amor pelo agressor. Se uma cliente quisesse retirar a queixa contra o autor do abuso, minha eu era obrigado a fazê-lo; mas sempre tentava fazê-las pensar duas vezes.

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Entre 2005 e 2010, defendi centenas de vítimas de violência doméstica. Apesar dos mitos em torno do tema, mulheres profissionais, com educação formal e altamente qualificadas são tão suscetíveis ao abuso quanto qualquer outra. Violência doméstica não é uma questão socioeconômica. Ela não leva em conta idade, etnia, dinheiro, profissão ou nível de educação. Também afeta homens e indivíduos não-binários, embora minha experiência seja defendendo (principalmente) mulheres vítimas de agressão por parte de homens.

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Mulheres jovens criadas com autoimagem e autoestima positivas têm menos probabilidade de desenvolver distúrbios alimentares, sofrer de depressão e de se automutilar; mas mulheres confiantes e determinadas ainda são vulneráveis à violência e agressão masculina.

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Evitar a violência doméstica costuma ser enquadrado como um problema das mulheres. Não faltam sugestões de que o ônus de evitar a violência contra as mulheres é das próprias mulheres e dos pais de meninas. Recentemente, deparei com um artigo intitulado “9 Maneiras Garantidas de Proteger Sua Filha da Violência Doméstica”. Li inúmero artigos parecidos, que parecem oferecer soluções comerciais para o problema das agressões e abuso sexual. Aulas de defesa pessoal e engenhocas como spray de pimenta são uma indústria construída em torno da ideia de que, no fim das contas, a mulher é a responsável por se proteger.

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Além de culpar as vítimas, a autodefesa é extremamente limitada. Atos aleatórios de agressão perpetrados contra vítimas inocentes representam uma proporção muito pequena da violência contra as mulheres. A grande maioria dos casos de violência e abuso é cometida por parceiros íntimos ou homens conhecidos das vítimas.

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“Cuidado! Se o seu homem faz essas 15 coisas, ele é muito inseguro.” Segundo essa escola de pensamento, traços de insegurança podem ser resumidos de modo que as mulheres o identifiquem logo nos primeiros estágios do relacionamento. Mas os homens inseguros normalmente não revelam suas inseguranças no primeiro encontro. Como todos sabemos, primeiras impressões raramente correspondem à verdadeira natureza da pessoa. Considere o caso de “Maria”, uma de minhas ex-clientes:

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Maria era uma mulher moderna, em todos os sentidos da palavra. Ela era determinada, independente e estava prestes a virar sócia de sua empresa de contabilidade. Depois de anos de romances eventuais e desastres amorosos, Maria finalmente conheceu o homem dos seus sonhos. Greg era um jovem cirurgião, respeitado, sociável e, acima de tudo, sempre respeitoso e afetuoso com ela.

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CORTESIA DE DEAN MASELLO
Uma foto recente de mim e Clementine.

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Até a manhã seguinte ao casamento de conto de fada dos dois, na ilha de Bora Bora. No primeiro dia da lua de mel, Greg disse que Maria deveria listar toda a sua história sexual em detalhes e, dali em diante, nunca mais falar daqueles homens.

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Se fosse o primeiro encontro, Maria teria rido na cara de Greg. Mas, naquelas circunstâncias, ela ficou paralisada de medo.

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A história parecer absurda, mas não se trata de uma anomalia. Quando você percebe que está namorando um homem inseguro, já está sentindo algo por ele. Em outras palavras, pode ser tarde demais. Razão e bom senso têm poucas chances de vencer a emoção mais forte sentida por nossa espécie. Uma vez que o amor entra em cena, os humanos aturam circunstâncias que não desejariam ao seus piores inimigos.

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Agora, uma boa notícia: a violência cometida por parceiros íntimos é um fenômeno cultural, com solução cultural. Talvez eu não tenha todas as respostas, mas, se aprendi uma coisa no tempo em que defendi vítimas de violência doméstica, foi o seguinte: se realmente quisermos proteger nossas filhas, temos de começar pela criação dos nossos filhos.

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É verdade que as vítimas de violência doméstica e seus agressores têm todo tipo de criação, mas é possível apontar alguns fatores de risco.

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No passado, os especialistas acreditavam que as crianças que sofriam ou testemunhavam abuso acabariam virando adultos que um dia abusariam de seus próprios filhos ou parceiros. Existem evidências de uma baixa a moderada (mas estatisticamente significativa) associação desse tipo de violência em casa e a posterior perpetração da violência doméstica. O mesmo vale para o uso de álcool; embora existam evidências de associação, ela não é tão forte ou consistente como muitos acreditam.

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Na minha experiência, todos os agressores têm a insegurança em comum. Pesquisas indicam que não corresponder à expectativa da sociedade de um homem viril não é, por si só, um fator de risco para comportamento violento. Mas se o homem ficar emocionalmente perturbado pela percepção de que não é macho o suficiente… cuidado.

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Homens que se consideram masculinos (e se orgulham dessa percepção) e homens que se consideram menos do que verdadeiramente masculinos (e que, como resultado disso, sentem ansiedade ou tensão) têm maior probabilidade de responder ao estresse agindo de acordo com o estereótipo masculino: por meio da violência.

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É claro que os valores também importam. Temos de ensinar integridade, honra, respeito e igualdade aos nossos meninos; porém já vi muitos chamados “bons homens” abusando de mulheres.

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Tanto homens quanto mulheres sofrem com os estereótipos de gênero=. Mas, diferentemente das mulheres, ensinamos os homens a ocultar seus sentimentos e emoções. Meninos que aprendem a “esconder” e a “não sentir” são mais propensos a cometer atos de violência.

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Embora eu acredite que não precisamos simplesmente descartar o conceito de masculinidade, certas qualidades são inerentemente prejudiciais aos meninos e à sociedade. Os pais devem sempre incentivar seus filhos a expressar suas preocupações pessoais e emocionais e nunca os envergonhar por chorar ou externalizar o que estão sentindo. Medo e vulnerabilidade fazem parte da condição humana – passou da hora de começarmos a tratar nossos filhos de acordo.

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Como se vê, a luta pela igualdade de gênero também inclui os homens.

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As mulheres merecem habitar o mesmo mundo que os homens ― livres da violência doméstica e do medo da violência. Os tempos podem estar mudando, mas os Estados Unidos ainda são um dos países mais perigosos para as mulheres no mundo desenvolvido. Se realmente queremos que a violência doméstica tenha o mesmo destino da pólio e da varíola, os papéis tradicionais de gênero devem ser jogados no lixo da história.

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*Este texto foi originalmente publicado no HuffPost US e traduzido do inglês.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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