Saiu no site CONJUR
Veja publicação no site original: Livro conta como acordos acobertaram abusos sexuais de produtor de Hollywood
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Por Sérgio Rodas
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Após ser consistentemente assediada por seu chefe, o produtor de filmes de Hollywood Harvey Weinstein, Zelda Perkins assinou um acordo extrajudicial para encerrar o assunto. Ela recebeu 125 mil libras. Em contrapartida, foi submetida a diversas cláusulas leoninas.
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Entre elas, a proibição de falar com outras pessoas sobre o período em que trabalhara com Weinstein; a exigência de que qualquer “profissional da medicina” com quem comentasse a respeito do ocorrido assinasse um acordo de confidencialidade; a manutenção de sigilo sobre a origem do dinheiro — até para seu contador; e a vedação a contar o caso para veículos de imprensa.
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Zelda não pôde nem ficar com uma cópia do contrato — quando quisesse lê-lo, deveria agendar uma visita ao escritório de advocacia que a representou.
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Os acordos firmados por Weinstein com ex-funcionárias e atrizes em início de carreira foram fundamentais para descobrir os abusos sexuais cometidos por ele e por diversos outros homens poderosos da indústria do entretenimento e da política.
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A história é contada no livro Ela disse — os bastidores da reportagem que impulsionou o #MeToo (Companhia das Letras), das jornalistas investigativas do The New York Times Jodi Kantor e Megan Twohey.
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No começo da apuração, em 2017, nem a fonte mais promissora — a atriz Rose McGowan — queria falar com as repórteres sobre o assédio que sofrera do produtor. Após Jodi insistir, Rose topou ter uma conversa privada com a jornalista. Ou seja, nada seria publicado, a não ser que a atriz mudasse de opinião.
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Ela narrou que, após um festival de cinema, Weinstein convocou-a para uma reunião em seu quarto de hotel. Os dois conversaram sobre filmes e papéis. Porém, quando a atriz estava indo embora, o produtor a puxou para uma jacuzzi, arrancou a sua roupa e enfiou o rosto à força entre as pernas dela.
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Em choque, Rose fingiu ter um orgasmo para conseguir sair deixar o recinto. Posteriormente, assinou um compromisso com Weinstein, pelo qual se comprometia a esquecer o caso em troca de US$ 100 mil.
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Porém, o NYT só publicaria as declarações de Rose McGowan se elas fossem corroboradas por outras pessoas ou documentos e se o produtor tivesse uma oportunidade prévia de refutá-las.
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O jornal não queria cair no erro que a revista Rolling Stone caíra em 2014 (quando publicou uma acusação de estupro em uma universidade sem provas mínimas, o que gerou processos e afundou a reputação do veículo) ou entrar em uma briga clássica da palavra dela contra a palavra dele.
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Se havia um acordo, ele deveria estar registrado em algum lugar. Seria difícil encontrá-lo, mas, com o documento em mãos, ele poderia embasar o relato da atriz e mostrar que Weinstein pagou uma quantia significativa a ela para resolver a questão.
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Precedente da Fox News
Havia um precedente que indicava que os acordos eram documentos-chave para se descobrir casos de assédio sexual. Algum tempo antes, o New York Times havia revelado que o apresentador da Fox News Bill O’Reilly tinha assediado sexualmente funcionárias da emissora.
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Na apuração, os jornalistas descobriram que os termos dos acordos faziam com que eles não parecessem transações legais legítimas, mas maneiras de encobrir a verdade.
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Por meio dos documentos, as mulheres se comprometiam a entregar todas as evidências dos abusos a O’Reilly e seus advogados. Elas não podiam ajudar outras mulheres que passaram por situações semelhantes.
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Caso fossem convocadas a depor na Justiça, deveriam avisar o apresentador e a sua equipe, que poderia contestar a citação. Uma das vítimas se comprometeu a nunca fazer afirmações desrespeitosas sobre O’Reilly e a Fox News.
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Se elas descumprissem essas obrigações, teriam que devolver os valores que receberam de indenização.
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Estudando esse caso, Jodi Kantor e Megan Twohey perceberam que os Estados Unidos tinham um sistema para silenciar queixas de assédio sexual que, em diversas situações, mais ajudava os assediadores a prosseguirem com suas práticas do que os impedia.
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No caso Fox News, os advogados das mulheres argumentavam que elas tinham boas razões para assinar os compromissos — necessidade do dinheiro, desejo de privacidade ou vontade de deixar o assunto para trás.
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Afinal, a alternativa a isso era ir à Justiça. Como as leis de combate ao assédio sexual eram fracas e limitadoras (por exemplo, excluíam freelancers e empresas com menos de 15 funcionários), a exposição poderia ser dolorosa e não valer a pena — até porque o teto para indenizações era de US$ 300 mil.
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Acima de tudo, os acordos eram vantajosos para os advogados — principalmente pelo lado financeiro. Nesses casos, os advogados costumavam receber apenas honorários ad exitum. Ou seja, só eram pagos se o cliente ganhasse a causa. Com os contratos, os advogados evitavam perder tempo nos tribunais sem lucrar nada e embolsavam cerca de um terço das indenizações.
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O problema era encontrar mulheres assediadas por Weinstein dispostas a correr o risco de violar os compromissos, contar suas histórias e apresentar cópias dos documentos ao New York Times.
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Acordos vêm à tona
Em um jantar em Londres, Zelda Perkins mostrou a Jodi Kantor trechos do acordo que celebrara com o produtor, o que deixou a jornalista em êxtase. “No jornalismo investigativo, saber da existência de documentos incriminadores é bom; ver esses documentos é excelente; ter cópias deles é ainda melhor”, escreveu no livro.
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Posteriormente, Lenny Davis, um dos advogados de Weinstein, disse a Megan Twohey que o produtor havia firmado de 8 a 12 compromissos com ex-funcionárias e atrizes. Revendo seu acordo, Rose McGowan percebeu que ele não tinha cláusula de confidencialidade. Dessa forma, ela poderia enviar uma cópia às repórteres sem correr o risco de ser processada pelo produtor.
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Irwin Reiter, contador de uma das empresas de Harvey Weinstein, exibiu a Jodi um memorando que a agente literária Lauren O’Connor havia enviado ao alto escalão da companhia. No documento, ela narrava como o produtor assediara ela e outras mulheres e como esse comportamento gerava prejuízos à empresa.
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Com esses documentos, as corroborações dos abusos e o depoimento de última hora da atriz Ashley Judd, as repórteres apresentaram as acusações a Weinstein. Depois de ouvirem suas versões dos fatos, concluíram o texto, com foco no fato de o produtor ter pago para encobrir assédios durante décadas.
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A reportagem foi publicada pelo New York Times em 5 de outubro de 2017. Logo diversas outras atrizes e ex-funcionárias de Weinstein quiseram falar sobre os abusos dele. O produtor não acionou a Justiça pelas violações das cláusulas de confidencialidade. Ele passou a ser alvo de investigações e processos. Teve início o movimento #MeToo, no qual mulheres relatavam atos de assédio que tinham sofrido. Diversas celebridades e executivos foram acusados, e empresas mudaram suas práticas com relação a assédio sexual.
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Tentativas de intimidação
Antes de a reportagem do New York Times ser publicada, contudo, Harvey Weinstein tentou usar meios sub-reptícios para evitar que seus abusos fossem divulgados. Mas o rigor ético do jornal impediu que suas intenções prosperassem.
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Por meio do advogado David Boies, o produtor contratou detetives particulares para investigar Jodi Kantor e Megan Twhoney. O Black Cube, de Israel, recebeu a missão de barrar a investigação das jornalistas. Se conseguisse isso, receberia um bônus de US$ 300 mil. Uma agente do grupo convidou Jodi para dar uma palestra em um evento sobre desigualdade de gênero e discriminação de mulheres no ambiente de trabalho. A repórter estranhou e negou o convite — seu trabalho era apurar e escrever, não ser ativista. E ela não poderia palestrar, pois as regras de ética do New York Times proíbem jornalistas de dar palestras pagas em empresas, com o objetivo de evitar tentativas de compra de influência.
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Como suas empresas tinham sido grandes anunciantes do jornal durante anos, Weinstein sugeriu a Boies usar sua influência com Arthur Sulzberger Jr., publisher do veículo, para barrar a reportagem. O advogado afirmou que a pressão poderia dar certo com outro jornal, mas não com o NYT.
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Pouco antes da publicação da reportagem, o produtor plantou notas em outras revistas levantando suspeitas sobre a apuração do New York Times. Para não dar margem a questionamentos sobre a integridade do trabalho jornalístico, o editor executivo do jornal, Dean Baquet, exigiu que as acusações fossem expostas pormenorizadamente a Weinstein, para que ele tivesse oportunidade de se defender de cada uma delas.
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O veículo não descreveria as narrativas que fossem refutadas pelo produtor. Somente após esse processo é que a reportagem foi publicada.
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