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Os entraves e as soluções para a mobilidade feminina nas cidades

Saiu no site NEXO

 

Veja publicação no site original:  Os entraves e as soluções para a mobilidade feminina nas cidades

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Mulheres são maioria no transporte coletivo e enfrentam desafios próprios, mas têm pouca participação na elaboração de políticas públicas voltadas para a área

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Por Giulia Gaia e Natielly Santos

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Este conteúdo foi produzido pelos autores como trabalho final do Lab 99+Nexo de Jornalismo Digital, com o tema “A cidade como pauta: desafios e soluções de mobilidade urbana”, realizado na redação do Nexo, em outubro de 2019.

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Mulheres são 56% dos milhões de passageiros que utilizam o transporte público diariamente na Região Metropolitana de São Paulo. Elas são as que mais se deslocam de ônibus, trens e metrôs — 10% a mais do que passageiros homens — de acordo com a última Pesquisa Origem Destino divulgada pelo metrô de São Paulo em julho de 2019.

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Durante o percurso entre um lugar e outro, as mulheres são 25% mais propensas a fazer paradas ao longo do caminho do que os homens, segundo estudos da arquiteta Ines Sanchez de Madariaga, da Universidade de Madri. Quando têm filhos, a quantidade de viagens aumenta 23%. Também são elas que mais levam e buscam os filhos na escola; três vezes mais do que os pais.

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Os entraves à mobilidade das mulheres

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A grande quantidade de mulheres nesses espaços, entretanto, não reflete o direito delas à liberdade de ir e vir, assegurado pela Constituição Federal. Entre 2008 e 2018, o registros de crimes sexuais ocorridos no transporte coletivo de São Paulo cresceram 265%. O dado é da SSP (Secretaria de Segurança Pública) e foi obtido pelo jornal Folha de S.Paulo, por meio da Lei de Acesso à Informação.

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Governos tentam atuar para diminuir esse problema. Em 2018, a lei federal nº 13.718 definiu como crime atos de importunação sexual, que incluem toque em partes íntimas, masturbação e ejaculação em local público. A nova lei aumentou de um a dois terços a pena para estupradores que praticam o ato individualmente, em grupo ou com a finalidade de “corrigir” o comportamento da vítima. Antes disso, a pena era de seis a dez anos.

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Outra medida que se espalha pelo Brasil é o vagão rosa, exclusivo para as mulheres, nos sistemas de metrô. Brasília (DF), Rio de Janeiro (RJ), Jaboatão dos Guararapes (PE), Belo Horizonte (MG) e Contagem (MG) são algumas das cidades que utilizam esse método. Ele é uma realidade também em países como México, Japão, Malásia e Filipinas.

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Quais os efeitos das medidas

A lei que definiu a importunação sexual como crime completou um ano em setembro de 2019. Nesse período, 31% dos 3.090 casos registrados ocorreram em vias públicas, 26% em residências e 12% no transporte coletivo. Do total de vítimas, 75% foram mulheres, segundo a SSP de São Paulo. Esse número pode ser ainda maior, uma vez que muitas optam por não denunciar o crime.

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Nos locais onde o vagão rosa foi implementado, falta fiscalização. Na capital do Rio de Janeiro, por exemplo, a Polícia Militar retira 50 homens, em média, dos vagões femininos durante os horários de funcionamento, das 6h às 9h e das 17h às 20h. Há, inclusive, uma petição com quase 21 mil assinaturas criada para pressionar os deputados Jorge Picciani (PMDB) e Martha Rocha (PDT), autores da lei, a determinar a fiscalização estendida e mais eficiente nos vagões.

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Uma tentativa de criar o vagão rosa em São Paulo em 2014 gerou polêmica. Aprovado pela Assembleia Legislativa, o projeto de lei foi alvo de protestos de mulheres na Praça da Sé, centro da cidade. Acabou sendo vetado pelo então governador Geraldo Alckmin, após pressão de entidades de mulheres. Segundo Alckmin, “separar não parece ser o caminho adequado nem o melhor caminho para coibir o assédio”.

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A representatividade em espaços de tomada de decisão

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Há poucas mulheres à frente de decisões relacionadas a mobilidade urbana no Brasil. Dos vinte e seis secretários responsáveis pelo transporte, infraestrutura e mobilidade urbana dos seus respectivos estados — Roraima não tem uma secretaria específica sobre os temas — apenas duas são mulheres. São elas Juliana Passarin, do Tocantins, e Janainna Pinto Marques (PTB), do Piauí.

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A diversidade de vozes no poder público poderia produzir uma cidade mais inclusiva, segundo Letícia Lindenberg, pesquisadora do LabCidade (Laboratório Espaço Público e Direito à Cidade), da USP (Universidade de São Paulo). “Mas não adianta ter comissões cheias de mulheres se essas mulheres não têm iniciativas lá dentro”, afirmou ao Nexo. Tocantins e Piauí, embora tenham mulheres na secretaria da área, não possuem projetos de mobilidade voltados para a população feminina.

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Para Marina Kohler Harkot, doutoranda da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, ter mais mulheres nessas posições não necessariamente resultaria em mais projetos voltados para o público feminino. “Normalmente, as mulheres nos espaços de decisão e de poder não fazem necessariamente o uso do transporte público ou dos espaços públicos de maneira mais ampla”, disse ao Nexo.

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Harkot defende uma sensibilização mais ampla, que enxergue a mobilidade necessária para diversas facetas da vida, e não apenas o trabalho formal. “É importante levar em conta o trabalho reprodutivo, que são as viagens para acompanhar alguém ao hospital, para fazer compras para a casa, entre outras, feito muitas vezes por mulheres. Essas viagens acontecem dentro do bairro ou entre bairros, não só dentro da dinâmica centro-periferia para o qual o transporte é pensado. Mesmo assim, elas não são consideradas no planejamento urbano”, afirmou.

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Possíveis soluções

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Em 2016, a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano de São Paulo divulgou que as mulheres (74,6%) andam mais a pé do que os homens (62,5%). Criada quatro anos antes, a organização sem fins lucrativos SampaPé busca melhorar a experiência do caminhar nas cidades. Letícia Sabino, fundadora e coordenadora do movimento, acredita que o tema da mobilidade feminina avançou no cenário político nos últimos anos: “O assunto hoje é pautado e reconhecido. O que falta agora é refletir em respostas efetivas provenientes do governo”, disse.

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Para a arquiteta e urbanista, as audiências públicas e conselhos não bastam. “As demandas da população feminina, como mães e estudantes, precisam ser escutadas e respondidas. E isso só é possível com a participação dessas pessoas como cidadãs”, avalia. “Não é coisa de outro mundo. Se olharmos para fora do Brasil, vemos essa situação na Espanha, por exemplo. Lá, graças à uma lei de inclusão, antes de qualquer transformação urbana deve ter auditorias de segurança de gênero realizadas por ONGs e coletivos de urbanistas feministas.”

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Em Londres, na Inglaterra, segundo Sabino, o governo abre editais para destinar dinheiro a grupos comunitários que promoverem mudanças urbanas sob a perspectiva da ‘caminhabilidade’. “É algo que poderia ser feito aqui no Brasil”, diz.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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