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Nem toda violência é explícita, e precisamos falar sobre isso

Saiu no site SÉRGIO LUCIANO

 

Veja publicação no site original: Nem toda violência é explícita, e precisamos falar sobre isso

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Quando se fala de violência, qual a primeira situação que vem na sua mente?

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Por muito tempo considerei violência apenas aquelas situações explícitas que estou habituado a ver seu impacto direto. Por exemplo, a violência física que acontece quando uma pessoa dá um soco em outra. Ou a violência verbal, que acontece quando se usa de palavras que depreciam uma pessoa. Ou violência psicológica, quando são usados meios para colocar alguém emocionalmente para baixo.

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E, para seguir, gostaria de ampliar ainda mais o conceito de violência, com base nos estudos que tenho feito há um tempo sobre comunicação não violenta. Se ‘violento’ significa agir de maneiras que resultam em dor ou dano, então muito de como nos comunicamos e interagimos de fato pode ser considerado ‘violento’.

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  • Gritar com outra pessoa
  • Colocar apelidos pejorativos
  • Culpabilizar o outro por algo que fez ou não fez
  • Minimizar o que uma pessoa experimenta numa determinada situação
  • Silenciar o outro ou falar sem escutá-lo
  • Definir o certo e errado, bom ou mau
  • Fazer piadas sobre outras pessoas ou grupos

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Um exemplo meu

Para ilustrar o que falei, quero te contar uma história.

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Aprendi desde pequeno a lidar com as dificuldades e adversidades da vida. Como passei por uma série de problemas familiares na infância e na adolescência, acabei desenvolvendo bastante minha resiliência. Isso significa que tendo a ‘cair e levantar’ prontamente diante de alguma adversidade que eu enfrente hoje, sem tempo para ‘ficar remoendo a situação’.

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Porém, outras pessoas não necessariamente desenvolveram sua resiliência da mesma forma que eu. E certa vez, quando uma pessoa me contou sobre uma situação pela qual ela estava passando eu imediatamente falei: “Deixa disso, é coisa boba. Você tá dando demais atenção para esse problema e, olha, nem é tão grande assim”. Ao usar minha régua para medir e definir a experiência dela, considerei que era algo banal. Enquanto para ela, naquele momento, não era.

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Por mais que eu tivesse a intenção de contribuir com seu bem-estar, dizendo que ela poderia seguir em frente, meu comentário chegou como violento e opressivo, colocando-a num lugar de inadequação e negando seu direito de se sentir impactada pela situação pela qual passava.

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Consegue imaginar uma situação pela qual passou, que suas atitudes podem ter chegado como violentas para a outra pessoa, causando um impacto diferente do que você esperava? Ou alguma atitude de alguém que chegou como violenta para você?

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Quer dizer que sou violento? 

Não estou trazendo esses conceitos para te colocar num papel de pessoa intencionalmente violenta. Meu desejo é adicionar mais uma dimensão às relações humanas.

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Voltando ao meu exemplo, não é sobre eu estar certo ou errado com o que falei. Tampouco sobre julgar o que a outra pessoa deveria fazer diante daquela situação. A questão é que não é somente a nossa intenção que importa. Por mais que eu diga ou faça algo bem-intencionado, ou que eu considere banal, pode ser que o impacto gerado na outra pessoa seja diferente.

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Desumanização e assédio moral

Essas violências sutis, a depender de seu teor e frequência, podem também se transformar num problema sério dentro das empresas, que é o assédio moral. Veja a definição de assédio moral usada pelo Tribunal Superior do Trabalho numa cartilha de sensibilização sobre o tema:

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“O assédio moral é conceituado por especialistas como toda e qualquer conduta abusiva, manifestando-se por comportamentos, palavras, atos, gestos ou escritos que possam trazer danos à personalidade, à dignidade ou à integridade física e psíquica de uma pessoa, pondo em perigo o seu emprego ou degradando o ambiente de trabalho.”

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Inclusive, além do descuido com o bem-estar do ser humano que está diante de nós, que por si só já seria motivo o suficiente para repensarmos como estamos nos relacionando no trabalho e na vida, o assédio moral também pode ser responsabilizado judicialmente, cabendo ao agressor indenizar a vítima pelos danos causados.

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Por relações com menos barreiras e mais pontes

Se queremos ambientes de trabalho mais saudáveis emocional e psicologicamente, é necessário cada vez mais voltarmos nossos olhares para uma cultura de diálogo e olhos nos olhos. Uma cultura que valorize a diversidade e celebre as diferenças. Que valorize mais a escuta e a busca por conexão, e menos o ter razão. Que nos permita errar e reconhecermos que não somos super-humanos. Que não somos máquinas. Que cada um tem uma história que precisa ser honrada e incluída.

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Certa vez, numa reunião preparatória com uma empresa que me contratou para dar um treinamento, a área de RH pediu para evitar atividades onde houvesse contato visual ou físico, pois isso poderia deixar gerentes e diretores desconfortáveis e eles poderiam ter uma reação negativa à atividade oferecida.

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Enquanto esses tipos de pedidos existirem, existe ainda um longo caminho para desconstrução da violência no mundo corporativo. Afinal, se não nos permitimos ser humanos, como permitiremos também o outro de sê-lo?

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** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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